DADA A LARGADA PARA REVOLUCIONAR SEGURANÇA DE CARROS ATÉ 2023
Caixa-preta, frenagem de emergência e sensores que travam ignição por consumo excessivo de álcool estão entre as tecnologias de vanguarda embarcadas nos novos veículos. Por : Vagner Ricardo
Entre 2024 e 2030, é esperado um novo salto na segurança dos veículos produzidos em todo o mundo – expectativa que é fruto de programas para incluir mais itens de segurança de fábrica nos veículos leves e pesados, tornando a condução mais segura. O objetivo final é reduzir mortes, lesões e sinistros em acidentes de trânsito.
A cruzada por tecnologias embarcadas, porém, manterá um ritmo desigual entre os países, em virtude de legislações de trânsito mais ou menos severas. Isso significa que o mais provável é que países desenvolvidos permaneçam à frente dessa competição, e os em desenvolvimento, em posições intermediárias ou quase desconfortáveis, reconhecem especialistas e a própria Organização das Nações Unidas (ONU).
A União Europeia (UE) está entre os mercados automotivos mais dinâmicos em relação à segurança. Desde julho de 2022, com a atualização das Regulações Gerais de Segurança da União Europeia, os veículos novos produzidos ou vendidos na Europa passaram a (ou estão em via de) adotar itens de fábrica inovadores, como caixa-preta, limitador de velocidade, frenagem de emergência, mecanismos de proteção aos pedestres e até dispositivo de segurança que trava a ignição se o consumo de bebida for excessivo.
A exemplo dos aviões, a caixa-preta dos veículos planeja reunir dados mais detalhados e precisos sobre os acidentes, permitindo ações mais assertivas das autoridades públicas/agências reguladoras para reduzi-los. A implantação tem ocorrido desde 2022 em carros novos e, até julho de 2024, deverá ser concluída na frota de todos os países da UE, inclusive nos veículos fabricados antes de 2022. Os dados registrados na caixa-preta serão anônimos e não serão disponíveis a terceiros, como seguradoras.
O chamado Sistema de Assistência Inteligente de Velocidade é obrigatório em todos os modelos de carros produzidos na UE também desde julho de 2022; para os mais antigos, o prazo encerra-se em julho do próximo ano. O Conselho Europeu de Segurança afirma que o uso generalizado desse equipamento poderá reduzir os acidentes em 30%, e as mortes e lesões no trânsito, em 20%.
O dispositivo de travamento da ignição por álcool é outra iniciativa promissora, já usado pela Justiça na Europa contra motoristas infratores. Em vez da suspensão da carteira de habilitação, motoristas só podem dirigir carros que tenham esse sensor instalado até o julgamento das ações de trânsito.
“A União Europeia avançou 20 anos em relação ao Brasil e a outros países da América Latina, em termos de regulamentação de segurança veicular, apenas com a adoção das novas especificações de 2022”, afirma Alejandro Furas, secretário-geral do Latin NCAP, associação encarregada de testar os níveis de segurança de veículos novos à venda na América Latina e no Caribe e de estimular fabricantes a aperfeiçoar sistema e governos a replicar regulamentos propostos pela ONU.
ROTA 2030
No Brasil, grande parte das ações em favor do aumento da segurança consta do programa Rota 2030, cujo cronograma prevê que os carros deverão ter acessórios de fábricas contra colisões laterais até 2024. Outros cinco acessórios obrigatórios estarão disponíveis até o próximo ano: aviso de não enfivelamento do cinto; indicador de direção lateral; farol de rodagem diurna; sinal de frenagem de emergência (ESS) e sistema de controle de estabilidade (ESC), de acordo com resoluções do Conselho Nacional de Trânsito, o órgão máximo normativo e consultivo do Sistema Nacional de Trânsito.
Não há ainda normativos sobre itens de frenagem autônoma de emergência contra acidentes com pedestre ou ciclistas, nem de assistente de permanência em faixa de rodagem (LKAS) ou de monitor sonolência ou distração do motorista. Ao todo, são 18 medidas que constam do Rota 2030 para ampliar a segurança dos carros nos próximos sete anos e meio.
Para Alejandro Furas, uma regulamentação tornando os testes de colisão obrigatórios para veículos leves e pesados no País, a fim de classificá-los quanto à segurança e avaliar o padrão de seus acessórios, seria um passo crucial para incentivar as montadoras locais a acelerar seus investimentos na oferta de carros mais seguros.
Essa medida seria ainda mais eficaz se houvesse ampla divulgação dos resultados desses testes aos consumidores. Além disso, seria importante que as seguradoras oferecessem preços diferenciados para as coberturas, o que seria uma indicação valiosa para os compradores, a exemplo do que ocorre no mercado europeu.
ESCOLHAS SEGURAS
Na União Europeia, o Euro NCAP criou o sistema de classificação de segurança para ajudar consumidores, suas famílias e empresas a comparar, com mais facilidade, os veículos e para ajudá-los a identificar a escolha mais segura para suas necessidades.
A classificação em estrelas é determinada pelo desempenho do carro nos testes Euro NCAP, mas também leva em consideração o equipamento de segurança oferecido pelo fabricante em cada mercado. Portanto, um alto número de estrelas não apenas indica um bom resultado nos testes, mas também que o equipamento de segurança está amplamente disponível para os consumidores na Europa.
Anualmente, a entidade divulga sua lista de carros mais seguros. Na mais recente, a de 2022, a disputa pelas estrelas tornou-se ainda mais acirrada, tendo em vista os novos normativos da UE e a tradição das montadoras da Europa de antecipar a adoção de itens de segurança que constarão de futuras legislações.
“O ano de 2022 foi um dos mais movimentados do Euro NCAP, com novos fabricantes de automóveis e novas tecnologias. É claro que uma boa classificação Euro NCAP é vista pelos fabricantes como fundamental para o sucesso na Europa. Isso só pode significar melhores equipamentos de segurança e automóveis mais seguros para os consumidores europeus”, afirmou Michiel van Ratingen, secretário-geral do Euro NCAP, ao anunciar os vencedores de 2022.
Os carros mais seguros do Euro NCAP são os que obtêm pontuações gerais mais altas, com base em seus resultados para tecnologias de proteção de ocupantes adultos, infantis e usuários vulneráveis, além de assistência à segurança. Pela primeira vez, essa lista incluiu dois carros da Tesla e dois chineses recém-chegados ao mercado europeu.
NÚMEROS ELEVADOS
Coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto reconhece que “a tecnologia de segurança embarcada nos carros produzidos no País teve uma melhora significativa nos últimos anos, contribuindo para evitar parcelas de mortes e lesões em acidentes de trânsito”. Como exemplo, ele destaca os benefícios de airbags e de freios ABS, obrigatórios nos veículos, inclusive nos populares.
Entretanto, os números persistem elevados, porque, segundo ele, há uma “verdadeira indústria da impunidade” que se mantém ativa no País, minando o resultado potencial dos acessórios de segurança. Como exemplo, Rizzotto cita os conteúdos postados por motoristas que cometem uma série de infrações de trânsito, transformando-se em celebridades nas redes sociais, sendo remunerados por diversas plataformas. Para ele, as omissões da legislação de trânsito para atingir as “celebridades” das redes sociais e a utilização pouco efetiva dos dados criados na cadeia automotiva precisam ser corrigidas.
De qualquer forma, a incorporação de tecnologias de segurança é bem-vista pela ONU, sobretudo após seu primeiro programa para baixar as mortes e lesões no trânsito não atingir suas metas na década passada, de 2011 a 2020. Resultado: a ONU lançou sua segunda década de ação pela segurança no trânsito em 2021, para reduzir em, pelo menos, 50% as mortes e as lesões decorrentes de acidentes em todo o planeta até 2030.
A segurança do veículo ocupa um lugar de destaque nesse novo programa, por isso, montadoras devem investir em projetos para proteger motoristas, passageiros e pedestres simultaneamente. A ONU recomenda que as empresas automotivas incorporem recursos para evitar acidentes ou, quando inevitáveis, reduzir os riscos de lesões em todos os envolvidos.
Ainda segundo a ONU, embora já existam tipos de soluções tecnológicas de prevenção, sua incorporação difere entre os países de destino dos veículos automotores.
“Na verdade, dependendo das regulamentações vigentes nos mercados de destino, os veículos são fabricados com diferentes recursos de segurança. As empresas automotivas frequentemente retiram especificações para recursos de salvamento em modelos mais novos vendidos em países cujas normas não reclamem a inclusão. É necessário aplicar normas legislativas harmonizadas para o projeto e a tecnologia de veículos, a fim de garantir um nível de segurança uniforme e aceitável em todo o mundo”, destaca a Resolução da ONU.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os acidentes de trânsito no Brasil resultam em aproximadamente 45 mil mortes anuais, além de 300 mil com lesões graves. Os custos econômicos são de cerca de R$ 50 bilhões por ano- R$ 40 bilhões nos acidentes em rodovias; e R$ 10 bilhões nas áreas urbanas. O Ipea sugere políticas públicas assertivas, como aumento da fiscalização e do controle de velocidade, a fim de reduzir o número de acidentes de trânsito quanto sua gravidade.
RISCOS DE SEGUROS
Os dados gerados por novas tecnologias disponíveis nos veículos são uma fonte de informações preciosa para uma subscrição adequada de riscos de seguros e para retroalimentar a criação de softwares e hardwares que contribuam para tornar a condução de veículos mais segura. O compartilhamento dos dados, portanto, é visto como a nova era de ouro para expandir serviços na cadeia automotiva e, enfim, aperfeiçoar a mobilidade urbana.
Ocorre que montadoras atuantes na Europa, alegando determinações da Lei de Dados, travam esse livre repasse de informações. Um bom exemplo é o caso da caixa-preta. A rigor, os dados que contam a narrativa de acidentes só podem ser manipulados por autoridades públicas, a fim de estabelecer novas exigências para mitigar os danos das colisões e atropelamentos. Outros acessórios permanecem com seus dados distantes dos mercados.
Daí porque, no mercado europeu, uma nova legislação de acesso a dados, funções e recursos no veículo é solicitada por entidades de consumidores, fornecedores automotivos, indústria de leasing e seguradoras, entre outros players que subscreveram uma declaração conjunta recentemente.
Enviado ao comissário europeu Thierry Breton, o documento assinala que a legislação de acesso a dados, funções e recursos no veículo deveria ter entrado em vigência em 2021. O texto acrescenta que a criação de um normativo específico de acesso já era prevista na própria Lei de Dados da União Europeia.
Uma legislação para facilitar o acesso aos dados do veículo é prometida para breve e torna-se o ponto de partida para o desenvolvimento de um mercado inovador e competitivo de veículos conectados. Dados da própria Comissão Europeia estimam um mercado da ordem de 400 bilhões de euros no plano global até 2030, gerados via ecossistema de automóveis/mobilidade. A própria Comissão da UE reconhece a existência de uma barreira sistêmica de acesso aos dados e promete pacificar o assunto nos próximos meses.