ONDA DE DEMISSÕES NAS STARTUPS É FENÔMENO PASSAGEIRO

ONDA DE DEMISSÕES NAS STARTUPS É FENÔMENO PASSAGEIRO

Especialistas apostam que, apesar da falta de liquidez para investimentos em empresas de tecnologia, a crise é pontual, e os empregos serão retomados em breve. A falta de qualificação da mão de obra preocupa.

Por: Michel Alecrim

As empresas de tecnologia vinham sendo apontadas nos últimos anos como válvulas de escape para o problema da empregabilidade. Enquanto faltam vagas na maioria dos setores para o grande número de candidatos a um emprego, nesse ambiente mais pujante tem havido sobra de postos de trabalho e sempre com salários mais altos que a média, levando muita gente até a buscar formação na área.

 

No entanto, uma onda de demissões em massa nas big techs e nas startups, neste ano, colocou em xeque a capacidade de absorção dessa mão de obra. A prosperidade do setor também tem sido vista com desconfiança depois da quebra em março do SVB (Silicon Valley Bank), principal financiador do Vale do Silício, nos Estados Unidos.

 

Além da crise de liquidez para financiamento e investimento em startups, o início de 2023 teve números negativos para as big techs globais. Foram mais de cem mil demissões em empresas tidas como inabaláveis, como Amazon e Meta, por exemplo. Por isso, a dúvida sobre o futuro das empresas tecnológicas em geral vem dominando o debate econômico e exigindo uma análise mais detalhada dos especialistas.

 

Para Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), apesar do enorme apetite verificado nos últimos anos, o setor demonstrou que está sujeito a certas condições do mercado da mesma forma que as empresas tradicionais: reduções de demanda, aumento de custos e elevação de juros. O ambiente econômico negativo vivido pelo Brasil e pelo mundo também impacta as empresas de TI.

 

A necessidade de ajuste, além de provocada pelo quadro macroeconômico, também foi motivada por um crescimento exagerado nos últimos anos, que forçou a atual rearrumação. Para Zylberstajn, empresas de tecnologia não são tão ciosas em relação à retenção de capital humano como as empresas tradicionais. Mas, como lidam com profissionais preparados e que aprendem os processos rapidamente, cortar os excessos não impede uma recuperação fácil de seus quadros no futuro.

 

“Pode parecer contraditório, mas, na realidade, os profissionais do setor tecnológico são altamente qualificados e, ao mesmo tempo, facilmente substituíveis. O alento para quem está perdendo o emprego é que, pela capacidade de adaptação desses profissionais, a recolocação tende a ser rápida, principalmente numa futura retomada”, explica o professor.

 

PÓS-PANDEMIA

André Miceli, coordenador do MBA da FGV em Marketing e Inteligência de Negócios Digitais, ressalta que, além de fatores que afetam a economia, o setor tecnológico vive uma reorganização pós-pandemia. Enquanto no período de isolamento social a demanda tecnológica aumentou intensamente, o volume não se sustentou com a retomada do trabalho presencial e da circulação das pessoas nas ruas. Para ele, a liquidez dos investimentos foi reduzida, mas não haverá escassez de recursos para bons projetos, inclusive de insuretechs.

 

“Os investimentos voltados para negócios inovadores em fase inicial secaram, de certa forma, e um dos motivos é que o investidor ficou mais criterioso e mais avesso ao risco. Mas isso não vai impedir que esses recursos cheguem aos bons projetos”, aposta Miceli, que também vê grande oportunidade de crescimento para fintechs de seguros.

 

Ildeberto Aparecido Rodello, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP), também vinculada à USP, ressalta que, apesar do grande número de demissões, grande parte dos profissionais dispensados não são propriamente das áreas tecnológicas, mas de departamentos de Recursos Humanos, atendimento ou mediação de mídia, por exemplo.

 

“A transformação digital foi acelerada durante a pandemia e, com o fim desse período, houve uma freada, mas ela não acabou. A inovação e o investimento em tecnologia da informação ainda continuam, mesmo que de forma mais discreta ou menos acelerada. Até porque vários temas ainda estão em andamento, como robotização, internet das coisas, avanços na inteligência artificial e ciência de dados. Isso tudo ainda é muito efervescente no mercado”, afirma Rodello, que aposta não só na continuidade de uma forte procura por profissionais da área no Brasil como também na demanda por brasileiros capacitados para atuar no exterior.

 

NOVOS TALENTOS

Os empregos do setor no Brasil vêm sendo monitorados pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom). Segundo estudo de 2021, divulgado no ano passado, a previsão é de que o setor geraria uma demanda de 797 mil profissionais até o fim de 2025, ou cerca de 159 mil novos talentos por ano. O documento também estima que os empregos nas áreas de TIC, software e TI in house (setores de tecnologia da informação instalados dentro de empresas de outros ramos) pagam três vezes mais que a média salarial nacional.

 

Para Helen Loiola, coordenadora de Inteligência e Informação da Brasscom, o crescimento dos mercados de informação na nuvem, segurança da informação, inteligência artificial e big data vai continuar gerando demanda por profissionais qualificados na área, que tendem a ser bem pagos.

 

“Nós observamos o mercado, mas essas demissões são fatos pontuais. Mantemos a previsão de crescimento exponencial de empregos e reforçamos nossa preocupação com relação à falta de pessoal especializado no Brasil, que deveria investir mais em formação. Anualmente, o País forma 53 mil universitários em áreas tecnológicas, o que é insuficiente”, destaca Loiola.