META CONTÍNUA VAI PERMITIR UMA POLÍTICA MONETÁRIA MAIS ESTÁVEL
Economistas avaliam mudança no regime de meta de inflação do Banco Central, que passará a valer a partir de 2025. Por: Vagner Ricardo
Após um debate acalorado no começo do atual Governo, com oposição severa à proposta de mudança do regime de meta de inflação, o melhor sinal de que os espíritos se acalmaram foi o fechamento positivo da Bolsa de Valores de São Paulo e o dólar estável no mesmo dia (29/06) do anúncio de troca da metodologia pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A mudança de ano-calendário para meta de inflação contínua passa a valer a partir de 2025 e, no entender do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dará mais flexibilidade para o trabalho do Banco Central de atingir a meta fixada em 3%.
O presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, afirma que a adoção da meta contínua representa uma evolução do sistema de controle da inflação. “Isso vai permitir ao Banco Central adotar uma política monetária mais estável, evitando que precise responder a cada momento a flutuações da inflação de curto prazo. Então, o BC vai poder ajustar melhor a calibragem dos juros a longo prazo, mantendo a economia como um todo mais estável.”
O economista Francisco Galiza entende que a meta contínua tem como mérito engessar menos a economia, algo que poderá beneficiar todos os ramos e modalidades de seguros. “Juros em queda e inflação mais baixa permitem uma taxa de crescimento mais vistosa do mercado segurador, abrindo perspectivas de melhoras no resultado operacional das seguradoras.
Em contrapartida, o ciclo de baixa da taxa Selic projetado pelo mercado financeiro tem impacto negativo para o setor, pois reduzirá gradualmente o ganho financeiro das seguradoras. Hoje, os ativos garantidores das empresas estão estimados em R$ 1,7 bilhão. Por sorte, será um voo suave, já que a queda da Selic, de dois dígitos para um, não se dará imediatamente. Ainda assim, é uma perda significativa do teto de 13,75% mantido até há pouco para algo na casa de 9%. A perspectiva de vendas maiores de seguros, contudo, pode neutralizar parte dessas perdas financeiras.
O economista Alexandre Schawartsman, ex-diretor do Banco Central, afirma que a troca do regime de meta será, em larga medida, irrelevante, já que o BC, na prática, nunca seguiu o critério de ano-calendário desde a criação do regime de metas. Isso se dá porque a política monetária não afeta inflação de maneira imediata, mas sim num prazo acima de um ano e abaixo de dois anos.
“Na média, estamos falando que o pico do atual modelo se materializa entre 15 e 18 meses, após a fixação da taxa Selic. Tanto é assim que, tradicionalmente em março, o Banco Central desiste de olhar a inflação do exercício e foca no comportamento do ano seguinte. Nesse momento, por exemplo, o BC já mira a inflação de 2024 e 2025. Ou seja, não há mudança no modus operandi, porque o ano-calendário nunca foi alvo das gestões do banco.”
Para o economista Carlos Thadeu de Freitas, outro ex-diretor do Banco Central, a meta contínua é bem-vinda, mas, para ser bem-sucedida, precisa haver extrema austeridade na concessão de créditos subsidiados. O ideal é que não houvesse qualquer subsídio, diz ele, a não ser para áreas essenciais como educação e saúde.
Freitas lembra que o alcance da política monetária sempre foi neutralizado parcialmente pelos empréstimos subsidiados, obrigando o BC a calibrar a taxa Selic acima do necessário. Ele se refere aos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), quando atrelados à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), o que gerou enorme distorções na condução da política monetária. “A política monetária não funciona quando o Banco Central eleva a taxa Selic, e o BNDES facilita empréstimos subsidiados”, destaca ele.
A partir de janeiro de 2018, lembra Thadeu de Freitas, o BNDES substituiu a TJLP pela Taxa de Longo Prazo (TLP). Entre as vantagens, a TLP incorpora taxas de juros mais realistas nos empréstimos concedidos, ao passo que a TJLP era mais sujeita à intervenção política e ao desvio de finalidade.
Sem esconder o medo de uma volta da TJLP, tendo em vista o debate sobre reindustrialização, o economista afirma que a TLP foi essencial para acabar com a farra de juros baixos para alguns — recursos esses que serviram até para a compra de aviões e helicópteros particulares pelos mais ricos — e frear ainda o processo de concentração de renda”, assinalou ele, defendendo que a tentação de juros subsidiados seja evitada a todo custo.
“Não existe almoço grátis, a sociedade sempre paga a conta do subsídio”, afirma ele, para quem, em condições de normalidade, o BC terá condições de dosar melhor os juros básicos e de cumprir a tarefa de alcançar a meta mais assertiva.
Em entrevista publicada no blog da Revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getulio Vargas, Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE, disse que será preciso esperar a atuação objetiva do BC nesse novo regime de meta contínua, de 3%. Até porque a prerrogativa do BC de definir o horizonte de convergência pode mudar em razão do decreto presidencial.
“Essa discussão está na mesa. Pode ser que não seja levada a cabo qualquer alteração, mas é bom desconfiar de mudanças que são feitas para deixar tudo igual. Se o decreto vier com prazos, será uma forma de ajustar o conceito de autonomia do BC que há hoje”, lembra.