TENSÕES GEOPOLÍTICAS SE SOBREPÕEM AOS TEMAS DE INTERESSE DO BRASIL NO G20
Entrevista: José Márcio Camargo Por: Vagner Ricardo
Pela primeira vez à frente da Presidência rotativa do G20, o Brasil prepara-se para ser sede do encontro que reunirá, em novembro, no Rio, as 20 economias mais robustas do planeta. A pauta de debates destaca temas caros à humanidade – como inclusão social, combate à fome e à pobreza e transição energética –, que correm o risco de ser ofuscados pela tensão geopolítica, sobretudo a prolongada guerra entre Ucrânia e Rússia. A Presidência rotativa do Brasil no G20 e, em 2025, as cúpulas dos BRICS, COP-30 e Mercosul, os desafios fiscais do País e a transição energética estão entre os temas avaliados nessa entrevista do economista José Márcio Camargo.
Ao assumir a Presidência rotativa do G20 pela primeira vez, o Brasil escolheu temas, como inclusão social, combate à fome e à pobreza, desenvolvimento sustentável e transição energética. Como esses tópicos podem avançar no G20?
Com base nas reuniões preliminares, a impressão é de que faltou combinar a escolha da pauta com os outros 19 membros do grupo. No encontro de ministros de Finanças e presidentes de BC do G20, em fevereiro, os países do G7 deram mais importância à guerra que ocorre na Europa do que às questões que o Brasil quer transformar em prioridade no encontro. Não houve sequer uma declaração conjunta dos países, porque o que prevaleceu foi uma pauta paralela, discutida entre Estados Unidos, França e Alemanha, sobre mecanismos para aumentar o bloqueio dos recursos russos, congelados em bancos americanos e europeus, e seu uso em favor da Ucrânia. Mesmo que não tire a relevância da pauta escolhida pelo Brasil, a tensão geopolítica parece se sobrepor aos temas priorizados, pelo menos entre os países do G7. É claro que ainda há tempo para que todos os países se comprometam com a pauta apresentada pelo Brasil, mas é preciso que os líderes das nações concordem de fato com essa agenda oficial, para que as tensões geopolíticas não ofusquem os debates do encontro de novembro.
O fato de o Brasil assumir a Presidência do G20, fórum que reúne algumas das principais economias europeias, pode ser um facilitador para o fechamento do acordo Mercosul/União Europeia?
Não há sinalização de que o acordo Mercosul/União Europeia avance a curto prazo. As negociações enfrentam resistências importantes nesse momento. Pelo lado europeu, os protestos recentes dos produtores rurais, principalmente os franceses, mostram uma resistência importante à proposta de livre comércio dos produtos agrícolas do Mercosul na Europa. Há um histórico de protecionismo europeu na questão do agronegócio, e isso se reflete nas negociações em andamento, ainda que, no bloco europeu, haja países que queiram levar o acordo à frente. De qualquer forma, a França tem poder de veto e pode emperrar o acordo. Na outra ponta, a proposta do Mercosul de manter as compras governamentais em empresas nacionais não é acolhida pelos países do bloco europeu. Enfim, há muitos atritos e poucos sinais de consenso, criando um cenário pouco propenso para a assinatura do acordo andar a curto prazo.
A Presidência rotativa confere status ao anfitrião do encontro e poder nos demais fóruns internacionais. Qual a importância de o Brasil promover encontros como o do G20, a COP30 e as reuniões de cúpula do Mercosul e dos BRICS?
É uma posição importante do ponto de vista diplomático. A participação nos debates dos grandes temas internacionais é relevante e dá mais poder de influência ao País. É uma posição que, se bem aproveitada, pode trazer ganhos.
Essa avaliação inclui o BRICS?
A expansão do BRICS é algo que beneficiou apenas o governo chinês. Na verdade, ampliou o poder da China sobre os demais fundadores do bloco e foi a razão da saída da Argentina. Para o Brasil, o ingresso de novos países não foi algo positivo, de fato.
A transição energética é um dos temas presentes em grandes fóruns internacionais. Há muitos desafios na sua materialização?
Dada a necessidade de conter a deterioração da natureza, a transição energética continuará a avançar, mas não no ritmo célere que muitos queriam, tendo em vista a emergência climática. O problema é que os combustíveis alternativos não têm escala equivalente aos fósseis para manter o funcionamento das economias. Toda solução de transição energética é complicada, cara e demonstra que abrir mão de combustíveis fósseis, algo alinhado à descarbonização, não será tarefa das mais fáceis nem ocorrerá no ritmo que alguns esperam. Dessa forma, os efeitos das mudanças climáticas continuarão a atingir a todos, mas com efeitos mais severos nos países pobres.
Para onda caminha o Mercosul?
O Brasil virou um outsider no Mercosul. Argentina, Paraguai e Uruguai têm uma postura meio parecida entre si, e o Brasil parece cada vez mais fora desse processo. Mas, como é a principal economia do bloco, o funcionamento prossegue, mas cada vez mais de lado.
No plano político, há um avanço da extrema-direita no mundo. Isso atrapalha a globalização ou o multilateralismo?
Faz parte do ciclo político a alternância do poder entre esquerda e direita. Em tese, a direita mais liberal tende a ser menos intervencionista e mais favorável à globalização. Não parece afetar a globalização ou o multilateralismo.
Que imagem do Brasil prevalece no plano global do ponto de vista econômico?
O Brasil tem um problema grave, que é a questão fiscal. Há um déficit alto, de 2% do PIB, a dívida pública alcança 75% do PIB e continua crescendo sem perspectiva de interromper esse ciclo nos próximos anos. As sinalizações são de aumento dos gastos públicos financiados pela elevação de impostos. Esse é um problema grave, porque gera um equilíbrio econômico de má qualidade, exige a manutenção da desvalorização cambial e de taxas de juros elevadas e baixa expansão do PIB, algo ruim para a sociedade como um todo.
O Brasil enfrenta desafios globais, como o rápido envelhecimento da população ao lado de inovações tecnológicas que podem reduzir postos de trabalho. Que avaliação faz desse cenário?
Acho que a questão do envelhecimento é um tema relevante, sobretudo para o equilíbrio da previdência pública. É preciso lembrar que o déficit da previdência, hoje na casa dos 4% do PIB, é crescente. O Brasil gasta muito com o pagamento de aposentadorias e pensões, e a única saída de longo prazo é acrescentar a perna da capitalização no sistema de previdência social do País. Uma nova reforma exigirá a entrada da capitalização, porque o atual modelo é insustentável. Sobre a ameaça de a tecnologia varrer empregos, a história tem demonstrado que as inovações são sustentáveis, elevam a produtividade da economia como um todo e geram novos postos de trabalho.