Mais de 100 bets devem ser legalizadas no País em 2025

Mais de 100 bets devem ser legalizadas no País em 2025

Febre de apostas online afeta desempenho de diversas áreas de varejo e de serviços. Casas esportivas alcançam movimentação acima de R$ 100 bilhões por ano.

Por: Vagner Ricardo

Há uma linha tênue entre o equilíbrio e o descontrole nos jogos de apostas esportivas online (as chamadas bets). Maria (nome fictício) em algum momento cruzou a linha de segurança ao retirar R$ 80 mil das contas bancárias da mãe, por meio de biometria fraudada, R$ 20 mil em espécie do irmão e outros R$ 3 mil do pai.

 

Desmascarada e expulsa de casa, ela trocou sexo por dinheiro, para “profetizar” resultados em novas apostas. Então, decidiu participar de algumas reuniões de jogadores anônimos para se curar do vício, voltou a morar com a família e hoje convive com a receio permanente de nova recaída. “Paga o preço de uma aposta errada”, declara sua mãe.

 

Professor do Departamento de Sociologia e Metodologia e Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcelo Pereira de Mello afirma que, dada a facilidade de acesso e ausência de empecilhos legais e burocráticos de controle, “o apostador contumaz tende a encarar a aposta como investimento e acredita que ‘investindo’ pouco dinheiro poderá multiplicá-lo. Quando essa perspectiva se associa a um comportamento compulsivo, torna-se a fórmula perfeita para o vício e o comprometimento da renda familiar”, afirma ele, em reportagem disponível no portal da UFF.

 

Maria está ‘limpa’ agora, mas, se tiver recaída, haverá mais de uma centena de casas à sua espera. Isso porque o Brasil terá, em 1º de janeiro de 2025, pelo menos 108 casas de apostas esportivas online regulamentadas, aptas a operar um total de 220 sites de apostas, caso aceitos todos os pedidos de outorga apresentados, em agosto último, à Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), órgão do Ministério da Fazenda. E deverá crescer ainda mais, porque novos operadores poderão se inscrever, já que o cadastro permanece aberto.

 

É o primeiro sinal de que as apostas esportivas acenam para um crescimento orgânico nos próximos anos, o que gera preocupação entre setores tradicionais de varejo, serviços e até financeiros. A preocupação central é que, em nome da “fezinha”, aumente o número de jogadores que desistam do consumo de itens básicos e essenciais, redirecionando seus recursos para as apostas.

 

DANOS VARIADOS

Pesquisas e relatórios de bancos do mundo afora identificam danos variados com o avanço das apostas online. Os jogos impactam a situação financeira das famílias, reduzem a poupança e podem afetar a saúde mental dos envolvidos, afastando-os do convívio social e gerando mais perdas do que ganhos.

 

O vício em apostas esportivas ultrapassa fronteiras, afetando brasileiros, americanos, europeus e diversas outras nacionalidades. “O problema é que as bets foram feitas para o jogador perder e, em todas as faixas de renda, a conta é negativa para o apostador no decorrer do tempo”, diz Roberto Kanter, economista e professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas.

 

A combinação da facilidade de acesso às plataformas de apostas com o forte vínculo emocional dos torcedores com seus times cria um cenário propício à dependência e à perda de controle financeiro, observa ele, para quem gastos aparentemente insignificantes podem resultar em prejuízos anuais consideráveis. Apostas diárias de R 10 a R$ 30, por exemplo, transformam-se em perdas de R$ 3,6 mil a R$ 10,9 mil no ano.

 

NOVAS REGRAS

O Governo diz que o período de apostas sem regras encerra-se em 31 de dezembro, convertendo o Brasil em um dos maiores mercados regulados de jogos esportivos do mundo, assinala o secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Regis Dudena. Para ele, as apostas online vão se tornar mais seguras para a sociedade e trazer benefícios para a economia nacional. Só em outorgas previstas até o fim do ano, oriundas do grupo cadastrado até agosto, o Governo poderá abocanhar R$ 3,4 bilhões.

 

A legislação mais recente aprovada no País, em dezembro de 2023 e com vigência prevista para 2025, planeja depurar o mercado de apostas e retirar o segmento das páginas de notícias policiais, ao separar o joio do trigo. De 2018 em diante, quando da publicação da Lei 13.756 e subsequentes portarias e regulamentações, o mercado das bets convive com rumorosos casos de fraudes, desde manipulação de resultados de jogos, prisões de donos de bets e de influenciadores, até suspeita de lavagem de dinheiro.

 

“O Ministério da Fazenda vem trabalhando intensamente na regulação dos jogos e estabeleceu critérios rigorosos de proteção dos apostadores e regras para o mercado. O setor respondeu positivamente, mostrando que há muitas empresas sérias que pretendem atuar respeitando a legislação, sendo a melhor forma de atender às necessidades pessoais, sociais e econômicas da atividade”, declarou o secretário.

 

Agora, as empresas regulamentadas terão de adotar mecanismo para prevenir e mitigar o jogo compulsivo; oferecer nas plataformas informações claras e acessíveis sobre as regras dos jogos, as probabilidades de ganho, regras de pagamento e os direitos do consumidor; cumprir regras de privacidade e proteção de dados; demostrar a solidez financeira dos grupos; disponibilizar SAC para resolver disputas e reclamações, além de se submeter à supervisão contínua.

 

CONSENSOS

Pesquisa Hopes and Fears 2024 da PwC constata que as apostas esportivas tiveram um ritmo acelerado de crescimento nos últimos cinco anos, apropriando-se de parcelas significativas dos gastos de famílias de baixa renda. Hoje, esses gastos representam 76% das despesas com lazer e cultura ou 5% do que gastam os mais pobres com alimentação. E pior: é muito provável que esse crescimento prossiga e afete diversos segmentos de consumo.

 

Há o consenso de que as bets tornam ainda mais vulneráveis grupos que enfrentam mais dificuldades financeiras. Segundo a pesquisa, apenas 43% das famílias dizem conseguir pagar todas as contas e ainda ter dinheiro suficiente para poupança, férias e extras, uma melhora em relação a 2023, quando apenas 37% disseram ter dinheiro sobrando no final do mês. No entanto, esse percentual ainda é inferior ao de 2022, quando 45% afirmaram ter essa segurança financeira.

 

O estudo joga sobre luzes sobre algumas características do mercado de apostas esportivas, cujo volume foi estimado entre R$ 60 e R$ 100 bilhões em 2023. Homens, jovens e pessoas da classe média baixa representam a maioria dos apostadores. Diz a pesquisa que as apostas já representam 1,38% do orçamento familiar nas classes D/E. Por fim, acrescenta o estudo, o montante apostado pode alcançar, neste ano, 5,5% do valor das despesas com alimentação.

 

Um relatório da XP Investimento diz que as novas exigências impostas às bets poderão reduzir marginalmente os gastos dos apostadores, principalmente dos mais pobres, deixando sobras para outras categorias de produtos e serviços.

 

Ramos do varejo (inclusive o de alimentação) ou de serviços (vestuário e telecomunicações), estão entre os que apontam as bets como a razão de uma desenvoltura aquém do potencial desses setores, tendo em vista um cenário de economia aquecida, renda em expansão e taxa de desemprego em queda. Esse estudo diz que a tributação — taxa de 12% sobre as receitas brutas e de 15% sobre os ganhos dos apostadores — poderá ser o gatilho para reduzir o entusiasmo dos jogadores. A conferir.