Pirataria em rios encarece custo de transporte fluvial no Amazonas

Pirataria em rios encarece custo de transporte fluvial no Amazonas

Combustíveis, eletrônicos e até drogas são alvos das quadrilhas que usam armamento pesado para atacar navios e balsas que transitam nos rios da Região Amazônica.

Por: Vagner Ricardo

O cerco aos piratas dos rios — quadrilhas que roubam mercadorias transportadas pela via fluvial — tem se ampliado nos últimos anos no País, sobretudo na Região Norte. São iniciativas para equacionar os prejuízos extraordinários causados pelos bandidos, dado o elevado volume transportado de cargas em navios e balsas.

 

Entre os exemplos para barrar a criminalidade, há um projeto de lei que prevê ampliação da pena para os piratas, audiências públicas para discutir soluções, uso de escolta armada no translado e bases flutuantes da Polícia Militar do Amazonas em locais mais críticos dos rios. Combustíveis, eletrônicos e até drogas e armas estão no radar das quadrilhas que atuam na região, criando um clima de pânico e tensão nas movimentações fluviais.

 

Segundo o deputado Saullo Vianna (União-AM), as quadrilhas usam metralhadoras e fuzis AR-15 e sistema de rádio VHF para comunicação durante a tocaia e o ataque. “Os bandidos armados atuam sempre em grupos, navegam em embarcações pequenas e velozes para facilitar a fuga e usam de extrema violência com a tripulação”, descreve.

 

Vianna é autor do Projeto de Lei 2190/24, apresentado à Câmara dos Deputados, que altera o Código Penal e aumenta de 30% a 50% a pena para o roubo de cargas transportadas por meio de rios e lagos em embarcações como balsas, canoas e navios.

 

Hoje, a pena geral para esse tipo de crime é prisão de quatro a dez anos e multa, mas poderá subir para 13 anos com a tipificação, caso o projeto seja aprovado na Câmara e no Senado. O parlamentar afirma que seu projeto mira criminosos que atuam como “piratas” ou “ratos d’água” em rios, especialmente na Região Norte do Brasil.

 

O projeto precisa passar pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania antes de ir ao plenário da Câmara. Para virar lei, a proposta precisa da aprovação de senadores e da sanção presidencial.

 

Além de mercadorias, drogas e armas transportadas pelos rios amazônicos estão no radar da pirataria. As quadrilhas de drogas e armas se enfrentam com regularidade, tentando (pasmem!) roubar, umas das outras, carregamentos fluviais vindos da Colômbia, da Bolívia e do Peru. Especialistas dizem que drogas e armas, produtos nobres e de enorme valor agregado no mundo do crime, afastam parcelas dos piratas de ataques a outros tipos de mercadorias transportadas nos rios para cidades e populações ribeirinhas.

 

“Historicamente, o transporte aquaviário na Região Amazônica não tinha registro de roubos, mas esse cenário tem mudado nos últimos anos. Entre os fatores que explicam essa nova modalidade de crime, está o aumento da pobreza e do tráfico de drogas nos municípios ribeirinhos do estado do Amazonas”, acrescenta o executivo Cefas Rodrigues, representante do Sindicato das Empresas de Seguros Privados do Norte e Nordeste (Sindseg N/NE).

 

Para ele, outro fator que agravou a pirataria nos rios da região é o combate ao garimpo clandestino. Segundo informações dos segurados, a ação da polícia, inclusive confiscando e queimando balsas, tem levado garimpeiros a fazer, em represália, incursões violentas contra algumas embarcações cargueiras.

 

Segundo Rodrigues, no caso das seguradoras, os programas de gerenciamento de riscos, ao lado da logística das operações, ajudam a inibir a prática bem-sucedida dessas ações criminosas.

 

PERDAS POR ATAQUES

O Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial no Estado do Amazonas (Sindarma-AM) fez um levantamento das perdas causadas por ataques de piratas de outubro de 2020 a dezembro de 2023. Apenas o item combustíveis — 7,7 milhões de litros subtraídos pelos piratas dos rios — gerou prejuízos da ordem de R$ 48 milhões no período. Nesses 39 meses, os ataques subiram 105% na comparação com os incidentes de anos anteriores, avalia Madson Nóbrega, vice-presidente do Sindarma.

 

Nessa conta, informa ele, não estão incluídos outros prejuízos associados durante a abordagem dos piratas, como danos a equipamentos, cascos das embarcações e até vidas. O ano de 2022 é tido como o mais severo em termos de ataques: foram oito assaltos e roubo de três milhões de litros de combustíveis pelas quadrilhas para venda ilegal.

 

A escalada da violência obrigou as transportadoras a contratar escoltas privadas armadas para proteger seus comboios de balsas. Essa iniciativa provocou queda significativa, quase pela metade, nos roubos de combustível no ano seguinte, mas tornou comuns a troca de tiros nos rios amazônicos para barrar a tentativa dos piratas.

 

Olhando as dimensões do estado do Amazonas, há enormes desafios para vigiar, reprimir e punir os criminosos. Para começar, é o maior estado do Brasil em extensão territorial, com 1.559.167.878 quilômetros quadrados e 62 municípios, dos quais 80% têm acesso apenas pelos rios.

 

Vale lembrar que Manaus, a capital do estado, tem apenas duas rodovias federais: a BR-319, que liga o município do Careiro-Castanho a Porto Velho, em Rondônia, que há décadas se encontra em situação precária e intrafegável em boa parte do ano. A outra é a BR-174, que liga Manaus a Boa Vista (RR), sendo a última fronteira brasileira do Norte do País.

 

Logo, em consequência da ausência de estradas, 99% das operações de movimentações de cargas do estado do Amazonas usam de alguma forma o rio como meio de deslocamento, seja para fazer a travessia das carretas entre Manaus e Rondônia, seja para efetivamente transportar a carga entre Manaus e seus municípios, explica Cefas Rodrigues.

 

ROTA DE CALMARIA

O secretário executivo de Operações da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, coronel Algenor Teixeira Filho, enxerga um quadro de mais calmaria na incidência de roubos atualmente.

 

“Não estou dizendo que os piratas deixaram de existir, mas seguimos a mancha da criminalidade para reprimir as quadrilhas e dependemos muito das atualizações dos ataques pelas entidades empresariais. Os números que dispomos mostram que as ocorrências de pirataria estão em declínio para itens como combustíveis”, afirma o secretário.

 

Segundo Teixeira Filho, após a criação de quatro bases flutuantes da Polícia Militar do Amazonas nos rios da região, há hoje mais apreensão de drogas e armamentos do que de mercadorias procedentes de roubo nos rios. “Mas permanece a lenda de que esses roubos de mercadorias ainda são intensos, como de fato foi no passado”, afirma ele.

 

As bases flutuantes, que envolvem 240 militares — 60 em cada unidade —, estão localizadas em pontos estratégicos dos rios Negro, Solimões e Madeira, tornando-se um ponto de fiscalização de embarcações que passam nessas áreas. São feitas inspeções para verificar cargas, documentação e possíveis atividades criminosas.

 

As unidades, que custam R$ 6 milhões por mês ao estado, são equipadas com lanchas blindadas e armamento pesado, além de contar com equipes integradas das Polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros, Marinha e Força Nacional. Coordenadas pela Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), essas bases também são apoiadas pelo Ministério da Justiça para suas operações integradas.

 

O presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), Emerson Kapaz, confirma o recuo dos assaltos. “Neste ano, tivemos tentativas de roubo, mas nada foi concretizado. Esse cenário é resultado do avanço no compartilhamento de informações e da integração de dados de inteligência para o combate assertivo dos crimes que ocorrem no transporte aquaviário na Região Norte do Brasil”, informa.

 

A implementação da segurança embarcada para transporte de combustíveis proporcionou uma redução significativa de assaltos nas hidrovias do Norte do Brasil em 2024. Um alívio e tanto, já que, nos últimos dois anos, segundo Kapaz, foram roubados quase quatro milhões de litros de gasolina e de diesel, gerando prejuízo de R$ 100 milhões em assaltos ocorridos no Solimões e no Amazonas.