Mapa agrícola passa por transformação que pode durar até três décadas
As mudanças climáticas provocam alterações no calendário do campo e exigem que os agricultores brasileiros adotem medidas extras para proteger as colheitas o ano inteiro. Por: Andréa Machado
O agricultor Jorge Rosa, de 56 anos, vem de uma longa linhagem de trabalhadores rurais. Quando nasceu no Rancho das Palmeiras, no município de Viamão, Região Metropolitana de Porto Alegre, sua família já lidava com a terra, e ele seguiu os passos dos pais. Nos últimos cinco anos, no entanto, começou a desconhecer o solo de quem sempre fora tão íntimo. Março, por exemplo, era a melhor fase para semear a cenoura, mas o clima tornou-se muito quente no início do outono, e o calendário foi transferido para abril. Já o cultivo do melão e da melancia foi antecipado, começava entre agosto e setembro e, agora, a terra é preparada para essas frutas já em junho.
Este quadro de imprevisibilidade provavelmente é uma realidade com a qual Rosa terá que lidar por boa parte da vida. De acordo com o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), instrumento de política agrícola e gestão de riscos na agricultura do Governo Federal, não há sinais ou possibilidade de reversão dessa tendência nos próximos 20 ou 30 anos.
Pesquisador de Agrometeorologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Eduardo Monteiro afirma que foi justamente nos últimos cinco anos que se tornou mais frequente a sequência de eventos meteorológicos extremos, com intensidade, amplitude geográfica ou recorrência inéditas.
“O mapa agrícola brasileiro está passando por transformações significativas, especialmente devido às restrições em áreas viáveis para uma segunda safra. Devido aos atrasos no início e ao encurtamento da estação de cultivo, os agricultores precisam ajustar o calendário de plantio, e isso pode incluir a escolha de variedades de cultivares adaptadas, ciclos mais curtos e o replanejamento estratégico para garantir que a segunda safra seja realizada dentro do período adequado”, explica o pesquisador.
Um dos fornecedores da Feira Ecológica do Bom Fim (Porto Alegre), a maior feira de orgânicos da América Latina, Rosa precisou se adaptar às mudanças climáticas para garantir as colheitas, além de investir em técnicas para minimizar os impactos das altas temperaturas, como uso de tela de sombreamento e lonas agrícolas.
“A chuva que atingiu o Rio Grande do Sul em 2024 não chegou a me prejudicar, o problema mesmo é o calor intenso. Temos que estar atentos, porque não há mais um clima definido no Viamão. Antes, tínhamos quatro estações bem estabelecidas, agora, as temperaturas aumentaram e estou sempre fazendo experiências”, contou o agricultor.
RISCOS ECONÔMICOS
O pesquisador da Embrapa destaca que, com a instabilidade climática, seguros agrícolas tornaram-se essenciais para mitigar riscos econômicos, protegendo as operações financeiras dos agricultores e garantindo a continuidade da produção. Mais de 500 mil contratos de seguro ou crédito são apoiados pelo Programa de Seguro Rural (PSR) e pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), ambos do Governo Federal, a cada ano.
No entanto, afirma Monteiro, é preciso ressaltar que a produção agropecuária brasileira ainda é pouco protegida por mecanismos de transferência de risco (seguro). “Historicamente, ficamos abaixo dos 15% ou 20% da área agrícola com algum seguro ou Proagro. É pouco! À medida que eventos climáticos adversos crescem em proporção e frequência, aumentam os casos de inadimplência, endividamento e falência no campo”, diz ele, ressaltando os riscos sistêmicos para economias locais ou regionais, além de episódios mais frequentes de desabastecimento e inflação nos alimentos.
Clima seco ameaça segurança alimentar do País e força reconfiguração na agricultura
A região semiárida avançou no País, com uma taxa de expansão superior a 75 mil quilômetros quadrados a cada década, entre 1960 e 2020. A constatação de especialistas dos institutos nacionais de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) dá a noção do estrago que as mudanças climáticas vêm provocando no País. “São 750 mil hectares por ano!”, observa Eduardo Monteiro.
Autor de um artigo publicado na revista científica inglesa Nature, o professor Márcio Cataldi, do Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que o País passa por uma crise hídrica sem precedentes, e que a água e seu manejo deveriam ser prioridades nacionais.
“O agronegócio utiliza irrigação, por isso, não sofre tanto com a falta de chuva, embora os mananciais de onde vem essa água sejam limitados. Já o agricultor familiar, que é quem coloca a comida na mesa do brasileiro, não tem recursos para investir em irrigação. Por isso, eles são os mais prejudicados, e todos nós seremos também”, afirma.
Já o professor da Unicamp Antonio Márcio Buainain, especialista em Economia Agrícola, prevê que os municípios hoje protagonistas do agronegócio podem perder relevância, enquanto novas fronteiras produtivas podem surgir.
“A reconfiguração do campo é inevitável. O desafio está em antecipar essas mudanças e conduzir a transição com inteligência e equidade, garantindo que a agricultura continue sendo um dos pilares do desenvolvimento nacional”, afirma.