Navegação fluvial busca ampliação por meio de concessões
Após queda na movimentação de cargas pelos rios ao longo de 2024 e no início deste ano, governo tenta estimular o modal. Entidade do setor vê falhas na infraestrutura. Por: Mário Moreira
Enquanto o governo prepara o decreto regulamentando a lei que incentiva a cabotagem no País, a movimentação de cargas por via fluvial vive uma fase de incertezas. No primeiro trimestre deste ano, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o fluxo de mercadorias pela navegação interior caiu 4,53% em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo 30,9 milhões de toneladas. Em março, porém, houve alta de 7,87% sobre igual mês de 2024. No ano passado, a movimentação total diminuiu 2,15% frente a 2023. O governo aposta na concessão de hidrovias para estimular o setor.
O potencial econômico dos rios é pouco explorado no País. Segundo o Ministério de Portos e Aeroportos, há 20 mil km de hidrovias economicamente navegáveis, mas é possível chegar a 42 mil km. O governo vê o incentivo à navegação interior como estratégico, tendo em vista a vasta rede hidrográfica e a necessidade de diversificar a matriz de transporte, pois as rodovias dominam o fluxo de cargas. Um estudo de 2019 da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) mostrou que 61% da movimentação é feita pelo modal rodoviário e 14%, pelo aquaviário (mar e rios).
“É um modo de transporte com menor impacto ambiental, alta eficiência energética e grande capacidade de movimentação de cargas”, explica o secretário nacional de Hidrovias e Navegação, do Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR), Dino Antunes. De acordo com ele, o transporte por comboio hidroviário, com 16 barcaças e um empurrador, equivale à capacidade de 430 vagões ferroviários ou 1,2 mil caminhões. O Novo PAC prevê investimentos de R$ 4,1 bilhões na navegação fluvial até 2026.
Segundo a Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Navegação Interior (Abani), o modal é fundamental para escoar a produção destinada ao exterior, respondendo por quase metade das movimentações de soja e milho. “O modal exerce papel crucial ainda na economia de regiões menos favorecidas, como a Amazônica, permitindo a circulação de bens e conectando indústria e comércio aos consumidores”, diz José Rebelo III, presidente da Abani.
Para a Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), a navegação interior é pouco valorizada. “A navegação como um todo, cabotagem e interior, deve ser mais bem entendida pelos usuários quanto à sua importância para a logística, em especial neste momento em que atuamos seriamente na redução de emissões. A navegação é o modal com a melhor eficiência energética, mas ainda não tem sua importância percebida pela sociedade brasileira”, diz o diretor-executivo da entidade, Luís Fernando Resano.
Dino Antunes vê o aumento do fluxo de cargas pelos rios já em março como um reflexo de ações do governo, como melhorias na infraestrutura. “O crescimento do agronegócio e da mineração em regiões atendidas por hidrovias também contribuiu.” Para a Abani, porém, a queda do fluxo em 2024 e no início deste ano teve razões ambientais e estruturais.
“A seca que impactou hidrovias de grande capacidade de escoamento, como os rios Madeira e Tapajós, e a falta de infraestrutura, de uma política de manutenção dessas vias e de um plano de dragagem foram responsáveis pela queda da movimentação em 2024, mesmo com volumes impressionantes de produção. Essa falta de previsibilidade tira a credibilidade do modal”, diz Rebelo III.
INÍCIO DAS CONCESSÕES
Segundo Antunes, o foco agora será na regulação e na atração de investidores. “O Programa de Concessões Hidroviárias irá direcionar esforços para expandir a exploração do potencial hidroviário com sustentabilidade”, afirma, destacando, entre os desafios, as obras de manutenção da infraestrutura, como dragagem e sinalização, e a gestão integrada com outros usos da água.
A publicação do edital de licitação da Hidrovia do Paraguai, a primeira do Programa de Concessões, está prevista para o segundo semestre. Com prazo inicial de 15 anos, a concessão abrangerá um trecho de 600 km em Mato Grosso do Sul, com investimento de R$ 210,8 milhões. Espera-se que o fluxo de cargas na região suba de oito milhões para 15 milhões de toneladas/ano até 2030. Com trajeto total de 4,1 mil km, a Hidrovia do Paraguai vai de Cáceres (MT) a Nueva Palmira (Uruguai), permitindo escoar boa parte da produção de grãos e minérios do Centro-Oeste pelo Rio da Prata.
“A concessão é alicerçada em sustentabilidade, intervenções pontuais de aperfeiçoamento da hidrovia e melhor aproveitamento das condições hidrológicas”, afirma Antunes. O maior benefício, diz ele, será garantir uma navegação eficiente, segura e ambientalmente sustentável tanto na estiagem quanto na cheia. Hidrovias como as dos rios Madeira, Tapajós e Tocantins também serão concedidas.
“A navegabilidade irrestrita aos portos de conexão com o comércio exterior permitirá maior competitividade dos nossos produtos. Modelos de concessão são a melhor saída para atrair investimentos”, elogia Rebelo III.
Já o decreto de regulamentação da lei 14.301/22, que criou o programa BR do Mar, de incentivo à cabotagem, deve sair ainda neste primeiro semestre. A lei também estimula o afretamento de embarcações estrangeiras nos rios. A regulamentação pretende agora tornar a cabotagem mais sustentável e competitiva.