MUDANÇAS DE REGRAS FARÃO DECOLAR OS SEGUROS DE RESPONSABILIDADES

MUDANÇAS DE REGRAS FARÃO DECOLAR OS SEGUROS DE RESPONSABILIDADES

Com prazo de 180 dias para as seguradoras implementarem as mudanças, o setor já deve começar a sentir o impacto das alterações a partir de abril.

Por: Jorge Clapp

O mercado enxerga com otimismo as mudanças feitas pela Susep na regulamentação dos seguros de Responsabilidade Civil. No total, foram publicadas cinco normas em setembro de 2021. Entre as principais novidades, constam o fim dos planos padronizados e a possibilidade de a seguradora pagar a indenização antes mesmo do trânsito em julgado e de reavê-la, posteriormente, em caso de mudança de decisão. Isso inclui as decisões administrativas do poder público, como do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Receita Federal.

 

“De fato, há uma grande expectativa em torno do crescimento do portfólio no mercado, por conta das novas determinações publicadas em setembro”, afirma Danilo Uhlmann, membro da Comissão de Responsabilidade Civil da FenSeg. Na avaliação dele, como as seguradoras tiveram um prazo de 180 dias para implementação das mudanças, o setor já deve começar a sentir o impacto das alterações a partir de abril. Segundo Uhlmann, a decisão da Susep de publicar cinco normas para a efetivação das mudanças foi justificada pelo fato de o tema ser “bastante complexo”. Além disso, ele lembra que essas normas tratam de diferentes prismas relacionados aos seguros de Responsabilidade Civil.

 

“Entre os recortes, estão os produtos massificados e os destinados à proteção de grandes riscos”, explica. Em termos de produtos, as novas determinações estipulam regras para Responsabilidade Civil Geral, E&O (Erros e Omissões, também conhecido como RC Profissional), D&O (do inglês Directors and Officers), Riscos Ambientais e Riscos Cibernéticos. Para Uhlmann, a simplificação regulatória deve alavancar a penetração dos produtos de RC. Isso porque os clausulados simplificados, enxutos e objetivos, com menos imposições regulatórias e linguagem mais acessível, são elementos fundamentais para aumentar a comercialização desses produtos, ainda pouco disseminados no Brasil, apesar do bom desempenho registrado nos últimos anos.

 

PERCEPÇÃO DE RISCO

 

Paralelamente às mudanças na regulamentação, outro ponto positivo para o avanço dessa carteira é que a pandemia ajudou a mudar a percepção de risco de executivos e lideranças empresariais, inseridos num ambiente marcado por turbulências e desarranjos no setor produtivo, por conta de paralisações ou falta de insumos. “Nesse cenário, as disputas judiciais tendem a aumentar, e uma parte do empresariado despertou para a importância da proteção do seguro de RC. Agora, esperamos que esse movimento se intensifique, com maior disseminação dos benefícios do produto”, observa Uhlmann, acrescentando que o corretor de seguros terá um papel fundamental, e a simplificação gerada pelo novo arcabouço regulatório deve facilitar o trabalho desse profissional.

 

Em contrapartida, há percalços pelo caminho. Uhlmann lembra que o segmento atravessa um momento de mercado duro (do inglês, hard market), inclusive com maior intensidade para algumas modalidades e ramos de seguro. Nesse contexto, a mensagem que vem do exterior, que concede capacidade ao mercado brasileiro, é de restrição e redução de capacidade e não de ampliação e diferenciação. Sobre os efeitos práticos do fim dos planos padronizados, Uhlmann pontua que ainda não são tão percebidos no mercado em geral. No entanto, frisa que há a expectativa de que as novas regras deverão gerar um processo saudável de concorrência, intensificado à medida que o mercado caminhar para um cenário mais brando (soft market), no qual as seguradoras poderão buscar diferenciar suas ofertas por meio da ampliação ou criação de novas de coberturas.

 

“Isso será possível graças ao mecanismo de aprovação automática de novos clausulados e produtos, desde que atendidos os requerimentos mínimos”, afirma, acrescentando que deverá ocorrer também um processo de combinação de diferentes ramos de Responsabilidade Civil em uma única apólice, o que tornará ainda mais amigável a contratação de diversas proteções. Todas essas mudanças exigirão dos corretores de seguros um maior domínio e especialização sobre o tema.

 

SIMPLIFICAÇÃO DE NORMAS

 

Uhlmann diz ainda que, em linhas gerais, simplificação é a palavra que melhor resume o impacto das novas normas. Prova disso é que, para a cobertura de grandes riscos, por exemplo, não será preciso nem abertura de processo na Susep. Até mesmo as eventuais desavenças serão resolvidas de forma mais ágil, graças à possibilidade de envolvimento de juízes arbitrais e de realização de processos administrativos. E mais: o próprio escopo dos produtos também poderá ser ampliado, com a possibilidade de oferta de coberturas para multas e penalidades, apesar de o mercado ainda se mostrar refratário a essas exposições.

 

A respeito da medida que permite à seguradora pagar diretamente a indenização antes do trânsito em julgado e reavê-la em caso de mudança de decisão, Uhlmann explica que, em geral, o mercado não se mostrou desfavorável a essa possibilidade. Entretanto, ele ressalta que a concretização “deverá depender de cada caso”. Já no caso específico da autorização para o pagamento de indenizações de decisões administrativas do poder público, ele afirma que a mudança não terá reflexos em precatórios, dado que esses pagamentos são dívidas do próprio poder público após reconhecimento judicial, e não dos executivos. “O seguro visa à proteção do patrimônio das pessoas por atos de gestão.

 

De qualquer forma, a expectativa do mercado com essa mudança é reduzir o tempo para liquidação dos sinistros sem a necessidade de aguardar pelos recursos cabíveis na Justiça após a decisão administrativa. Em linhas gerais, os segurados poderão receber, de forma mais rápida, as indenizações das suas seguradoras”, aponta o executivo. Com todas essas mudanças, a visão da FenSeg sobre o futuro do seguro de Responsabilidade Civil no Brasil é de que há perspectivas “muito promissoras”, com expectativa de crescimento exponencial da venda dos produtos. Até por conta da mudança de percepção de risco do brasileiro, tanto no meio empresarial quanto na visão dos consumidores individuais.

 

AUMENTO DA CONFIANÇA

 

Uhlmann prevê que o crescimento das carteiras também pode levar a um ciclo virtuoso de aumento da confiança dos segurados na indústria de seguros e a consequente ampliação da demanda por produtos de outros segmentos. A confiança é tanta que, por enquanto, a Fen- Seg não vê necessidade de novos ajustes na regulamentação. “Aperfeiçoamentos são sempre possíveis, mas, neste momento, entendo que o mercado conquistou liberdade para oferecer soluções capazes de atender às diferentes necessidades de empresas e segurados pessoa física. Caberá agora às seguradoras aproveitar essa conquista para efetivamente mostrarem capacidade de resolver questões de transferência de riscos e, dessa forma, ressaltarem sua importância para a sociedade como um todo”, ressalva.

 

Ele comenta ainda que a mudança na percepção de risco por parte de empresários e executivos já está refletindo no crescimento dos seguros de Responsabilidade Civil. Segundo dados da Susep, o segmento teve alta de 26,7% no volume de prêmios arrecadados em 2021, em comparação com o desempenho do ano anterior. Entre os ramos que mais se destacaram está o seguro de D&O (Directors and Officers), que apresentou avanço de 32,8% no volume de prêmios.

 

Esse avanço foi alavancado pelo ambiente marcado por turbulências e desarranjos no setor produtivo, por conta de paralisações ou falta de insumos e as disputas judiciais, que tendem a aumentar. Assim, a contratação de um seguro de RC foi “a forma encontrada por muitos empresários de para protegerem”.

 

REVOLUÇÃO NORMATIVA

 

Para a Susep, a simplificação regulatória e a flexibilização na elaboração de produtos são fundamentais para ampliar o market share dos produtos de RC. A autarquia tem uma visão bastante positiva quanto ao crescimento da carteira e vê “significativa demanda” e potencial de contratação para tais coberturas. O órgão regulador destaca, por exemplo, o que vem ocorrendo com o recente ramo de seguro de RC Compreensivo Riscos Cibernéticos, que vem sendo fruto do trabalho de monitoramento feito pela Susep desde 2017 e apresentou forte crescimento de prêmios emitidos desde então (99% em 2020/2019 e 150% em 2021/2020).

 

“À época, não se tinha como provável a ocorrência de pandemia que levasse a lockdowns tão severos e brusca explosão das atividades digitais. Porém, a pandemia potencializou a contratação desse tipo de proteção. A maior disseminação da cultura de responsabilidade civil na sociedade é outro fator que favorece as contratações desse seguro”, acentua a autarquia, em resposta, por escrito, às perguntas enviadas pela Revista de Seguros.

 

De acordo com a Susep, nesse contexto, à medida que permite à seguradora pagar diretamente a indenização antes do trânsito em julgado teve o objetivo de buscar maior flexibilização na estruturação de produtos, atendendo assim aos anseios do mercado, principalmente dos segurados. Assim, foi concedida maior liberdade na determinação das formas de indenização de um seguro que, dependendo do perfil do segurado e do risco envolvido, pode ter como fato gerador da indenização uma decisão judicial ainda que em 1ª instância, uma decisão em juízo arbitral ou apenas administrativa ou ainda um acordo com os terceiros.

 

Além disso, a mudança objetivou atender à Lei da Liberdade Econômica (nº 13.874/2019), retirando-se, assim, a obrigatoriedade de reembolso. Já no caso da autorização para o pagamento de indenizações de decisões administrativas do poder público, a expectativa da Susep é ver reflexos em várias situações, não só as que recaiam sobre os danos efetivamente provocados aos terceiros atingidos, mas também àquelas que culminem no pagamento de multas e penalidades impostas aos segurados. “Todavia, não basta apenas o regulador caminhar nesse sentido. É importante que as partes contratantes transformem essa possibilidade em fato concreto”, ressalta a autarquia.

 

Quanto à possibilidade de novos ajustes nas normas, a Susep entende que serão necessários de três a cinco anos de monitoramento da “revolução normativa” feita no ramo de Responsabilidade Civil, com o acompanhamento e avaliação dos impactos regulatórios dessas mudanças. A Susep informa ainda que, dos cinco ramos que integram os seguros de responsabilidades, quatro apresentaram crescimento entre 2020 e 2021: RC D&O (33%), RC Riscos Ciber (150%), RC Geral (27%) e RC Profissional (11%). Apenas o ramo de RC Ambiental apresentou ligeira queda na emissão de prêmios (-7%), refletindo o impacto que a pandemia de Covid teve na economia global no período.