CRISE NA CADEIA DE SUPRIMENTOS FREIA RETOMADA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

CRISE NA CADEIA DE SUPRIMENTOS FREIA RETOMADA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

Escassez de insumos e matérias-primas afeta 91% das empresas nacionais consultadas na sondagem especial da CNI, publicada em março.

Por: Michel Alecrim

Parte dos efeitos econômicos da pandemia do coronavírus poderia ter sido prevista assim que foram editados os primeiros decretos tratando do isolamento social. Os setores de comércio, turismo e cultura estavam obviamente implicados e trataram logo de se adaptar à nova realidade. Mas o que ninguém esperava é que a indústria ia sofrer drasticamente com a falta de matérias- primas e insumos, como vem sendo verificado no Brasil nos últimos meses. De acordo com a Sondagem Especial da Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicada em março deste ano, 73% das empresas que atuam nas áreas de transformação e extração enfrentaram dificuldade em encontrar suprimentos no mercado interno.

 

Das que usam material importado, 65% estão também enfrentando dificuldade. É um problema que chega a ser mais grave em alguns ramos. O setor de móveis, por exemplo, foi o que mais sofreu com essa crise de abastecimento por parte do mercado doméstico. Do total de empresas consultadas, 91% se queixaram da escassez de insumos nacionais.

 

Fato verificado em 86% das fábricas do setor de limpeza e perfumaria e em 85% do setor de vestuário. No cômputo geral, a consequência é que 45% das empresas de transformação e extrativas estão enfrentando dificuldade em atender suas demandas por falta de suprimentos. Para o consultor de gestão de risco Gustavo Cunha Melo, sócio da Correcta, não há como entender esse fenômeno sem um olhar para o quadro internacional. Segundo ele, a pandemia mudou a orientação do sistema mundial de transportes, em primeiro lugar por conta da priorização para cargas médicas.

 

Logística mais cara e mais concorrida dificulta a importação por parte das empresas brasileiras. A paralisação de fábricas no mundo todo por conta de lockdowns e outras medidas restritivas também gerou efeito em cascata na cadeia internacional de suprimentos de diversos setores. Confecções, por exemplo, costumam importar tecidos de países como Índia, China e Taiwan e hoje vivem em apuros.

 

“As companhias aéreas tiveram que colocar de volta em movimento aviões cargueiros antigos, que consomem mais combustível. Por outro lado, houve maior consumo de alimentos e materiais médicos, o que sobrecarregou a logística. Tudo isso leva a um aumento de custos e maior prazo para entregas”, afirma Melo.

 

FALTA DE SINCRONICIDADE

 

Fernando Pimentel, Presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), explica que, além dos percalços vividos em 2020, não havia expectativa de que a crise dos insumos duraria tanto tempo. Fortes oscilações na demanda geraram uma inédita falta de sincronicidade na rede de produção e distribuição.

 

“Setenta por cento dos nossos custos estão vinculados a moedas estrangeiras. O Brasil é praticamente autossuficiente em algodão, mas o preço é estipulado pela Bolsa de Nova York. Muitos insumos, como corantes, são importados. Houve uma explosão nos preços das commodities, o que afeta a produtividade, a qualidade e gera ambiente de insegurança”, avalia Pimentel, que já estuda o uso de seguros contra esse tipo de problema, quando está em risco o cumprimento de contratos ou paralisação de produção.

 

Professor de Sustentabilidade e Supply Chain da Coppead/UFRJ, Leonardo Marques acredita que parte do descompasso vivido pelas indústrias na obtenção de insumos e no ritmo de entregas se deve a um posicionamento muito pessimista e de retração. Se as empresas tivessem mantido estoques maiores de matéria- -prima, poderiam ter enfrentado a crise em condições melhores. Segundo ele, esse desarranjo nas cadeias produtivas deve levar a mudanças no comportamento dos mercados.

 

“Nos últimos 25 anos, houve uma desindustrialização no Brasil, o que gerou maior dependência de importação de outros países. A pandemia expôs os riscos desse fenômeno. Daqui para frente, é possível que sejam adotadas políticas públicas que protejam mais as cadeias produtivas. As próprias empresas, por meio de suas associações, podem se organizar para reduzir essa dependência”, avalia o professor.

 

A lenta recuperação do ritmo da produção nacional e a dependência de importações também afetam o fornecimento de aço, principal matéria-prima da indústria de máquinas e equipamentos, que na pesquisa da CNI ficou em quarto lugar entre os que enfrentam mais dificuldade em atender sua demanda (68% das empresas ouvidas). Segundo o Superintendente de Mercado Interno da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Marcos Perez, mais do que escassez, os fabricantes desses produtos estão lidando com a demora na obtenção de seus suprimentos.

 

Por outro lado, a demanda vem se aquecendo, criando dificuldades maiores para a entrega dos pedidos. Os custos aumentaram com a alta do dólar e do preço do frete internacional, que praticamente quintuplicou. “Nosso setor é um forte consumidor de aço. Ele forma o invólucro de praticamente todas as máquinas e equipamentos que produzimos. O que está sendo mais difícil é lidar com esses prazos tão longos, que podem chegar a três meses para a entrega dessa matéria-prima, e fazer previsões de custo. O dólar no momento está caindo, mas o risco é alto”, afirma Perez.

 

VULNERABILIDADE

 

Da mesma forma que o setor de aço, o de plástico se caracteriza pela concentração no Brasil, o que torna a vida das empresas da indústria de transformação mais vulnerável. A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) vem discutindo saídas, principalmente com o Governo, para tentar amenizar a alta de preços para evitar maiores sobressaltos para as fábricas, que vêm se recuperando paulatinamente.

 

Há escassez principalmente de matérias-primas como polietileno (PE), polipropileno (PP) e também PVC. Há falta no mercado internacional de resina, que serve para a fabricação desses produtos, elevando os preços de uma forma geral. Em dezembro de 2020, foi negociada uma redução temporária da alíquota do imposto de importação de PVC, de 14% para 4%, com taxa mais baixa para uma cota de 160 mil toneladas por três meses, medida renovada em março de 2021, por mais três meses.

 

Em conjunto com várias associações consumidoras de PP, a Abiplast solicitou redução de alíquota de importação para o produto. A medida tomada logo em março fez com que a taxa caísse de 14% para 0% da cobrança, com abrangência de três meses, para importação de uma cota de 77 mil toneladas de resinas nesse período. Mesmo com essas medidas temporárias, muito importantes para o setor de transformados plásticos, há um entrave estrutural, afirma José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Abiplast. “Há um monopólio com mercado fechado/protegido, com instrumentos de defesa comercial usados inversamente à lógica de geração de valor, promovendo a falta de investimentos locais para ampliação de capacidade, já que são feitos somente no exterior, sobretudo em países com medidas antidumping”, pontua. Plástico e aço são essenciais para as montadoras de automóveis.

 

Em março, vários fabricantes chegaram a paralisar a produção por falta de peças e insumos. O Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, vem usando um termo muito apropriado para qualificar a conjuntura pela qual passa o setor. Há, segundo ele, um “desbalanceamento” da cadeia produtiva. Ou seja, enquanto toda a logística global que envolve essa indústria não for aprumada novamente, será difícil retomar o ritmo de produção. Para Moraes, a indústria automobilística não tem como se normalizar a curto prazo por conta da escassez de semicondutores, fundamentais hoje em dia na fabricação dos carros.

 

Há falta também de pneus, entre outros itens, o que obriga as fábricas a se desdobrarem. Para reduzir os atrasos nas entregas, as escalas dos operários precisam ser feitas de acordo com a disponibilidade de peças, o que leva os setores de recursos humanos a terem que negociar com os sindicatos numa rotina tensa. “O setor automobilístico é mais afetado do que outros porque está dentro de uma cadeia global. As empresas brasileiras trazem material da Ásia, Europa, Estados Unidos e por isso há essa dificuldade de organizar a logística. A gente viu até empresa buscando, de helicóptero, peças no aeroporto”, diz Moraes.

 

O aumento dos preços finais dos veículos acaba sendo inevitável. Essa alta preocupa também o setor de eletroeletrônicos, que sempre foi muito influenciado pelo câmbio. Mas, segundo o Presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, há expectativa de melhora e até de crescimento durante este ano. Os fabricantes têm buscado alternativas para atender à demanda e evitar a alta exorbitante de custos.

 

“Mesmo diante de uma série de dificuldades, como escassez de insumos e pressão de custos devido à desvalorização cambial, que comprometem o desempenho da atividade produtiva, a última sondagem da Abinee verificou que 82% das empresas do setor projetam crescimento para o ano em comparação com 2020. Esses números são positivos diante de um contexto de pandemia”, afirma Barbato.

 

Os semicondutores são fundamentais para produção de chips, diodos, transístores e outros componentes eletrônicos. Sua produção é extremamente concentrada na Ásia, região onde estão os dois maiores fabricantes – as taiwanesas Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) e United Microelectronics Corporation (UMC)- que controlam quase metade da produção mundial.

 

ESCASSEZ DE INSUMOS

 

Para empresas que têm contratos com clientes e atrasam entregas, a dor de cabeça pela escassez de insumos pode ser maior. No entanto, os especialistas ouvidos duvidam que haja ambiente para uma judicialização dos casos. Para Gustavo Cunha Melo, a tendência é que haja quase sempre um processo de negociação amigável. “É razoável que haja um acordo.

 

Se houver sinistro, há leis que protegem o atrasado, tendo em vista que estamos numa pandemia não esperada. Não vejo impacto nesse sentido. Mas daqui para frente, dependendo do produto, os compradores podem colocar mais cláusulas compromissórias para garantir o fornecimento”, explica Melo. Na avaliação de especialistas, o mercado de seguros não é impactado diretamente pelo problema, devido à falta de produtos específicos para escassez de insumos.

 

Indiretamente, há tendência de alta dos seguros de transporte de carga, pela inflação desse segmento, e com a redução nas vendas de veículos novos, há menos carros para serem segurados, o que afeta a contratação de coberturas.