COMMODITIES IMPULSIONAM O CRESCIMENTO DAS EXPORTAÇÕES DO PAÍS
Expectativa da AEB é de um ano promissor para o comércio exterior brasileiro, que deve dar contribuição positiva ao PIB, na contramão dos anos anteriores, com crescimento das exportações e importações. Por: Francisco Luiz Noel
Após o revés registrado no ano passado, por conta dos impactos da pandemia de Covid-19 na demanda internacional, o mercado exportador aposta na retomada e prevê expansão de 13,7% em 2021. As vendas externas, que somaram R$ 208,8 bilhões em 2020, devem alcançar R$ 237,3 bilhões, prevê a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), em estudo que define as commodities como, mais uma vez, o “motor de sustentação das exportações brasileiras”.
A soja promete novamente crescimento excepcional, de 27,4%, devendo manter em alta o agronegócio, que em 2020 aumentou as vendas ao exterior em 6%, contra queda geral de 6,1%. Com os esperados US$ 237,3 bilhões em exportações, a AEB antevê superávit de US$ 69 bilhões na balança comercial em 2021 – 33% acima dos US$ 51,8 bilhões estimados em 2020 –, já que o valor previsto das importações é de US$ 168,3 bilhões, correspondentes a aumento de 7,3% em relação aos US$ 156,9 milhões do ano passado.
As projeções levam em conta taxa cambial entre R$4,80 e R$5,60 e o cenário presente do comércio internacional, passível de oscilações associadas ao ritmo da recuperação dos produtos internos brutos (PIBs) dos países que lideram o mercado global, em resposta ao avanço da vacinação contra a Covid-19. “O ano é promissor. Se as previsões se confirmarem, o comércio exterior vai dar contribuição positiva ao PIB, ao contrário dos anos anteriores”, afirma o Presidente- Executivo da AEB, José Augusto de Castro, referindo-se ao aumento tanto das exportações quanto das importações.
Castro observa que, apesar de produtos como a soja terem elevado o volume comercializado para o exterior, o principal fator favorável a bons resultados para as vendas externas do País é o aumento dos preços internacionais, como o da oleaginosa, do minério de ferro e do petróleo, que correspondem, juntos, a cerca de 40% do valor das exportações.
O olhar positivo em relação às vendas externas em 2021 é compartilhado pela especialista em comércio global Lia Valls Pereira. Professora de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e integrante do Núcleo de Multilaterismo do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), ela acredita que, “pelo lado das commodities, as perspectivas continuam boas”, já que a China, principal parceiro comercial do Brasil, deverá ampliar seu PIB em 7,9%, segundo projeção do Banco Mundial.
APOSTA NAS COMMODITIES
Lia Valls salienta que as commodities respondem por 60% das exportações do Brasil e que alguns desses produtos tiveram alta não somente de receita em 2020, por conta do aumento de preços no mercado internacional, mas também de volumes comercializados. Na comparação entre as quantidades vendidas ao exterior em 2019 e no ano passado, a soja saltou de 73,4 milhões de toneladas para 83 milhões (acréscimo de 13%); o petróleo, de 60 milhões para 70,6 milhões (18,5%) e a carne bovina e derivados, de 1,9 milhão de toneladas para 2 milhões (8%).
A tendência de crescimento deve prosseguir, garantida pela produção nacional. O carro-chefe das vendas brasileiras continua sendo a indústria de transformação, que, de acordo com a AEB, deve ter saldo de US$ 121,3 bilhões – aumento de 6,4% em relação aos US$ 114 milhões de vendas ao exterior em 2020. O segmento inclui produtos como açúcar, carne bovina e suína, frango, farelo de soja, celulose, óleo combustível de petróleo, ouro e ferro gusa.
A indústria extrativa, puxada por commodities como minério de ferro e o petróleo bruto, aparece em segundo lugar nas previsões da associação, com US$ 63,1 bilhões, equivalentes a acréscimo de 29% sobre os US$ 48,9 bilhões estimados no ano passado. O grande destaque das exportações é, porém, a soja em grão, que deve ser o produto-líder das vendas pelo sétimo ano consecutivo, tendo puxado em 2020 o desempenho do segmento agropecuário, para o qual a AEB aposta em crescimento de 15,5% neste ano, de US$ 45 bilhões para US$ 52 bilhões. A expectativa é de que o País venderá 85 milhões de toneladas da oleaginosa no exterior ao longo do ano, com U$$ 36,5 bilhões em divisas, superando em 27,4% os US$ 28,7 bilhões recebidos e em 2,4% as 83 milhões de toneladas comercializadas em 2020.
Outro grão em alta é o milho, que deve evoluir dos US$ 5,9 bilhões de vendas no ano passado para US$ 6,1 bilhões. Diante dos preços internacionais da soja e do ferro, assim como da recuperação do valor do petróleo, o Presidente-Executivo da AEB considera que “não será surpresa se tivermos neste ano o boom das commodities”, graças à demanda da China.
“Pelo menos até 2030, a soja deve crescer continuamente, em quantidade e possivelmente em preço, e o Brasil deve se consolidar como maior produtor e exportador, pois é o único em condições de ampliar o cultivo, por ter terra disponível”, diz José Augusto de Castro. Com 133,7 milhões de toneladas esperados na safra 2020-2021, a produção nacional de soja é seguida de longe pela dos Estados Unidos e da Argentina.
RISCOS NO RADAR
Os prognósticos positivos não excluem precauções em face dos riscos inerentes ao comércio global e àqueles associados a posicionamentos do Brasil. No primeiro caso, além de eventuais mudanças nas compras chinesas, estão possíveis alterações de cenário decorrentes das relações EUA-China após a vitória do democrata Joe Biden. Com o restabelecimento do diálogo entre os dois países, Lia Valls observa que “pode ser ruim para o Brasil” se eles efetivarem acordo comercial firmado em 2020, no qual os chineses se comprometem a comprar US$ 200 bilhões em produtos estadunidenses.
Quanto a riscos ligados à postura internacional do Brasil, José Augusto de Castro chama a atenção para as relações diplomáticas com os Estados Unidos, que eram marcadas por afinidades ideológicas do Governo brasileiro com Donald Trump. Lembrando que o Brasil levou 38 dias para reconhecer a vitória de Biden e um dia para cumprimentá-lo após a posse, em janeiro, o Presidente da AEB vê como “bom sinal” de mudança a carta que o Presidente Jair Bolsonaro enviou ao democrata, preconizando o entendimento entre os dois países e manifestando preocupações do Brasil com o meio ambiente.
Tanto José Augusto de Castro quanto Lia Valls destacam a temática do meio ambiente como ponto sensível para o comércio exterior do Brasil, já que exigências de proteção ambiental podem tornar-se condicionantes para a aquisição de produtos brasileiros. “Podemos esperar que alguma coisa vá acontecer e devemos nos preparar, combatendo queimadas e desmatamentos”, alerta Castro. Ele prega que o Governo deve melhorar a ação interna e a externa nesse campo, em vez de continuar desconsiderando a defesa efetiva do País diante dos questionamentos e acusações recebidas em fóruns internacionais.
Os movimentos iniciais da administração de Joe Biden, incluída a volta dos EUA ao Acordo de Paris, dedicado às mudanças climáticas, sugerem que o tema ambiental tende mesmo a retomar importância internacional, afirma Lia Valls. “Biden deve reforçar a pauta ambiental, como os europeus já estão fazendo e como os chineses começam a fazer. Esta é uma preocupação dos grandes exportadores, que deve ser levada mais a sério pelo Brasil”, diz.
OPORTUNIDADE DE SEGURO
A evolução das exportações sinaliza oportunidades para o mercado segurador, já que grande parte das operações é realizada sem cobertura. “Historicamente, no transporte internacional, a maior parte das contratações de seguros é para as importações”, assinala o Presidente da Comissão de Transportes da FenSeg, Paulo Robson Alves. De janeiro a novembro de 2020, de acordo com a Susep, os prêmios de seguro de transporte internacional somaram R$ 596 milhões – 17% a mais que os R$ 509 milhões do mesmo período do ano anterior. Com R$ 319 milhões em indenizações, a taxa de sinistralidade foi de 58%, contra 31% de janeiro a novembro de 2019.
A expansão do seguro de transporte internacional requer um esforço de difusão da proteção do seguro no setor exportador, no qual o investimento nesse produto ainda é visto como gasto dispensável, observa Paulo Alves. “A taxa dos seguros é muito baixa considerando todo o valor agregado que um seguro de transportes pode trazer ao segurado”, destaca.
“A indústria de seguros no Brasil tem comercializado seguros de transporte internacional com coberturas, serviços e preços que têm todas as vantagens possíveis, quando comparados com mercados mais consolidados, como o europeu e o americano”. A resistência cultural de exportadores em relação aos benefícios do seguro de transporte internacional é apontada também por Salvatore Lombardi Júnior, Presidente do Clube Internacional de Seguros de Transporte (Cist), que reúne profissionais do ramo.
“A maioria dos exportadores, principalmente de commoditties, não faz esse seguro porque acha que perderá competitividade, embora o valor seja baixo”, lamenta. Em vez da cobertura para o trajeto internacional (venda CIF, do inglês Cost, Insuranse and Freight), a tendência é fazer o seguro somente até o porto ou aeroporto (venda FOB, de Free On Board), pagando proporcionalmente mais caro do que para toda a viagem. Para o Presidente do Cist, as seguradoras podem contribuir para estimular a penetração do seguro de transporte internacional, promovendo o redesenho desse produto, que ele considera prejudicado por procedimentos burocráticos e defasados tecnologicamente.
“Precisamos de processos digitalizados, de novos produtos com coberturas para proteger o exportador em toda a sua operação numa só apólice de seguro, caso contrário, o corretor de seguro continuará desestimulado a vender esse produto”, salienta, para frisar que o mercado segurador tem campo aberto para inovações nesse ramo para conquistar os exportadores. Outro seguro com perspectivas promissoras é o de crédito à exportação, que cobre o risco de inadimplência nas vendas externas a prazo feitas por empresas brasileiras.
Utilizado sobretudo pelos exportadores de bens industrializados, esse seguro teve o volume de prêmios elevado em 45% de 2019 para 2020, tendo saltado de R$ 52,7 milhões para R$ 76,4 milhões, com sinistralidade de 48%. O produto é oferecido por seguradoras com presença em países da América do Norte e da Europa, já que a contratação implica o levantamento prévio, nesses mercados, do histórico de adimplência e da situação financeira dos compradores.
A Vice-Presidente da Comissão de Riscos de Crédito e Garantia da FenSeg, Cristina Salazar, considera que o seguro de crédito à exportação tende a ter mais procura graças ao esperado aumento das exportações de produtos industrializados. Essa expectativa decorre não somente do estímulo dado às vendas externas pela depreciação do real em relação ao dólar e ao euro, mas também da contenção do mercado doméstico enquanto não forem revertidos os efeitos da pandemia de Covid-19 no consumo. “Um crescimento de mais 20% no seguro de crédito à exportação, neste ano, seria um resultado bem razoável”, diz Cristina.