A MARCA DO SETOR É O DINAMISMO

A MARCA DO SETOR É O DINAMISMO

Novo superintendente da Susep, Alexandre Camillo avalia o ritmo de desregulamentação da autarquia, fala sobre o open insurance, e perspectivas do mercado segurador para os próximos anos.

Por: Fernanda Thurler

Com mais de 40 anos de atuação no mercado segurador brasileiro, o economista e corretor de seguros Alexandre Camillo define a implementação de uma política de fomento do setor como sua principal plataforma à frente da Superintendência de Seguros Privados (Susep), cargo que assumiu em 16 de dezembro passado. A agenda para a materialização dessa política inclui demandas que abrangem desde a segurança cibernética, responsabilidade socioambiental, microsseguros, seguro rural e seguro garantia até a seguridade do setor de infraestrutura.

 

Ainda na pauta, a defesa dos avanços que a Susep vem promovendo para apoiar o desenvolvimento e as transformações do mercado, como open insurance e a inclusão de tecnologias e ações voltadas para a sustentabilidade do setor.

 

Como tornar o mercado segurador mais proporcional ao tamanho da economia brasileira, se o consumo per capita de seguros no País ainda é um dos mais baixos do mundo?

Concordo que a intensidade da penetração de seguros na sociedade brasileira ainda está aquém das reais possibilidades do mercado. Os números e o crescimento do setor sempre são satisfatórios, sob certo ponto de vista. Mas o aumento da participação per capita depende da percepção e do reconhecimento dos seguros em três frentes: poderes público e político e sociedade.

 

O Poder Executivo precisa entender o saudável impacto do aumento da distribuição de seguros na população, trazendo benefícios aos próprios cofres públicos. Essa questão já vem sendo tratada por meio de várias ações e também pela própria CNseg, mas a efetividade desse entendimento ainda está distante. Por isso, repetidas vezes voltamos a destacar esse tema e a investir energia para alcançar, de fato, resultados melhores desse entendimento.

 

Precisamos levar os integrantes do poder político a compreender a importância do produto seguro para o fortalecimento da economia como um todo. Mas é importante contar com uma maior receptividade, tanto do Legislativo quanto do Executivo, às propostas para o desenvolvimento do setor. É necessário compreender melhor a finalidade social do seguro, o que tornaria também mais efetiva a percepção dos consumidores sobre o valor do seguro na vida de pessoas e empresas e no equilíbrio econômico e social do País.

 

Os resultados obtidos até novembro apontavam para um crescimento do setor de dois dígitos em 2021. Como o senhor avalia esse desempenho e quais os fatores que o justificam?

O relatório da Susep sinaliza um crescimento até novembro de 13%. Evidentemente que esse resultado se deve ao respiro da economia em 2021, porque houve um represamento do consumo em 2020, tanto no Brasil como no mundo, o que justifica esse movimento inflacionário global. Não há dúvidas de que devemos comemorar esse crescimento, mas não podemos perder de vista a objetividade e o equilíbrio na análise desse desempenho.

 

Por qual razão? O senhor não considera este aumento real? É apenas de caráter nominal?

É importante fazer uma minuciosa análise dos fatos para não criar uma falsa ilusão de expansão do mercado. Houve de fato um aumento das vendas com novos consumidores adquirindo mais produtos, independentemente do crescimento percentual nominal. Levando-se em consideração que havia um consumo represado, que a inflação no período foi de mais de dois dígitos, o crescimento em 2021 refere-se ao movimento inflacionário.

 

Mas não é um resultado positivo, especialmente porque em 2021 o crescimento de vários setores da economia não acompanhou nem a inflação?

Sim, mas mesmo assim há o que se comemorar. Mas toda essa questão vem ao encontro do que venho falando sobre as ações necessárias para atingirmos o verdadeiro potencial de expansão do mercado de seguros. Reconheço que parte desse crescimento se deve ao dinamismo do mercado, à atuação de todos os agentes do setor (seguradores, resseguradores, corretores e entidades de previdência), à capacidade do mercado de adaptação a este momento de pandemia, de transformação da sociedade, de home office. Fala- se muito da capacidade de resiliência do mercado de seguros, mas a resiliência é só a capacidade de suportar, de superar. E a característica mais importante do setor nestes dois últimos anos foi o dinamismo, principalmente neste momento, a capacidade inequívoca de adaptação a tudo que estamos vivendo no pós-pandemia.

 

De alguma forma, a crise sanitária trouxe benefícios ao setor, em razão de uma maior percepção do risco pelo consumidor brasileiro?

Embora a motivação seja algo trágico, a experiência da Covid-19 foi crucial para aumentar a reflexão e a percepção do risco. Foi um momento em que a humanidade se deparou com a necessidade de contar com a proteção do seguro. No Brasil, por sua característica de menor exposição a intempéries de origem ambiental e demais desastres que atingem sociedades mundo afora, a população tem uma menor percepção de risco. E a pandemia levou o consumidor a ter uma nova visão sobre a necessidade do seguro.

 

Dentro deste contexto, que produtos se destacam?

O microsseguro. Veja o quanto esses produtos poderiam ter sido mais úteis. Atravessamos uma pandemia com a perda de milhares vidas, brasileiros chefes de família. Teria sido muito menos doloroso para as famílias se elas tivessem contado com o suporte financeiro de uma apólice. Se o microsseguro tivesse tido a efetividade a que todo o projeto se propõe, que é proteger pessoas mais vulneráveis contra riscos específicos em troca de baixos valores de restituição, mas que são significativos para essa camada da população, teria sido tão melhor!

 

Muitos poderiam ter contado com a cobertura de produtos para atendê-los pontualmente, porque as pessoas de baixa renda não precisam de um seguro no valor de R$ 1 milhão, mas de uma quantia que faça frente às suas necessidades. O equivalente a dez salários-mínimos seria uma garantia de renda pelo período de 12 meses e teria um impacto enorme na vida dessas famílias.

 

A maior atenção do consumidor aos benefícios do seguro deverá ter reflexo nas vendas em 2022?

Tudo indica que sim, e independentemente das previsões para a conjuntura econômica do País. Até porque, os resultados do setor quase sempre foram satisfatórios a despeito do momento pelo qual passava o Brasil, sejam crises política ou econômica. E acredito que o setor vai continuar surpreendendo positivamente.

 

Quais ramos e modalidades de seguros devem se destacar em 2022?

Um dos grandes instrumentos de desenvolvimento do mercado brasileiro de seguros é a sua diversidade. O setor transita em todos os ambientes e atividades econômicas do País. Atende ao profissional autônomo, ao liberal e a empresas dos mais variados setores produtivos e econômicos. E tem ainda uma enorme gama de produtos destinados às necessidades geradas pela movimentação da economia.

 

Um dos destaques do ano deverá ser o seguro Rural. Se o agronegócio é de extrema importância para o crescimento econômico do Brasil (representa cerca de 20% do PIB), o seguro Rural tem que acompanhar esse desempenho. E a subvenção econômica concedida pelo Ministério da Agricultura não pode continuar sendo vista como gasto, mas como investimento, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, onde a agricultura e o seguro agrícola contam com total apoio do Governo. Em outra frente, os seguros de riscos cibernéticos, porque os ataques e invasões por hackeres, vírus ou malwarehackers hoje fazem parte do cotidiano das sociedades, não são um risco apenas para grandes empresas, mas para todos nós.

 

A Lei Geral de Proteção de Dados criou uma série de obrigações em relação ao trato aos dados. Então, acredito que o cyberseguro tem potencial gigante. E, em linha com a proposta do Governo Federal de transformar o Brasil em um grande canteiro de obras, o seguro Garantia também apresenta excelentes perspectivas de crescimento, assim como os seguros da área de RC, em plena expansão, dado o maior volume de informações de que dispõe a sociedade.

 

Parte das normas que ampliam a liberdade do mercado estará em vigência plena em 2022. Será deixado de lado um formato regulatório rígido para dar vez a um modelo flexível e principiológico. Quais as consequências disso?

Isso é evolução e adaptação. O mundo está em rápida transformação e, evidentemente, o Marco Regulatório tem que ser revisto. O que era tido como certo e necessário há 30 anos, hoje precisa de revisão. Mas, com atenção, porque se for de forma abrupta, pode levar a um efeito não desejado. No campo do planejamento tudo pode, porém é a prática que determina o efeito positivo ou não.

 

Ainda assim, vejo a flexibilização da Susep, essa forma de atuar dentro de um modelo principiológico, adequada ao momento atual. É necessário, porém, acompanhar de perto a atuação do mercado dentro desses princípios, como a criação de novos produtos e o atendimento às necessidades do consumidor pautado nos princípios de segurança e de transparência. Esse acompanhamento tem que ter como base a experiência de todos: seguradores e resseguradores, corretores, áreas de previdência e de capitalização e, especialmente, a experiência do consumidor.

 

Que temas vão compor a pauta regulatória em sua gestão? Há regras em vigência que poderão ser revistas?

A revisão de regras e normas, independentemente de quem estiver à frente da Susep, naturalmente deve ocorrer. Assim como, por conceito, é preciso fazer uma avalição antes da edição de normas para analisar o impacto dos riscos. O meu objetivo é traçar uma rota mais assertiva possível, que nos leve corretamente ao epicentro do potencial do mercado de seguros. O diálogo e o respeito serão um dos principais focos da minha gestão. Todos os objetivos que desejamos devem ser discutidos e resultar em consenso pelos componentes do mercado de seguros.

 

A audiência pública que a Susep está promovendo para debater a criação de uma Política de Sustentabilidade e a elaboração de relatórios anuais que apresentem riscos e oportunidades relacionadas aos aspectos ASG (ambiental, social e governança), tem que objetivo?

Iniciamos a consulta pública sobre esse tema em meados de dezembro passado e ficou estabelecido um prazo de 90 dias para que possamos ter uma ampla discussão a respeito das questões ASG, e ver como a Susep poderá acompanhar esse processo e dar suporte ao mercado na adequação desses critérios dentro dos preceitos ASG. A proposta estava prevista no Plano de Regulação da Autarquia para 2021.

 

O objetivo do processo é estabelecer diretrizes para que as entidades supervisionadas incluam os aspectos ASG e climáticos em sua atuação no mercado de seguros, de forma a contribuir para a preservação de um mercado resiliente e sustentável. Queremos equiparar a atuação da Susep a jurisdições estrangeiras que já adotaram iniciativas no sentido de incentivar a adoção de boas práticas de gestão de riscos associadas aos fatores ambiental, social e climático, tendo por base diretrizes internacionais.