MORTES E DOENÇAS NO RASTRO DO CONSUMO ABUSIVO DE ÁLCOOL

MORTES E DOENÇAS NO RASTRO DO CONSUMO ABUSIVO DE ÁLCOOL

Antes de servir a próxima dose, fale com a Pahola, a inteligência artificial da Opas que ajuda os países das Américas a frear o consumo de bebidas alcoólicas.

Por: Gabriel Oliven

Oalarme toca sempre que uma nova dose é servida. Seja qual for o país ou continente em questão, o uso contínuo de bebida alcoólica deixa um rastro de tragédia e dor. No Brasil, um homem morre a cada dez minutos em razão de doenças e complicações associadas ao álcool. Segundo o Ministério da Saúde, o consumo abusivo da substância cresceu entre 2006 e 2021, passando de 15,7% para 18,3% da população adulta. Entre as mulheres, o índice subiu de 7,8% para 12,7% no período. Os dados fazem parte da pesquisa Vigitel Brasil 2006-2021 e têm como base a população das capitais e do Distrito Federal.

 

Entende-se por consumo abusivo a ingestão de quatro ou mais doses (para mulheres) e de cinco ou mais doses (homens), em uma mesma ocasião, pelo menos uma vez nos 30 dias que antecederam a pesquisa. Por isso, antes de servir a próxima dose, é bom falar com Pahola e prestar muita atenção aos conteúdos e argumentos dela. Mas quem é Pahola? “Oi. Sou a primeira profissional de saúde digital dedicada a temas relacionados ao álcool. Estou aqui para contar alguns fatos sobre o álcoole como você pode viver uma vida mais saudável”. À medida que o diálogo avança, você recebe informações valiosas para colocar um freio na bebida e diminuir os riscos à saúde. Se necessário, pode acioná-la em busca de ajuda especializada. Afinal, vidas estão em jogo: esse é um hábito que mata três milhões de pessoas por ano, o que representa 5,3% das mortes em todo o mundo.

 

Consumo cresceu entre 2006/2021, passando de 15,7% para 18,3% da população adulta. Entre as mulheres, o índice subiu de 7,8% para 12,7% no período.

 

Pahola é muito mais que uma assistente virtual. É uma especialista em transtornos à saúde causados pelo álcool, dotada de inteligência artificial e versada em quatro idiomas: português, espanhol, inglês e francês. Foi lançada em novembro de 2021 pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), com o objetivo de ajudar os países da região a reduzir o consumo crescente de bebidas alcoólicas – e as doenças relacionadas.

 

Programada com software da Google (DigitalFlow), ela pode ser acessada 24 horas por dia no site da entidade (www.paho.org/pt/alcool/ pahola). A interação com o público é anônima e não identificável. Ela não coleta dados do usuário. O sucesso da agente conversacional pode ser atestado em números. “Nos primeiros três meses após o lançamento da Pahola, a campanha teve 61 milhões de impressões e uma média de 2,7 mil acessos ao mês. Por ser uma inteligência artificial, ela aprende mais conforme vai sendo utilizada”, explica Diogo Alves, oficial de Controle do Tabaco e Impostos de Saúde da Opas e da Organização Mundial da Saúde (OMS).

 

Segundo ele, a Opas desenvolveu todo o conteúdo técnico, o que garante confiabilidade ao material. “A Pahola fornece informações baseadas em evidências sobre o impacto do consumo de álcool na saúde das pessoas. Também é possível fazer uma avaliação de risco dos indivíduos, por meio de questionário validado internacionalmente. Além disso, ela fornece orientações para que as pessoas desenvolvam um plano de mudança, seja para reduzir ou parar de beber”, acrescenta.

 

TESTE VIRTUAL

 

Os interessados podem fazer um teste virtual para saber os riscos a que estão expostos pelo uso da substância. Pahola começa com perguntas básicas, como o país de moradia, gênero, faixa etária, tipo de bebida preferida (vinho, cerveja, destilados etc.), quantidade e frequência de consumo.

 

A partir das respostas, fornece a pontuação de cada um e explica os transtornos associados ao álcool, bem como os benefícios de reduzir ou interromper o consumo. Por fim, ajuda a encaminhar pessoas para serviços de tratamento, indicando o contato de unidades de saúde. O hábito de beber – mesmo em doses moderadas – nada tem de saudável e responde por mais de 200 doenças e tipos de lesão, de acordo com a métrica de Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade (DALY, na sigla em inglês).

 

Segundo a OMS, não há níveis seguros de consumo. O uso regular causa morte e incapacidade relativamente precoce na vida. Na faixa etária de 20 a 39 anos, cerca de 13,5% das mortes em todo o mundo decorrem do álcool. Segundo a Opas, são pelo menos 379 mil óbitos por ano nas Américas. “O cenário é desafiador. Por anos, o consumo abusivo de álcool tem sido negligenciado, mesmo sendo responsável por 5% da carga global de doenças e lesões. Está relacionado à maioria dos casos de violência, especialmente em mulheres e crianças.

 

Além disso, todos os anos perdemos milhares de jovens em acidentes de trânsito, causados pela mistura de álcool e direção. Quando esses acidentes não matam, deixam sequelas muitas vezes irreversíveis. Esses números preocupantes clamam por ações efetivas e intersetoriais”, ressalta Diogo Alves.

 

MORTES E DOENÇAS

 

Seja qual for o país ou continente em questão, o uso contínuo de álcool costuma deixar um rastro de tragédia e dor. Somente em 2016, representou 5,5% de todas as mortes na região – a maioria causada por diferentes tipos de cânceres (83.351), violência (65.880) e doenças digestivas (62.668). Além disso, um em cada 12 adultos (8,2%) nas Américas cumpria, em 2016, os critérios para transtorno relacionado ao uso de álcool, índice bem acima da média mundial (5,1%).

 

O médico cancerologista Drauzio Varella, autor de “Estação Carandiru”, reforça que esse é um problema grave de saúde pública. No Brasil, o álcool é o sétimo fator de risco que mais impacta a mortalidade: 5,5% do total de óbitos. As doenças relacionadas ao uso da substância vão desde as crônicas (hepáticas, cardiovasculares e cânceres) até as transmissíveis (tuberculose e pneumonia), sem contar os acidentes e a violência interpessoal.

 

“A principal característica do alcoolismo é a perda de controle. Existem pessoas que nem bebem todos os dias, mas, quando começam, não conseguem parar. São os que se embriagam mesmo quando juram que nessa noite não beberiam”, alerta.

 

SINISTRALIDADE NA SAÚDE

 

Além dos danos à saúde e do impacto social e econômico, o problema atinge diretamente o mercado de seguros. O uso abusivo de álcool afeta a sinistralidade dos planos de saúde, bem como as carteiras de Vida e Automóvel das seguradoras, resultando em disputas que costumam chegar aos tribunais. São comuns os processos que envolvem negativa de cobertura ao segurado em caso de embriaguez comprovada. Mas as sentenças variam conforme o segmento e o tipo de apólice.

 

Nas apólices de Seguro Auto, porém, o entendimento dos tribunais é outro. A mistura de bebida e direção é crime previsto em lei. O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) disciplina como crime a prática de dirigir com a capacidade psicomotora alterada pela ingestão de bebida alcoólica ou de outra substância psicoativa que cause dependência. O motorista que dirige sob efeito de álcool contribui para o agravamento do risco, o que enseja a negativa de cobertura do dano patrimonial – tese aceita pela maioria dos tribunais. Ao se comprovar a embriaguez como causa do sinistro, não haverá pagamento de indenização.

 

“É preciso atacar as causas do elevado número de ocorrências desses sinistros. No meu entendimento, o mercado segurador poderia contribuir com campanhas de conscientização e prevenção, focando no slogan “se beber, não dirija”. Uma iniciativa interessante de algumas seguradoras foi a inclusão do “motorista amigo”, que é acionado para dirigir o veículo do segurado quando ele ingerir álcool”, explica José Varanda, coordenador de Graduação da Escola de Negócios e Seguros.