A EDUCAÇÃO É O PONTO NEVRÁLGICO DO BRASIL

A EDUCAÇÃO É O PONTO NEVRÁLGICO DO BRASIL

A economista Zeina Latif fala sobre seu livro “Nós do Brasil - Nossa herança e nossas escolhas”, lançado no início do ano, e critica equívocos do País ao optar por modelos econômicos que emperram seu desenvolvimento.

Por: Cesar Tartaglia

Contenciosos econômicos, sociais e políticos acumulados ao longo do tempo legaram ao Brasil um custo que se dimensiona pelos tímidos índices históricos de crescimento per capita. Diversos fatores prendem o País ao atraso – desde modelos econômicos centrados em virtuais monoculturas (café, cana-de-açúcar), passando pelo longo ciclo escravocrata e, coroando equívocos, opções no âmbito da educação e de outras demandas sociais mal resolvidas.

 

Desse caldo decorreu, segundo a economista Zeina Latif, uma modesta performance do País no seu arco de desenvolvimento: de 1900 a 2019, a média de crescimento per capita do Brasil foi de meros 2%. Pior: longe de lançar a pedra do otimismo, ao menos aos olhos da realidade política e econômica atual, a trajetória brasileira indica que, nas décadas mais recentes, esse índice caiu pela metade. É um indicador preocupante, principalmente se comparado ao desempenho de outros países de perfil semelhante.

 

Em seu livro “Nós do Brasil – Nossa herança e nossas escolhas”, que recém-lançado pela Editora Record, ela investiga as raízes de alguns dos nós que emperram o desenvolvimento do País. Além de equivocadas opções por modelos econômicos, Zeina analisa criticamente os erros na gestão de políticas públicas e na educação pública: “A educação é o ponto nevrálgico do Brasil. Demorou muito para o País começar a investir no setor. E aí me refiro à Educação Básica.

 

E, quando começa a investir, o faz de forma muito lenta e nem sempre da forma correta, o que implicaria, entre outras coisas, uma coordenação efetiva da União com prefeituras e estados. Doutora em Economia pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, Zeina Latif teve uma passagem celebrada no mercado, como economista-chefe de instituições como o BBVA, HSBC Asset Management e XP Investimentos.

 

Em 16 de maio, ela tomou posse como secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. A seguir, os principais trechos da entrevista que ela concedeu com exclusividade à Revista de Seguros.

 

Ainda que o País tenha começado com o pé esquerdo, dá para ter algum grau de otimismo em relação ao futuro?

É difícil traçar cenários. No final do livro, eu abordo alguns elementos que abrem uma janela para um otimismo cauteloso. Por si só, a taxa de crescimento de 2% não é a parte mais terrível. À luz do que outros países já superaram era de se esperar uma performance melhor. A questão é o quanto há de oscilação e, em especial, a performance muito preocupante das últimas décadas. O Brasil cresceu menos que a América Latina, cujos números já não são grande coisa. Estamos crescendo muito pouco.

 

Dá para levar em consideração os saltos, ainda que pontuais, que o Brasil tem dado?

Eu discuto um conceito do Banco Mundial, que é o da armadilha da renda média. Argumenta- se que o Brasil deixou de ser uma nação pobre para se tornar um país de renda média. Mas o Brasil apenas replicou o receituário de países que optaram pela experiência de base estatal, obviamente acompanhada do aumento da carga tributária, com o agravante de que os caminhos tomados tiveram como consequência crises inflacionárias. Não basta fazer intervenções estatais diretas. É preciso ter um pouco mais de sofisticação, porque o País precisa do setor privado que, por sua vez, precisa de um ambiente de negócios favorável. É preciso que o Estado cumpra bem o seu papel. E foi aí que não conseguimos dar o salto.

 

E onde o Estado entra deveria levar em conta a questão do gerenciamento, certo?

Quando olhamos as discussões de uma forma geral, sempre se fala que é preciso gastar mais em Educação, em Saúde e em Ciência e Tecnologia. Mas não se discute a qualidade do gasto público, ou se discute muito pouco. Até é aceitável que se gaste mais, desde que o gasto resulte em política pública eficaz.

 

Seria uma questão a ser resolvida no âmbito da regulação?

Nós temos regulação para tudo no Brasil. Muitas vezes são regras bem-intencionadas, mas que provocam mais distorção e confusão que benefícios. Tudo bem, a intervenção de uma forma geral permitiu ao País, por um tempo, dar um salto tanto no marco jurídico quanto no gasto público, só que não o suficiente para um crescimento sustentado, para sair de fato dessa armadilha.

 

 

Qual seria o caminho?

A reavaliação de políticas públicas passa por uma questão de Governo, de levantar os dados e tal, mas a engrenagem é mais complexa. No fundo, isso passa pela política. Não se trata apenas de ter órgãos e academias pesquisando, mas de traduzir isso em agenda política. E aí está o grande nó. É preciso ter maior participação social para que as demandas da sociedade se traduzam em agenda política.

 

Mas como dar esse pulo no nosso sistema político? Por outro lado, há coisas que precisamos valorizar, pois são as sementes para termos uma agenda mais ambiciosa. Já retomamos uma agenda de reformas. Também já temos uma classe média um pouco mais participativa, que reclama um setor público que funcione melhor. É uma classe média ainda incipiente, mas é para ser considerada.

 

Haveria outras razões para otimismo?

Nós vemos hoje – não digo em relação à eleição de agora – um ambiente de maior concorrência na política. Há lideranças surgindo, que podem não ter maturidade agora, mas é um caminho que estamos trilhando. A política não está totalmente estagnada. Há também uma melhora do debate público. Por décadas, vimos uma discussão muito limitada à visão nacional-desenvolvimentista, de intervenção estatal. Hoje já não é bem assim. Já há um discurso mais liberal.

 

Dentro desse conceito de aproximar o País de uma agenda mais liberal e em vista do que tem sido implementado nos últimos anos, o que a senhora veria como positivo e o que poderia ser mais aprofundado no quadro de reformas?

Retomamos a agenda de reformas a partir do Governo Temer. Entre a crise do mensalão e o início daquele governo foram dez anos sem reformas. Foi um acerto dar ênfase à questão fiscal – e não foi à toa que tivemos por um bom tempo taxas de juros baixas. Os políticos entenderam que era imperioso fazer a Reforma da Previdência, por exemplo. Temos visto a aprovação no Congresso de agendas importantes de marcos regulatórios setoriais. Cito o exemplo clássico do saneamento.

 

A senhora vê essas agendas como programas de Governo?

Muitas são fruto, na verdade, de pressões do setor privado, no sentido de diminuir o custo Brasil, melhorar o ambiente de negócios e permitir mais investimentos. O fato de as agendas de marco regulatório terem avançado já diz algo sobre a disposição do setor privado de pressionar por elas.

 

Onde estão as maiores falhas no setor público relacionadas às agendas reclamadas pelo País?

Há uma falha grande na questão fiscal. Passada a Reforma da Previdência, a agenda fiscal não só não avançou – na questão tributária, na reforma administrativa – como estagnou. Bolsonaro está entregando um país, do ponto de vista institucional e do regime fiscal, pior do que ele recebeu. Houve abusos na cláusula de escape do teto de gastos. Claro, houve a pandemia, era preciso enfrentar as demandas, mas houve excessos.

 

A senhora aborda o que seriam pontos de não retorno, no sentido da degradação dos indicadores do País. Quais seriam alguns deles?

Eu “roubei” esse termo da área ambientalista e o trouxe para a questão social. No fundo, é o seguinte: está bom, avançamos, mas num movimento muito acidentado e lento. E aí corremos o risco de ter pontos de não retorno. O País vai formando gerações despreparadas para o mercado de trabalho, e isso agrava índices de criminalidade. Há meninas ficando grávidas precocemente, mão de obra qualificada indo embora. É preocupante ter gerações inteiras à margem da sociedade, porque gera uma dinâmica muito perversa.

 

Nesse aspecto, a senhora enfatizaria o nó da Educação?

Sempre houve alertas quanto à necessidade de o País investir em Educação. Até mesmo a literatura econômica já avançou sobre isso. Historicamente, o Ensino Básico nunca foi uma bandeira. Ela entrou na agenda da Constituição, mas na prática não conseguimos a universalização.

 

Ainda há muitos jovens fora das escolas. Muitos desistem no meio do caminho. E quem continua na escola não sai preparado para a vida. Os indicadores de qualidade na Educação mostram que o problema maior está no Ensino Médio. É aí, nesse degrau, que todas as deficiências das fases anteriores ficam gritantes.

 

A senhora fala em avanços. Onde situaria algumas dessas fases mais fecundas?

No período de Fernando Henrique na Presidência, houve uma construção institucional incrível – com erros, claro, mas a construção institucional foi positiva, no geral. Agora, estamos vendo uma confusão institucional muito forte entre os Poderes. O Brasil está uma bagunça, em grande parte reflexo da falta de liderança do Poder Executivo. Quando o Presidente está fraco alguém ocupa seu espaço, o que está sendo feito pelo Congresso. Disso decorre a perda do controle da agenda econômica. E o canal de diálogo com o Judiciário também fica comprometido.

 

E compromete o horizonte do País externamente, principalmente em áreas sensíveis como o meio ambiente, o desafio de mudanças climáticas, conjuntura econômica em geral adversa…

Li recentemente um artigo analisando a chance de o Brasil ingressar na OCDE. Porque temos tido avanços, e esse é um pleito justo. Não acho que o Governo esteja totalmente alheio a isso. Mas o artigo observa que lideranças lá fora acentuam que aqui há pontos de tensão, como a questão ambiental e a descrença da sociedade nas instituições. Como o País vai ingressar no organismo, se não faz o dever de casa em questões cruciais, como a política ambiental, e se a própria sociedade não confia nas suas instituições?

 

Precisamos retomar uma agenda republicana. E isso passa pela questão política, que se agrava com o fracasso do atual Governo. Acredito que o maior nó atualmente é o da política, no sentido de traduzir as demandas da sociedade e trazê-las para a discussão de uma agenda com resultados positivos. A reforma política é uma pré-condição para avançar nas demandas econômicas.