A NOVA ONDA DO MERCADO DE SEGUROS: O UNIVERSO PET

A NOVA ONDA DO MERCADO DE SEGUROS: O UNIVERSO PET

Estudo de entidade norte-americana prevê uma expansão do mercado global de proteção pet dos US$ 6,05 bilhões de 2018 para US$ 11,25 bilhões, em 2026

Por: Vagner Ricardo

Perante a lei, os animais são inimputáveis. Logo seus donos pagam a conta dos danos que eventualmente os pets causem. Embora esse entendimento seja óbvio e simples, muitos tutores continuam a desconsiderar o risco de um eventual comportamento inadequado de seus animais de estimação gerar problemas judiciais e financeiros. Os casos discutidos na Justiça ou regulados por seguradoras são boas métricas de que a prevenção deve estar no radar dos tutores. Afinal, além da paz de espírito e de constrangimentos, atos agressivos dos animais podem resultar na obrigação de indenizar terceiros, entre outros riscos.

 

Atentas a isso, seguradoras avançam em iniciativas para esquadrinhar mais riscos no mercado pet. Tanto que, depois de serviços de assistência à saúde dos animais cada vez mais inovadores e mais conhecidos do grande público, os olhos do mercado voltam-se para proteção que contemple os danos causados por eles. Mesmo sem o status de seguros – são considerados até aqui serviços de assistência acoplados a modalidades mais tradicionais –, as seguradoras no País seguem o rastro do mercado mundial no que diz respeito à oferta de coberturas para donos de animais de estimação.

 

O fato de o produto não ser regulamentado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) abre caminho para que o mercado (seguradoras ou não) crie as mais variadas proteções, oferecidas como cobertura facultativa (compra quem quer) em modalidades tradicionais, principalmente o residencial ou o de viagem. O consenso de profissionais das áreas de marketing e comercial das seguradoras do País é de que os serviços de assistência pet ajudam a promover a venda do produto principal e a fidelizar os clientes.

 

PROTEÇÃO EXPANDIDA

 

No exterior, o chamado insurance pet (acidentes pessoais e saúde veterinária) é apontado como um dos mais promissores nos próximos anos, segundo diversos relatórios de inteligência de mercado. Estudo da Pet Insurance Market Size, Share & Industry Analysis, By Policy Coverage Type (Accident & Illness, Accident Only, Others), By Animal Type (Dog, Cat, Others), By Provider (Public, Private) and Regional Forecast, 2019-2026 prevê uma expansão do mercado global de proteção dos US$ 6,05 bilhões de 2018 para US$ 11,25 bilhões, em 2026.

 

Convergente em relação à trajetória de alta dos negócios, relatório do Future Market Insights destaca que as vendas mundiais de seguros para animais de estimação, projetadas em US$ 7,8 bilhões neste ano, deverão alcançar US$ 38,8 bilhões até 2030, com uma taxa de crescimento de 11% por ano.

 

O estudo assinala que o novo comportamento das famílias, com o fenômeno de “humanização dos animais de estimação” liderada pelos Millennials, a renda dos tutores em alta nos maiores mercados globais de pet care e novas tecnologias que facilitam a compra de proteção estão entre os fatores do diagnóstico positivo. Pelos cálculos desse levantamento, estima-se que a receita de prêmios pet representa algo em torno de 3% a 4% da cadeia global de pet care. Os Estados Unidos lideram o mercado pet.

 

Segundo a Pesquisa Nacional de Proprietários de Animais de Estimação 2021-2022, feita pela American Pet Products Association (APPA), a posse de animais de estimação aumentou de 67% para 70% das famílias nos Estados Unidos. Os Millennials são os principais tutores, representando 32%, seguidos pelos Boomers (27%) e Gen X (24%).

 

MERCADOS GLOBAIS

 

Os negócios de proteção pets andam de forma mais acelerada nos países desenvolvidos, onde há atuação de grandes grupos e competição acirrada. Em consequência, as coberturas pets são bastante comuns nos mercados globais, como nos Estados Unidos, onde são negociadas no seguro residencial (home owners). Segundo técnicos da Susep, não há qualquer empecilho regulatório envolvendo a oferta de assistência pet nem planos de regulamentar tais coberturas até aqui. Logo, as empresas podem comercializar esse tipo de cobertura livremente, montar “combos”, cobrindo, inclusive, não só danos causados por pets como também por outros animais como vacas, touros, cavalos, aves Ainda não é possível, contudo, aferir o desempenho das assistências pets no mercado de seguros.

 

Por não ser um produto padrão, a Susep não tem dados específicos como o de número de seguradoras que oferecem proteções pets, o de receita aferida ou o de sinistros ocorridos.

 

“As empresas podem comercializar esse tipo de cobertura livremente, montar “combos”, cobrindo, inclusive, não só danos causados por pets como também por outros animais como vacas, touros, cavalos, aves etc.

 

 

Também o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informa não ter dados estatísticos consolidados sobre ações cíveis envolvendo danos causados por animais domésticos. Ainda assim, a percepção é de que os sinistros pet avançam, seguindo o salto da população de animais domésticos, já que se observa um aumento significativo na adoção de animais, principalmente os cães, por estarem entre os companheiros preferidos dos seres humanos.

 

OPORTUNIDADES E RISCOS

 

Ao cruzar dados sobre a população pet ou de plantéis, conclui-se que o mercado brasileiro é uma janela de oportunidades e de riscos. Dados do Instituto Pet Brasil (IPB) dão conta de que o Brasil encerrou 2021 com 149,6 milhões de animais de estimação, um aumento de 3,7% sobre os 144,3 milhões do ano anterior. Os cães lideram o ranking, com 58,1 milhões de indivíduos. As aves canoras vêm em segundo, com 41 milhões.

 

Os gatos figuram em terceiro lugar, com 27,1 milhões. A população é também numerosa no meio rural. Somavam 218,2 milhões de cabeças de gado e outros 41,1 milhões de rebanho suíno, segundo o censo mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativo a 2020. Essa extraordinária população de pets e plantéis, contudo, é capaz de produzir danos extraordinários. Uma seleção de casos (segurados ou não) levantados pela Revista de Seguros dá alguma ideia dos riscos incorridos nessas operações.

 

Apenas uma seguradora que cobre danos via Responsabilidade Civil Familiar oferecido como proteção facultativa de seu seguro Residencial reportou cinco casos. Em um deles, um pastor alemão de porte grande fugiu da residência e “atacou” um veículo de terceiro estacionado nas proximidades.

 

A câmera da casa do vizinho registrou o ocorrido. Informada do sinistro, a seguradora pagou R$ 5.806,94 pelos reparos realizados. A mesma seguradora indenizou o dano causado por um cachorro de seu segurado, que atacou e matou a calopsita de um morador da rua.

 

Da mesma forma, indenizou o dano de outro segurado, cujo pitbull fugiu da chácara e invadiu a propriedade vizinha, matando um bode e duas galinhas. O dano de um cão que mordeu e rasgou a calça jeans de um transeunte foi igualmente saldado, assim como os ferimentos ocasionados a uma criança que foi derrubada de sua bicicleta por um cão. Todas essas situações estão entre coberturas de RC Familiar do seguro Residencial.

 

Com isso, o seguro colabora para reduzir a judicialização. Nos últimos anos, juízes julgaram cada vez mais reparações solicitadas por danos causados por animais, tanto por pet como por rebanhos. Em 2016, uma cuidadora de animal foi indenizada por danos causados por pet de pequeno porte hospedado em sua casa. A cuidadora, após três surtos psicológicos do animal, decidiu suspender o contrato de prestação de serviços e cobrar os danos causados à moradia. Entre os itens avariados, uma tevê de 43 polegadas avaliada em R$ 1,8 mil na época.

 

O caso tramitou no 6º Juizado Especial Cível de Brasília. Por sorte da tutora, a juíza desconsiderou o pedido de danos morais. Em outro caso, julgado em maio, o colegiado da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais de Brasília manteve a condenação dos donos de dois pitbulls. Seus animais atacaram e mataram um pequeno cão.

 

O valor da sentença foi fixado em R$ 7,5 mil, entre danos morais e materiais. No meio rural, as disputas por puladas de cerca são comuns. Um dos casos mais conhecidos envolve um touro reprodutor Nerole, que pulou a cerca e engravidou algumas vacas Jersey, indicadas para a pecuária leiteira, da propriedade vizinha.

 

A fecundação entre raças diversas é desaconselhada por veterinários, já que, entre outras consequências, pode gerar abortos, problemas no parto e, de forma geral, prejudicar a saúde das vacas. O caso foi parar na 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que condenou o proprietário do touro fujão a pagar quase R$ 96 mil de indenizações, mas ele recorreu.

 

O desembargador Ricardo Fontes, relator da apelação, escreveu que “é objetiva a responsabilidade civil dos proprietários de animais – ou seja, eles respondem pelos danos causados a terceiros independentemente da existência de culpa –, eximindo-se do dever reparatório apenas na hipótese de ser comprovado fato imputável à própria vítima ou de ocorrência de caso fortuito ou força maior.

 

De consolo, o dono do touro conseguiu reduzir para R$ 10 mil o valor por danos morais, abaixo do estipulado em primeiro grau. Mas não escapou dos danos materiais gerados. Vida que segue. O certo é que o universo animal abre um caminho promissor para o mercado, principalmente no caso de coberturas para a saúde dos animais. Hoje, algumas empresas já contam com mais de 70 mil vidas seguradas no universo de saúde pet.

 

Os mercados emergentes, porém, devem andar em ritmo de expansão abaixo dos países desenvolvidos. Isso porque, ainda segundo o relatório do Future Market Insights, alguns desafios permeiam a expansão, principalmente o desconhecimento das coberturas e a renda das famílias. A conferir.

 

 

“É objetiva a responsabilidade civil dos proprietários de animais, ou seja, eles respondem pelos danos causados a terceiros independentemente da existência de culpa.”

Ricardo Fontes, desembargador