A Proteção Social dos Seguros Reverbera nas Mudanças Climáticas
Um hub de dados socioambientais, em desenvolvimento pela CNseg, vai oferecer informações para a tomada de decisão de seguradoras e gestores públicos. Por: Bianca Rocha
As cheias no Rio Grande do Sul de 2024 deixaram mais que um rastro de destruição e prejuízos bilionários: muitas empresas, sem a proteção de seguros adequados, viram seus planos de retomada adiados indefinidamente ou até mesmo inviabilizados. A ausência de cobertura transformou perdas que poderiam ser reparadas em um ponto final para diversos negócios. Esse cenário reforça, de forma contundente, a importância de contar com apólices bem estruturadas, capazes de oferecer suporte financeiro e segurança para atravessar crises e garantir a continuidade das atividades.
Ainda que as seguradoras tenham ampliado as indenizações em favor dos segurados gaúchos, a cifra de R$ 6 bilhões foi significativamente baixa perante as perdas econômicas estimadas, de mais de R$ 100 bilhões. De qualquer forma, demonstraram que os eventos climáticos severos não só elevam o volume de indenizações pagas pelo setor de seguros gradualmente, mas também transformam a essência da atividade seguradora e a própria modelagem de análise de risco, já que não é mais possível se basear apenas em estatísticas passadas.
O cenário é preocupante, porém, reforça cada vez mais o papel estratégico do seguro como um pilar na construção de redes de amparo social, bem-estar e desenvolvimento, em meio a incertezas climáticas, econômicas e demográficas.
Diante dos desafios, o setor segurador no Brasil vem colocando em prática, nos últimos anos, iniciativas que visam aprimorar o conhecimento sobre riscos e auxiliar as seguradoras na criação de produtos mais adequados foram colocadas em prática. A mais recente é o projeto de um hub de dados socioambientais e riscos climáticos que está sendo desenvolvido pela CNseg em parceria com a Universidade Federal de São João del Rei. A futura plataforma tem o objetivo de oferecer informações precisas para a tomada de decisão de seguradoras e gestores públicos.
“Uma proteção securitária eficiente é essencial para reduzir impactos econômicos e sociais, especialmente sobre os mais vulneráveis. Com o hub, o setor de seguros poderá não apenas reagir a desastres climáticos, mas também contribuir ativamente para a prevenção e a resiliência”, afirma a diretora de Sustentabilidade da CNseg, Claudia Prates.
OLHAR ATENTO
Nos últimos dez anos, 94% dos municípios brasileiros decretaram estado de emergência ou calamidade por motivo climático ao menos uma vez, somando R$ 327 bilhões em perdas econômicas. Apenas em 2024, foram registrados 1.690 eventos, o que dá uma média de quatro por dia. No Brasil e no mundo, o que se observa é que eventos climáticos extremos afetam desproporcionalmente a população mais vulnerável (seja por classe social, idade ou raça), exigindo do setor de seguros um olhar mais atento para o desenvolvimento de produtos que possam mitigar impactos e proteger pessoas e áreas expostas.
Gerente de Conhecimento e Parcerias Estratégicas da Microinsurance Network — uma associação sem fins lucrativos baseada em Luxemburgo —, Pedro Pinheiro acompanha de perto a demanda e os desafios da implementação de seguros mais inclusivos no mundo. Desde 2012, ele participa ativamente de discussões que envolvem a evolução do microsseguro no Brasil, modalidade que, naquela época, já estava atrelada à agenda de sustentabilidade do setor.
Segundo ele, alguns produtos inclusivos já consolidados em mercados relativamente similares, como o da África do Sul, continuam tendo potencial no Brasil, como o seguro funeral. “É uma boa alternativa para o País, pois não custa tão caro e oferece proteção num momento difícil para a família, quando o gasto é substancial”.
Pequenas apólices de seguro saúde, que não cobrem necessariamente o atendimento médico, mas que ajudem famílias a se manter financeiramente enquanto algum parente está em internação hospitalar, são comercializadas na Europa e podem ser uma opção de produto também no Brasil.
“Pesquisa recente da Febraban apontou que 55% dos brasileiros têm baixo entendimento sobre educação financeira. Entre as que têm mais de 80 anos, esse índice chega a 85%. O seguro não é compreendido de forma imediata para mais da metade da população”, pontua.
EXEMPLO DA ESPANHA
Entre as experiências globais ligadas diretamente aos riscos climáticos, a da Espanha é a que mais chama atenção: lá existe o Consórcio de Compensação de Seguros (CCS), entidade pública que funciona como seguradora de catástrofes, agregando riscos extraordinários não cobertos pelas seguradoras privadas, como os causados por desastres naturais. A proteção é garantida por meio de sobretaxas obrigatórias cobradas sobre as apólices de seguros.
“Quase 80% das residências estão seguradas na Espanha e, dos 33,4 milhões de veículos do país, 25,7 milhões têm proteção de para-brisa, que é particularmente útil contra granizo e galhos em tempestades de vento. A sobretaxa CCS aplica-se praticamente a todas as apólices emitidas na Espanha. Portanto, a proteção contra inundações, tempestades, terramotos e erupções vulcânicas é muito abrangente”, explica o secretário-geral da União Espanhola de Entidades de Seguros e Resseguros (Unespa), Luis Miguel Avalos.
Market Head Brazil & Southern Cone da Swiss Re, Juliana Alvez considera o gap de proteção uma realidade universal que, no Brasil, manifesta-se de maneira particularmente preocupante. “Dados do Swiss Re Institute apontam que apenas 43% das perdas econômicas globais causadas por catástrofes naturais estavam seguradas no ano passado. No Brasil, a CNseg estima que cerca de 95% das perdas relacionadas a desastres naturais não têm cobertura de seguros”, acrescenta.