A quebra de safra impacta a segurança alimentar do planeta
Ex-ministra da Agricultura, a senadora Tereza Cristina (MS) é uma top voice em temas relacionados ao agronegócio. Afirma que o Seguro Rural ainda é insipiente em seu uso, mesmo após 30 anos previsto na Política Agrícola Brasileira, e chama para si a missão de fazê-lo avançar, a partir do PL 2951, de 2024, de sua autoria, que tramita no Senado Federal.
Esse projeto de lei é uma importante contribuição para o aperfeiçoamento do Seguro Rural. O PL propõe a criação de um fundo de cobertura suplementar para diluir riscos agropecuários entre agentes públicos e privados.
Na sua opinião, o fundo de cobertura suplementar ajuda a manter os valores dos riscos estáveis em momentos de agravamento da sinistralidade e pode, inclusive, garantir redução dos preços cobrados aos produtores rurais.
A criação de um “Fundo de catástrofe”, como é conhecido esse colchão de estabilidade nas operações rurais, não é recente no Congresso Nacional. Na verdade, as propostas enfrentam resistências desde 2009 e ainda resistem, mas a senadora está convencida de que o novo projeto, fruto de um diálogo com o setor produtivo, seguradoras e resseguradores, reúne os consensos possíveis e tem mais chances de prosperar. Na entrevista abaixo, concedida com exclusividade à Revista de Seguros, a senadora detalha os principais pontos do projeto de lei. Acompanhe!
Qual a importância do seguro rural para o setor agrícola brasileiro?
O seguro rural está previsto na Política Agrícola Brasileira, descrito na Lei n.º 8.171, de 1991. Existe, portanto, há mais de 30 anos, mas ainda é utilizado de forma incipiente no Brasil. É um instrumento que protege o produtor rural de perdas inesperadas, mantendo sua capacidade financeira para honrar os compromissos assumidos e arcar com os custos do plantio da nova safra, sem aumentar o endividamento, inclusive permitindo a realização de inovações e novos investimentos.
O seguro rural torna-se ainda mais relevante diante da ocorrência de eventos extremos, cada vez mais frequente nos últimos anos. O produtor rural precisa se antecipar às possíveis perdas decorrentes de adversidades climáticas, evitando prejuízos e redução da sua capacidade financeira.
Temos de destacar que a quebra de safra não é apenas uma questão particular, que diz respeito unicamente ao empresário rural, ela impacta a segurança alimentar de um país – e mesmo do planeta. Então, garantir a produção de alimentos é algo estratégico para a economia e para sociedade.
E como o PL 2951/2024 pode aperfeiçoar esse mecanismo?
O PL 2951, de 2024, de minha autoria, pretende aperfeiçoar o seguro rural. Propomos a criação de um fundo de cobertura suplementar a fim de diluir os riscos agropecuários entre os agentes públicos e privados, influenciando a precificação dos riscos pelas seguradoras e resseguradoras. A consequência esperada é a redução dos preços cobrados aos produtores rurais. Assim, aumentaremos a base de tomadores de seguro — hoje ainda são poucos os que conseguem arcar com uma boa cobertura para suas atividades agropecuárias.
O PL 2951 também prevê que o Conselho Monetário Nacional (CMN) poderá dispor sobre a contratação de seguro rural nas operações de crédito rural, definindo benefícios e incentivos, tais como: 1) taxas de juros com condições favorecidas ao tomador; 2) prioridade de acesso ao crédito rural, inclusive quando se tratar de prorrogação ou de renegociação; e 3) financiamento do prêmio do seguro. Todas essas questões técnicas precisam ser debatidas didaticamente para se alcançar um entendimento, sobretudo para atender o produtor na ponta, lá no campo.
Como o setor segurador pode ser parceiro nas discussões que o projeto propõe para o desenvolvimento dos recursos aplicáveis ao seguro rural brasileiro?
O setor segurador pode e deve ajudar nas discussões do projeto. O debate público entre os diferentes atores é fundamental. Como é um tema bem técnico, é importante que sejam apresentados dados e informações de forma transparente e didática, de modo a contribuir para um melhor conhecimento sobre o tema. É bem-vindo que o setor segurador apresente suas projeções, premissas e possíveis impactos da instituição do fundo de cobertura suplementar, que está sendo chamado informalmente de “Fundo de catástrofe”, na precificação dos seguros que serão ofertados aos produtores rurais.
Também é essencial que o setor segurador desenvolva produtos adequados para a diversidade dos produtores rurais. Por fim, destaco que está prevista a previsão de prestação de informações pelas sociedades seguradoras em suas operações de seguro rural, para fortalecer os bancos de dados essenciais ao desenvolvimento da política pública.
Quais são os principais benefícios esperados com a criação de um fundo de catástrofes rurais para os agricultores e a economia agrícola como um todo?
Esperamos, como já frisei, que a instituição do chamado fundo de cobertura suplementar impacte a formação de preços, reduzindo assim os custos do setor produtivo, e aumente a oferta de produtos adequados, diminuindo, por outro lado, o risco de vazio de seguro em alguns mercados específicos.
Também esperamos uma mitigação das renegociações de dívida rural, que tanto impactam o Tesouro Nacional e reduzem a capacidade do agricultor de fazer novos investimentos para a melhoria de sua atividade produtiva.
Desde 2008, o Congresso Nacional, por meio do PLP 374/2008, já discute a promoção de um mecanismo de atuação de um “fundo de catástrofe rural”. Por que a nova proposta pode avançar e quais são os principais desafios e obstáculos na implementação e na gestão do fundo?
Muitas premissas do PLP 374, de 2008, ficaram desatualizadas com a experiência dos últimos anos, principalmente sobre a participação da União como cotista de fundos privados, em vez da simples possibilidade de pagamento de subvenção a um consórcio privado. Também há questões nesse PLP que enfrentam resistências e que travaram sua tramitação.
Agora, construímos o PL 2951, de 2024, ouvindo desde o início o setor produtivo e levamos essa realidade aos setores segurador e ressegurador, avançando nos consensos possíveis. Então, acredito que há mais possibilidade de a proposta atual avançar.
Os principais desafios e obstáculos na implementação do fundo serão a alocação de recursos públicos ao longo dos anos para sua sustentabilidade financeira e a formação de uma equipe técnica especializada na Instituição Administradora do Fundo, dados os aspectos extremamente especializados que deverão ser decididos pela gestão.
Olhando para a experiência de outros países, há pontos de inspiração nas políticas adotadas no PL 2951/2024? Se sim, qual a importância deles para a política agrícola e a melhoria na mitigação de riscos dos produtores?
Viajei aos Estados Unidos e estive também na Espanha para conhecer exemplos bem-sucedidos de seguro rural, tanto na América quanto na União Europeia. Da experiência internacional, ressaltamos a importância de uma abordagem ampla, abrangendo um conjunto de instrumentos de forma coordenada e harmônica na construção de uma rede de proteção ao produtor rural. Na Europa, o seguro rural é obrigatório e garante benefícios; nos Estados Unidos, é facultativo, mas quem não adere paga mais caro pelo crédito e assume sozinho os riscos.
Fazemos um destaque especial para a Risk Management Agency (RMA), dos Estados Unidos, entidade governamental que apoia as políticas públicas de proteção contra perdas na agricultura e atua fortemente na subvenção aos prêmios cobrados, além de aprovar e apoiar produtos. A experiência americana reforça nosso entendimento sobre a importância de aperfeiçoar a oferta de produtos adequados às demandas do setor agropecuário brasileiro, bem como sobre a importância da subvenção ao prêmio do seguro rural.
Existe alguma relação entre o fundo proposto no PL 2951/2024 e a política de subvenção ao seguro rural? O papel do Governo no aporte de recursos nessas políticas se justifica?
O PL 2951, que apresentei no Senado e tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), retira travas existentes atualmente para a instituição do fundo de cobertura suplementar e propõe aperfeiçoamentos na política de subvenção ao prêmio do seguro rural. O fundo tende a afetar a precificação do seguro, com impactos na demanda de recursos para subvenção.
Por outro lado, o crescimento da subvenção amplia o mercado de seguro rural que vai contribuir para o desenvolvimento do fundo ao longo dos anos.
Para o Governo, a alocação de recursos na subvenção ao seguro rural e na capitalização do fundo tende a reduzir as despesas públicas com renegociações de dívidas, mantendo a capacidade financeira do setor produtivo.
Qual a importância de uma gestão compartilhada entre atores públicos e privados no Fundo de Seguro Rural?
Não tenho dúvidas de que a gestão compartilhada entre atores públicos e privados vai melhorar a distribuição dos recursos e tornar mais eficiente e efetiva a política pública, pois haverá troca de experiências relativas à mitigação de riscos agropecuários. E assim serão reforçados os aspectos de interesse público na política do seguro rural, com maior
agilidade operacional.