AGRONEGÓCIO ENFRENTA ROUBOS E FURTOS NO MEIO RURAL
O Observatório da Criminalidade no Campo, publicação da CNA, chamou a atenção para a invisibilidade da violência no campo, e a entidade passou a manter um registro de queixas Por: Jorge Clapp
Chamado de indústria a céu aberto, o agronegócio está habituado a conviver com riscos que cercam as atividades rurais, como secas, chuvas excessivas, volatilidade dos preços das commodities etc. Uma nova “praga”, contudo, começa a ser rastreada, reconhecida e temida pelos produtores rurais de norte a sul do País: as fazendas entraram de vez no radar de quadrilhas organizadas ou não, gerando danos inesperados, riscos financeiros severos e maiores, além de ameaça à vida dos produtores rurais.
Os números de delitos, entretanto, são subnotificados porque os estados falham na catalogação dos registros de roubo e furto. Atenta a esse gargalo, desde 2017, com a publicação do Observatório da Criminalidade no Campo, a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) joga luzes sobre um tema esquecido pelas autoridades públicas e com pouca efetividade na solução dos casos. De lá para cá, a entidade tem mantido um serviço de registro de queixas para suprir a carência de dados.
“O estudo chama a atenção para a invisibilidade da violência no campo. Verificamos que as autoridades públicas não tinham estratégias específicas para lidar com o crescente casos de roubos e furtos no meio rural, cada vez mais qualificados. Não havia (e ainda não há) nem mesmo estatísticas e indicadores criminais – algo que é crônico de todo o sistema de Segurança Pública”, constata o coordenador administrativo do Instituto CNA, Carlos Frederico Ribeiro. Ele lamenta que ainda se tenha uma visão idílica sobre o campo, como um lugar tranquilo, calmo e seguro. Ainda assim, ainda é um lugar menos violento, quando comparado com o meio urbano.
“As propriedades rurais hoje operam grandes valores monetários materializados em equipamentos, insumos e produção. São como pequenos bancos. E isso, somado à melhora nas condições das estradas, baixa densidade populacional e precária conectividade rural, acaba atraindo criminosos. É mais fácil e lucrativo roubar cargas agrícolas, como insumos, do que assaltar um banco”, acredita o especialista. De acordo a pesquisa da CNA, realizada com produtores rurais e a partir de painéis com representantes da Polícia Militar dos estados, as áreas mais críticas são as rodovias e estradas. Não somente por conta de roubo de cargas agrícolas, mas também de automóveis. Nas áreas rurais, o que mais ocorre são abigeatos (roubo de animais).
DESTINO DOS ROUBOS
Há dois prováveis destinos das cargas ou mercadorias roubadas nas fazendas. Nas regiões produtoras próximas de fronteiras, é comum que os produtos sejam negociados em países vizinhos. Nas áreas mais centrais e distantes das fronteiras, as cargas são absorvidas pelo mercado interno, via receptação de comerciantes inescrupulosos ou produtores rurais de outros estados.
Os ladrões têm ainda preferências: nas áreas rurais, o que mais ocorre são os furtos de animais; nas estradas, roubo de cargas agrícolas (especialmente insumos) e automóveis, informa Carlos Frederico Ribeiro. A pesquisa não quantifica as perdas geradas pelos roubos ou furtos. Mas é possível ter uma ideia numa simples navegação pela internet. Em fevereiro, uma operação que envolveu policiais civis e militares do Mato Grosso e do Pará frustrou um dos maiores roubos da região. Um comboio com cerca de 200 cabeças de gado roubadas foi alcançado no limite entre os dois estados.
Cinco bandidos foram presos em flagrante, evitando a perda de mais de R$ 1 milhão. Cargas de insumos agrícolas podem somar perdas na casa de alguns milhões, assim como os maquinários agrícolas, dependendo do tamanho da frota. A CNA registra as ocorrências de forma anônima pelo site www.cnabrasil.org.br ou por WhatsApp (61) 99834-7773. A ideia é produzir um novo relatório sobre os crimes no campo ainda este ano.
Os estados com maior vocação agrícola são naturalmente alvos dos roubos e furtos. Não é por acaso que a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) criou uma cartilha para orientar produtores rurais, depois do resultado de uma pesquisa que envolveu 800 produtos de 101 municípios de São Paulo. O estudo avaliou facilitadores a ações das quadrilhas, como falhas na segurança das unidades produtoras, estradas escuras e não mapeadas, falta de cercas e porteiras, de câmeras de monitoramento e sinal de telefone. A escolha sem critério de mão de obra é outro caminho de acesso das quadrilhas, pois seus olheiros encarregam- se de levantar a rotina das fazendas, identificar pontos fracos e aumentar as chances de sucesso dos crimes.
SEGURANÇA PÚBLICA
Entre as soluções, a CNA afirma que o Congresso Nacional pode debater com o Ministério da Segurança Pública a criação de Política Nacional de Segurança Pública Rural, que tenha metas, indicadores e destine recursos para estados investirem em programas de policiamento rural. No plano estadual, os governos precisam ter indicadores criminais e fomentar o policiamento rural, inspirando-se nos bons exemplos. O programa de policiamento rural georreferenciado de Goiás está entre as experiências que podem ser replicadas.
Também as tecnologias digitais, especialmente IoT, têm muito a contribuir com a segurança pública, por meio da rastreabilidade dos bens e monitoramento constante da propriedade rural. Também são fundamentais para a melhor articulação e comunicação entre vizinhos rurais e as polícias militar e civil. O Congresso Nacional está atento a esse grave problema enfrentado pelos empresários da área rural.
O deputado Evair de Melo, vice-líder do Governo, anunciou, durante reunião deliberativa na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, da qual é integrante, que vai apresentar projeto de lei, criando dispositivos de combate à criminalidade rural em todo o País. Na mesma reunião, realizada em 16 de junho, ele ressaltou:
“São importantes as ações governamentais para garantir a segurança no campo. O crime no campo é um crime especializado, compartilhado e não é comum”, advertiu, acrescentando que todos os dias são registrados no País assassinatos, roubos de café, pimenta, gado, pescado, tratores, caminhões, caminhonetes, bombas, defensivos e até sementes. A tecnologia também é aliada importante no combate ao avanço da criminalidade no campo, ajudando o produtor a evitar roubos e furtos nas propriedades rurais.
Nesse contexto, os drones figuram entre as tecnologias mais utilizadas seja pelo produtor, seja pelas transportadoras, principalmente no monitoramento de cargas, insumos, maquinários e animais que precisam percorrer longas distâncias. Há quem recorra também aos chips de radiofrequência (RFID), também conhecido como “chip boi”, ferramenta igualmente valiosa na prevenção e no combate ao roubo de gados, auxiliando no controle e rastreamento do rebanho. Esse monitoramento também pode ser feito por fibras óticas, que identificam todo o tipo de aproximação de veículos e pessoas na propriedade rural.
ESTRATÉGIAS DE PROTEÇÃO
A violência no campo também criou um mercado promissor para as empresas de segurança patrimonial, que elaboram estratégias de acordo com as necessidades da propriedade rural. Existem ainda cartilhas que orientam os produtores, como a que foi criada no Mato Grosso, pela Polícia Civil e entidades do setor.
O documento sugere, entre outros pontos, que os produtores reservem os pastos mais vulneráveis (próximos de estradas, longes da sede) para o gado mais fraco, destinando os pastos mais seguros para os animais gordos e mansos; coloquem cadeados nas porteiras para dificultar o acesso às fazendas; marquem devidamente todos os animais; não comprem animais de procedência duvidosa, pesquisem a conduta ou busquem referências antes de contratar novos empregados e suspeitem de pessoas que estejam rondando as fazendas, sobretudo à noite, com veículos com porta-malas grandes, caminhonetes, caminhonetas ou pick-ups leves.
A cartilha recomenda ainda que os funcionários sejam orientados a não fornecer informações sobre a propriedade a pessoas estranhas; evitar manter na fazenda muito dinheiro em espécie, mobília ou equipamentos caros ou de armas cobiçadas por criminosos; carregar, sem segurança, dinheiro para o pagamento de funcionários e nunca deixar a fazenda abandonada (sem caseiro).
Essas ferramentas têm sido cada mais usadas nos estados em que cresce mais rapidamente a criminalidade na área rural, como o Paraná, onde, segundo dados da Secretaria Segurança Pública, foram registrados nos últimos três anos mais de 2,3 mil roubos a propriedades rurais e 19,2 mil furtos, o que representa uma expressiva média de 20 casos diários, ou quase uma ação violenta a cada hora.