AMB aponta precariedades na formação dos médicos no Brasil
Segundo a entidade, os profissionais buscam na residência médica os conhecimentos que deveriam ter adquirido no período de formação. Expansão dos cursos de Medicina não foi acompanhada de infraestrutura. Por: João Maurício Carneiro: Fotos: Divulgação, Banco de Imagens
A formação de médicos no Brasil é um tema central e multifacetado, com desafios que vão desde a modernização curricular e a qualidade da residência médica até a distribuição geográfica dos profissionais. O propósito é garantir que os futuros médicos estejam preparados para lidar com as complexidades do sistema de saúde atual, o avanço da tecnologia e as novas necessidades da população. Esse cenário crítico afeta também as operadoras do sistema de Saúde Suplementar, pois a oferta de redes referenciadas é influenciada pela demografia médica.
A FenaSaúde ressalta a capacidade dos médicos brasileiros, reconhecidos mundialmente e atuantes em grandes hospitais e instituições de ensino e pesquisas internacionais. Por outro lado, a entidade acredita que a expansão do número de cursos e faculdades de Medicina no Brasil não veio acompanhada da infraestrutura necessária para garantir um ensino uniforme, com foco no conhecimento teórico e na atualização da grade curricular para acompanhar a evolução do mercado.
“A formação do médico deveria prever mais conhecimentos sobre o funcionamento da Saúde Suplementar, que garante o acesso à medicina privada, ajudando a desafogar o SUS”, informa a federação.
Segundo a FenaSaúde, é cada vez mais veloz e intenso o uso de novas tecnologias nas unidades de saúde pública e privada, trazendo mais precisão diagnóstica, segurança nos procedimentos e cirurgias, ampliando as opções terapêuticas.
“Esses avanços devem ser celebrados, mas exigem um uso racional, pois quase sempre vêm acompanhados de aumento no custo dos tratamentos. Todos sabemos que os recursos financeiros para a saúde são finitos e devem ser usados de forma criteriosa”, acrescenta.
A instituição reconhece, no entanto, que o avanço tecnológico pode melhorar a qualidade do ensino, sobretudo ao facilitar o acesso e a atualização da informação dos novos profissionais para uma utilização racional e consciente desses recursos. “Com essa adequação do currículo do ensino médico, pode-se evitar impactos econômicos que desequilibrem o sistema”, orienta a FenaSaúde.
Na avaliação do superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), José Cechin, o médico precisa entender cada vez mais o papel da multidisciplinaridade e como as áreas se integram. “O médico precisa se conscientizar do seu papel na sustentabilidade econômica e financeira do sistema de saúde. E a formação atual também falha em prover noções de finanças, administração e marketing”, pontua.
Cechin defende a revisão do marco regulatório da Saúde Suplementar para que as operadoras sejam obrigadas a garantir acesso conforme a disponibilidade de recursos profissionais, equipamentos e tecnologias locais. O executivo lembra que existem inúmeros casos noticiados na imprensa sobre episódios de beneficiários que precisaram viajar de um estado a outro, às custas da operadora, para serem atendidos e ter seu tratamento mantido.
“É importante revisar o marco regulatório do setor e aplicar o uso de tecnologias remotas para os cuidados do paciente. Num plano mais amplo, será preciso cada vez mais organizar a rede de atendimento, enxergar complementaridades e formar parcerias entre prestadores, operadoras e setor público. É um processo bastante complexo”, acrescenta Cechin.
Formação precária
Na avaliação do presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes, o País está formando médicos em condições muito precárias. O dirigente explica que a formação desse profissional é de grande complexidade, pois possui uma carga teórica muito importante e de difícil assimilação.
“A carga teórica tem que ser aplicada em campos de prática. No entanto, existe uma proliferação de cursos sem a estrutura necessária, muitos estabelecidos em cidades com poucos recursos”, ressalta.
Fernandes lembra que há cerca de duas décadas o médico entrava na residência para ganhar um treinamento — na sua opinião, o melhor aparelho de formação de especialistas existente. No entanto, acrescenta ele, atualmente o médico entra na residência para melhorar algo que ele teria que ter adquirido no período de formação. Resultado: o profissional vai usar boa parte do tempo ganhando conhecimentos que ele já deveria ter adquirido.
“O Ministério da Saúde está repetindo com o Programa Mais Acesso a Especialistas (PMAE) os mesmos equívocos do Mais Médicos. A exemplo da graduação, estão criando residências sem a mínima condição de se formar especialistas”, avalia César Fernandes.
Sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do Ministério da Educação (MEC), o presidente da AMB expressa sua preocupação não com o alinhamento em si, mas com a falta de campos de prática adequados. “O alinhamento torna-se praticamente impossível diante do cenário atual. A AMB sempre defendeu a criação de uma matriz de competências bem delineadas, visando garantir que o ensino prático seja um período fundamental tanto na graduação quanto na residência médica. Somos favoráveis ao exame de proficiência nas duas etapas”, afirma.
Impacto da demografia
A FenaSaúde entende que o desequilíbrio na demografia médica impacta a oferta de mão de obra qualificada nas demais regiões, criando um desafio de oferta de rede para as operadoras de saúde. “Um passo importante para a redução dessa diferença foi dado com a adoção da telemedicina a partir da pandemia, o que tem possibilitado a conexão dos beneficiários aos mais diferentes especialistas, democratizando bastante o acesso a tratamentos de qualidade”, reconhece a FenaSaúde.
Na análise do IESS, os estudos da demografia médica divulgados periodicamente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostram a grande concentração de médicos em regiões metropolitanas e a severa escassez em municípios mais afastados, não apenas das regiões remotas, mas também em estados do Sul e Sudeste. O indicador mais importante é o número de médicos por habitante. São mais de três nos estados do Sul e Sudeste e menos de dois em estados do Norte e Nordeste.
Segundo dados do CFM de janeiro de 2024, existem no Brasil 575.930 médicos ativos, média de 2,81 por mil habitantes, uma das maiores quantidades observadas no mundo. Seguindo nesse ritmo, a projeção do Conselho é que, em 2028, essa média subirá para 36,3. Do total de médicos, 60% têm título de especialista, e 40% são generalistas.
Nos últimos anos, cresceu aceleradamente o número de novos formados, passando de menos de 12 mil por ano até 2012 para mais de 30 mil em 2022 e 2023 (gráfico). Atualmente, cerca de 35 mil estudantes concluem o Curso de Medicina e entram no mercado de trabalho a cada ano — número que pode chegar a 40 mil nos próximos anos.
Perfil dos médicos brasileiros
- Número de médicos: 930
- Generalistas: 606
- Especialistas:234
- Média de tempo de formado: 18,82
- Mulheres: 49,91%
- Homens: 50,09%
- Idade média:45 anos
Obs: são considerados especialistas os médicos com inscrição ativa que tenham buscado o Registro de Qualificação de Especialidade (RQE) no CFM.
Fonte: Demografia Médica do CFM / 2024