AUMENTO DE RECUPERAÇÕES JUDICIAIS JÁ IMPACTA MERCADO DE SEGUROS

AUMENTO DE RECUPERAÇÕES JUDICIAIS JÁ IMPACTA MERCADO DE SEGUROS

Apesar da apreensão causada pelo processo e do risco aumentado, a proteção do seguro garantia passa a ser ainda mais necessárias para minimizar prejuízos.

Por: Michel Alecrim

O ano de 2023 foi cenário de um drástico aumento no número de pedidos de recuperação judicial no Brasil na comparação com o ano anterior. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), houve 19.270 ajuizamentos de ações desse tipo nos tribunais brasileiros no período contra apenas 3.981, em 2022. Mas o principal ponto de atenção não é o número em si, tendo em vista os dados de 2021 (25.469) e 2020 (26.002). A maior preocupação é com o porte das empesas que recorreram a esse instrumento: Lojas Americanas, Light, 123milhas, Cervejaria Petrópolis e SouthRock (dona da Starbucks brasileira).

 

Esse aumento principalmente nas somas das dívidas, que passam a ser geridas no âmbito de um processo de recuperação judicial, acaba impactando diversas atividades, não só o setor bancário. As empresas de seguro também acompanham esse tipo de desenrolar e eventualmente podem acabar credoras de quem recorre ao mecanismo legal, principalmente se houver valores a receber pela cobertura de um sinistro de Seguro Garantia.

 

O produto é usado para cobrir eventuais prejuízos no descumprimento de cláusulas, principalmente devido à não entrega de produtos e serviços combinados. Mas também podem ocorrer casos de devedores que fazem uso do seguro como oferta de garantia no lugar de um bem, inclusive para dívidas tributárias.

 

NEGOCIAÇÕES

 

Segundo Roque Melo, presidente da Comissão de Riscos de Crédito e Garantia da FenSeg, o não cumprimento de uma obrigação contratual não significa que imediatamente o tomador da apólice – uma construtora, por exemplo, que precise executar uma obra em determinado período – não negocie um novo prazo.

 

Caso isso não aconteça, a seguradora, se acionada e reconhecer o sinistro, deve pagar uma indenização ou cumprir outra forma de garantia que pode ser a conclusão dos serviços. Se as dificuldades administrativas e financeiras da contratada persistirem e ela entrar com o pedido de recuperação judicial, a seguradora fica impedida de fazer cobranças e terá que aderir ao grupo de credores.

 

“Caso indenize o sinistro, e a empresa entre depois em recuperação judicial, a seguradora deverá habilitar seu crédito no processo como qualquer outro credor, salvo se contar com outra forma de contragarantia. Por outro lado, se indenizar o sinistro após o início da recuperação judicial, a seguradora poderá mover um processo de execução imediatamente, sem a necessidade de se submeter à recuperação”, explica Roque de Melo.

 

Segundo ele, o aumento do número de ações gera um ambiente de maior risco, mas esse cenário, ao contrário do que possa parecer, não torna o Seguro Garantia um instrumento a ser negligenciado. Ao contrário, ele se faz ainda mais necessário para minimizar prejuízos.

 

“Vias de regra, a garantia permanece hígida e, portanto, a seguradora continua respondendo pelas obrigações contratuais ainda que a empresa tomadora da apólice entre em processo de recuperação judicial. Essa, na verdade, é mais uma das vantagens em sempre exigir seguro para garantir a execução ou cumprimento dos contratos”, afirma Melo, acrescentando que o mercado segurador viu crescer o índice de sinistralidade envolvendo empresas em recuperação judicial, com o consequente aumento das indenizações.

 

Alexandre Pantano, gerente Jurídico em Recuperação de Crédito do Mandaliti, acredita que, devido ao grande número de inadimplências e de casos de recuperação judicial, a tendência é que as seguradoras repassem o aumento de custos para os novos contratos, o que também causa impacto nos negócios e na atividade econômica.

 

“Um efeito que poderá ocorrer é a seletividade das seguradoras em relação à oferta do produto, e nem todas as empresas conseguirão contratar o seguro. Critérios subjetivos poderão ser criados, tornando os seguros mais seletivos”, afirma Pantano.

 

PRAZOS PRORROGADOS

 

Luís Felipe Pellon, conselheiro da Associação Internacional de Direito de Seguros (Aida Brasil), afirma que é natural que o cenário cause certa apreensão e perplexidade no mercado de seguros pelo fato de que os prazos das recuperações judiciais são sistematicamente prorrogados.

 

“Mas há também um lado positivo da situação, ao estabelecer contornos operacionais e jurídicos e dar ao segurador mais tempo para analisar os riscos e definir os prêmios e indenizações adequados, minimizando perdas por meio de de uma boa gestão dos sinistros e da recuperação das indenizações eventualmente pagas”, afirma Pellon.

 

Ele se refere a alterações na legislação e na jurisprudência, que evitam a execução antecipada de dívida junto ao Fisco. São decisões que estão dando maior respaldo ao Seguro Garantia adquirido por esses devedores. Entretanto, há ainda lacunas a serem sanadas.

 

Sensível ao problema, o Congresso Nacional editou a Lei 13.043/2013, inserindo o seguro no rol de garantias que podem ser oferecidas pelo executado em execuções fiscais. Entretanto, a lei não definiu o momento em que a garantia poderia ser executada.

 

“Essa lacuna, porém, foi recentemente suprida pela Lei 14.689/2023, que, em seu artigo 5º, veda peremptoriamente a liquidação antecipada desses débitos, que somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado de uma decisão contra o contribuinte”, explica Pellon.