Brasil já acumula bilhões em perdas com eventos extremos
Perdas por chuvas severas e secas prolongadas superaram mais de R$ 455 bilhões no País desde 2013. Danos atingiram 93% das cidades brasileiras, afetando infraestrutura e moradias de milhares de pessoas. Por: Cezar Faccioli
A conta do aquecimento global e dos extremos climáticos já chegou, e é pesada. Desde 2013, os prejuízos no Brasil ultrapassam R$ 455 bilhões, principalmente pelos danos causados por secas e enchentes severas, pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Responsáveis pela assistência mais direta à população atingida, as prefeituras sofrem com a lentidão na chegada de recursos federais e estaduais. O prazo médio do aporte é de 18 meses, tempo suficiente para que nova emergência tenha que ser sanada, conforme alerta de Augusto Braun, assessor especial da Confederação Nacional dos Municípios.
Cada cidade chega a enfrentar mais de uma situação extrema por ano, e o resultado é que foram editados mais de 59 mil decretos de emergência em uma década. E o ritmo é crescente: somente no ano passado, foram cinco mil situações emergenciais.
Nada menos que 93% das cidades brasileiras já foram afetadas por extremos climáticos. As residências destruídas somam mais de 293 mil e as danificadas, 1,7 milhão. Os centros urbanos abrigam 83% dos brasileiros, sendo dois terços nas metrópoles e nos municípios do entorno. “A urgência da adaptação a um quadro desafiador de extremos mais intensos e frequentes aumenta diante da dificuldade de reduzir, a curto prazo, o aquecimento global”, alerta o físico Paulo Artaxo, da USP e da Academia Brasileira de Ciências, uma das vozes mais ativas na preparação da COP30.
O Brasil, nas áreas costeiras e na Amazônia, é particularmente vulnerável a extremos climáticos. O outro lado da moeda é o potencial em energias renováveis e reflorestamento, que demandam investimentos expressivos, coordenação governamental e cooperação ativa do setor privado. O Plano Clima chama a atenção para a necessidade de dotar as cidades brasileiras de infraestrutura resiliente, capaz de funcionar em situações adversas e minimizar impactos sobre o cotidiano.
O desafio exige uma alocação de recursos muito superior à que predominou até o momento: o Brasil investe 1,87% do PIB em infraestrutura (saneamento, transportes, moradias e logística). É menos da metade do que economias emergentes como a China e a Índia aplicam, de 5% a 8% do PIB, alerta o secretário adjunto de Infraestrutura Social e Urbana do Programa de Parcerias de Investimento (PPI), Manoel Renato Machado Filho. “O montante é insuficiente para manter o parque instalado. Entregaremos às próximas gerações menos do que recebemos. O Estado, sozinho, não dá conta de duplicar o volume de investimento”, afirma.
ÁREAS CRÍTICAS
A maior participação do capital privado em tratamento de água e esgoto, coleta e processamento de resíduos sólidos, iluminação pública e mobilidade urbana, áreas críticas para a resiliência das cidades, trará ganhos significativos. Por outro lado, exige novas modelagens de remuneração de investimento e cobertura de seguro.
Machado cita o exemplo do Aeroporto Salgado Filho, fechado por sete meses depois das enchentes no Rio Grande do Sul, para ilustrar os prejuízos potenciais da ausência de investimento expressivo e sustentável. “Cada real investido em adaptação aos extremos climáticos pode gerar outros sete reais em benefícios econômicos”, calcula a diretora-geral da consultoria Arcadis Brasil e representante da Associação Brasileira das Indústrias de Base (ABdib), Karin Formigoni.
As seguradoras podem exercer múltiplos papéis essenciais na viabilização de investimentos em infraestrutura resiliente, de acordo com o coordenador do Centro de Estudos da Infraestrutura e Soluções Ambientais (Ceisa) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Gesner Oliveira. “Em primeiro lugar, a indústria de seguros transfere e mitiga riscos. Isso acontece tanto por meio de produtos como o seguro paramétrico quanto pelo seguro garantia”, pontua, acrescentando que esse último é fundamental por oferecer segurança aos financiadores e investidores de que o projeto será concluído, atraindo mais capital para iniciativas de infraestrutura intensivas em capital e de longo prazo. Essa transferência de risco libera orçamentos municipais para investimentos preventivos.
O cálculo de risco e retorno, primordial para a sustentação a longo prazo da indústria de seguros, é um ponto essencial para a viabilidade dos projetos de resiliência, de custos de partida mais elevados que os desembolsos tradicionais em infraestrutura. “Não se pode esquecer da vasta experiência em modelagem de risco e dados que as seguradoras possuem. Essa capacidade analítica é crucial para identificar as áreas mais vulneráveis, dimensionar corretamente os investimentos e otimizar como os recursos são alocados”, diz o pesquisador, ligado à FGV desde 1990.
Diretor de Meio Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Maurício Guerra aposta no fortalecimento da infraestrutura verde urbana (parques, áreas permeáveis, corredores ecológicos) como forma privilegiada de combater ilhas de calor e reduzir enchentes. A proposta envolve a integração de variáveis climáticas à política urbana por meio de um sistema de informações territoriais, a incorporação de diretrizes de adaptação a todos os programas de infraestrutura nas cidades e uma estratégia para a securitização da infraestrutura urbana em áreas afetadas por desastres climáticos.
RESILIÊNCIA HÍDRICA
Para Gesner Oliveira, a indústria de seguros é um ator central nesse planejamento. “Com enormes reservas técnicas, o setor pode investir diretamente em projetos de infraestrutura resiliente. Isso se dá por meio da aquisição de títulos de dívida de projetos”, diz ele, referindo-se a chamados Project Bonds, instrumentos inovadores como os Cat Bonds ou as LRS (Letras de Riscos de Seguros), que permitem transferir riscos específicos para o mercado de capitais. A “securitização”, um dos pilares da indústria, é justamente sobre essa mobilização estratégica de capital.
Além das reservas técnicas e do guidance para outros investidores institucionais, do Brasil e do exterior, as seguradoras e resseguradoras podem contribuir com a expertise em novas modelagens de sustentação financeira. Gesner Oliveira destaca as experiências internacionais que servem de modelo para o avanço do financiamento de sistemas resilientes de infraestrutura urbana.
Modelos de financiamento misto (blended finance), que combinam capital público (muitas vezes de bancos de desenvolvimento multilaterais ou agências de cooperação) com capital privado, têm sido bem-sucedidos em países em desenvolvimento. Esses modelos visam tornar os projetos mais atraentes para investidores privados. A Europa, por exemplo, tem avançado no conceito de “resiliência hídrica”, integrando a circularidade da água em suas estratégias.
Outros exemplos incluem a emissão de títulos verdes (green bonds ou climate bonds), que direcionam recursos especificamente para projetos com benefícios ambientais e climáticos, atraindo um crescente número de investidores institucionais com mandatos de investimento em ESG. Modelo de sucesso não falta, o desafio é grande — reconstruir em bases ambientalmente saudáveis uma infraestrutura aquém da dinâmica exigida por uma economia como a brasileira, que figura entre as dez maiores do mundo. Por isso mesmo, é uma oportunidade e tanto de aplicação lucrativa e socialmente útil. Mãos à obra!