Brasil retarda processo de ingresso na OCDE
País oficializou candidatura em 2017, mas deixou de priorizar a adequação a instrumentos basilares exigidos pelo organismo internacional a seus membros, desacelerando o ritmo em 2023. Por: João Maurício Carneiro : Fotos: Divulgação, Banco de Imagens :
Apesar de ter formalizado sua candidatura a membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2017, o Brasil ainda não conseguiu ingressar nesse seleto grupo que conta atualmente com 38 países. O organismo internacional, com sede em Paris, na França, preza por preconizar a adoção de políticas públicas voltadas para o bem-estar de suas populações e por adotar princípios de governança, transparência e regras de mercado de Primeiro Mundo, mesmo que tenha países em desenvolvimento entre seus integrantes.
A aproximação do Brasil perante a OCDE começou na década de 1990, quando o País passou a participar das atividades de comitês da organização. Aos poucos, ingressou em diversos desses departamentos temáticos e foi adequando sua legislação e estrutura às exigências do chamado “Clube dos Ricos”. Mas os passos rumo à entrada no bloco desaceleraram a partir de 2023. Tanto no governo quanto no Congresso, o entusiasmo político com a adesão diminuiu, reduzindo-se também o interesse político por parte da organização na decisão de aceitar o País.
Segundo Carlos Milani, professor-titular de Relações Internacionais do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj, o processo de ingresso do País na OCDE vem perdendo o interesse político na medida em que falta consenso entre as elites sobre o posicionamento estratégico a ser tomado para a inserção do Brasil no mundo. A organização, que já aceitou países em desenvolvimento como México e Turquia, não é mais “um clube exclusivo de ricos”, mas a condição de membro impõe a quem ingresse uma exposição maior com relação a suas mazelas, como desigualdades sociais, corrupção e agressão ao meio ambiente, por exemplo.
Avaliação do Pisa
A não adequação aos princípios acordados pela OCDE não implica punições rígidas, mas provoca algum constrangimento aos participantes. Um exemplo é o resultado da participação do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado pela organização desde 2000. Milani comenta o desempenho de estudantes de 15 anos em Leitura, Matemática e Ciências. No último teste trienal, realizado em 2022 e divulgado em 2023, o País ficou na 65ª posição em Matemática entre 81 nações, atrás do México (57ª), do Uruguai (54ª) e do Chile (52ª). Com relação ao rigor contra crimes ambientais, pesa contra a situação brasileira o fato de ser muito baixo o índice de pagamento de multas, conforme se evidencia em diversos levantamentos.
“O ingresso na OCDE daria ao País um selo de qualidade que poderia ser um atrativo para investidores internacionais, mas vem deixando de ser uma prioridade na agenda da política externa brasileira. Não que o Brasil perca muito por estar fora, mas evita ficar mais exposto. A elite sonha com um país mais parecido com os da Europa, mas não quer adotar as políticas públicas necessárias para atingir esse propósito. Na prática, se fizesse parte da organização, o Brasil ficaria entre os mais mal colocados do grupo, ao lado de Turquia e México”, avalia Milani.
Por enquanto, além de candidato a membro, o Brasil continua atuando como key-partner da OCDE, ou seja, um parceiro-chave, e já aderiu a cerca de cem instrumentos basilares de 253 considerados fundamentais para entrar para a entidade. No entanto, o processo está em “banho-maria”.
A reforma tributária, que criou o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), aproximou um pouco mais o País do grupo, mas a resistência na aprovação de novas regras para taxação da renda e do patrimônio é um sinal da dificuldade em se adotar padrões de Primeiro Mundo em terras brasileiras.
Apesar de já contar com um escritório da organização em Brasília, o Brasil também deu um passo atrás no processo ao ficar inadimplente perante a entidade em 2023, tendo negociado o valor de 5,1 milhões de euros para quitar a dívida.
Fluxo de investimento
Os atrativos para ser membro são fortes e mantêm o Brasil na cola do grupo, mas há argumentos que também justificam a falta de prioridade para o assunto. Um deles é o fato de a própria OCDE ter reconhecido no ano passado que o País foi o segundo no mundo em maior fluxo de investimento estrangeiro direto, atrás apenas dos Estados Unidos.
Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV, ressalta que não há um consenso entre os economistas sobre os reais benefícios do ingresso na organização, tendo em vista a disparidade das condições de países em desenvolvimento encontradas no Primeiro Mundo.
Como o Brasil continua sendo atrativo para o investimento estrangeiro, ficar submetido a tantas regras e metas, algumas inatingíveis rapidamente, acaba gerando muitos questionamentos, o que explicaria o recuo dos últimos anos. Acaba ganhando voz argumentos que procuram equiparar o organismo com outros em que imperam interesses dos países ricos nem sempre favoráveis àqueles em desenvolvimento, como o FMI e o Banco Mundial, cujas políticas para o Hemisfério Sul são muito criticadas.
“O Brasil já participa de quase todos os comitês da OCDE e até demonstra mais convergência com relação ao que eles defendem do que alguns membros efetivos. Mas, se entrasse para esse Clube dos Ricos, onde o Primeiro Mundo tem um peso desproporcional, ficaria sempre atrás com relação às metas a serem cumpridas”, afirma Paz.