COP28 E O NOVO PATAMAR DO PROTAGONISMO DO MERCADO DE SEGUROS

COP28 E O NOVO PATAMAR DO PROTAGONISMO DO MERCADO DE SEGUROS

Brasil discute pela primeira vez na Conferência realizada em Dubai, nos Emirados Árabes, formas de contribuição das seguradoras para as soluções com vistas à transição climática.

Por: Carla Simões

Representadas por sua principal liderança, a CNseg, as seguradoras assumiram um novo patamar no protagonismo da sustentabilidade, ao terem sua relevância destacada e novos desafios endereçados durante a COP28, a 28ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas, da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrida de 30 de novembro a 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Esta foi a primeira vez que o Brasil, além de reunir a maior delegação estrangeira presente (1.337 inscritos, segundo a ONU), discutiu, na Conferência e com participação da CNseg, as formas como as seguradoras podem construir soluções para ampliar a resiliência do País, dada a transição climática.

 

A régua da performance do setor é cada vez mais alta, afirmou Butch Bacani, líder do Programa “Iniciativa de Princípios para Seguros Sustentáveis” (PSI) da ONU. “Eu acho que, nos próximos dois anos, o mercado segurador brasileiro agirá positivamente para transformar ambição em ação, convertendo princípios em práticas em termos de adaptação e mitigação das mudanças climáticas. De saída, porque o PSI foi criado no Brasil em 2012, na Conferência Rio+20, o que significa que esse tema vem sendo trabalhado há alguns anos. A indústria, portanto, deverá fortalecer a resiliência climática, a inclusão climática social e financeira, criando uma alavanca de transição para uma economia com emissão zero”, declarou Bacani.

 

O presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, declara-se entusiasmado pelo fato de que o mercado segurador se colocou, durante a COP28, como parte das soluções para as mudanças climáticas. “O papel das seguradoras é crucial na mudança climática. Temos oportunidades, desafios, soluções e riscos pela frente na agenda para salvar o planeta da ameaça do caos climático, quer com a criação de produtos mais inclusivos para proteger pessoas, vidas, negócios; quer com um política de investimento de nossos ativos que contemple alocação em prol da descarbonização. Não podemos perder tempo porque a crise climática já chegou”, destacou ele, que participou das conversas ao lado da diretora de Sustentabilidade e de Relações de Consumo da Confederação, Ana Paula de Almeida Santos.

 

Olhando o retrato mais recente do País — seca severa no Norte; chuvas torrenciais e frequência de ciclones e tornados no Sul —, não há dúvidas de que os extremos do clima já são uma realidade e tendem a elevar as perdas econômicas nos próximos anos. Todos correm riscos extraordinários, mas a população mais pobre nas cidades ou no campo, nações em desenvolvimento e a segurança alimentar, diante da volatilidade climática, estão mais expostas. “O impacto da transição climática é desigual entre os países e entre as classes sociais. Desafortunadamente, impacta mais os países mais pobres e as classes de menor renda. O seguro, que, em sua essência, significa compartilhamento de risco entre diferentes atores, é o instrumento mais adequado para compensar as classes menos favorecidas dos danos que elas vão sofrer com a transição climática”, destacou Dyogo Oliveira, ao participar do painel “Transição financeira justa – um caminho para bancos e seguradoras” , organizado pela UNEP FI – programa de iniciativa financeira da ONU para Meio Ambiente e Organização Internacional do Trabalho.

 

Um dos principais momentos da COP28 foi a divulgação do relatório Global Stocktake (GST), que avalia o cumprimento coletivo das metas do Acordo de Paris (2015) e destaca o que ainda precisa ser feito pelas nações para conter a elevação da temperatura da Terra em até 1,5ºC acima do nível registrado no período pré-Revolução Industrial. Tarefa cada mais complexa, já que 2023 conta os dias para ser fechado como o ano mais quente da História, ao atingir temperatura 1,4°C acima dos níveis pré-industriais.

 

 

INTERCÂMBIO GLOBAL

 

Diante desse cenário, a delegação da CNseg se reuniu com lideranças internacionais e brasileiras para discutir pontos importantes e propostas emergenciais para incluir na agenda institucional de sustentabilidade do setor. “Esse intercâmbio global enriquece e encorpa a agenda da sustentabilidade do mercado de seguros e, ao mesmo tempo, exige rapidez em sua execução, à medida que enfrentamos riscos emergentes cada vez mais complexos e desafiadores”, afirmou ele.

 

Neste sentido, a diretora Ana Paula destacou a parceria firmada entre a CNseg e o ICLEI, uma organização não governamental internacional que promove o desenvolvimento sustentável. O fruto dessa parceria será a criação de programas de seguros voltados para a infraestrutura dos municípios vulneráveis a desastres climáticos. O acordo foi formalizado durante a COP28. “O objetivo é formar um grupo de cidades para identificar os riscos e a infraestrutura e desenvolver um produto com as coberturas, as formas de contratação e as características da apólice, e, junto com isso, atrair as empresas a participarem”, contou.

 

O projeto, subsidiado inicialmente pelo Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW), será implementado inicialmente nas cidades brasileiras de Belo Horizonte (MG), Recife (PE) e Salvador (BA), municípios que já possuem experiência em parcerias com instituições internacionais.

 

Para Rodrigo de Oliveira Perpétuo, secretário-executivo do ICLEI, essa parceria fortalece a gestão pública municipal e atende à população que mais precisa do recurso e contribui para um sistema de prevenção de desastres mais eficiente do Brasil. “O que estamos desenhando são seguros de infraestrutura das cidades, com critérios de resiliência, e a lógica é desenvolver este mercado de compras de seguros por parte dos municípios e um produto aderente das seguradoras que atenda à necessidade dos municípios”, explica.

 

DESAFIOS

 

A pauta das discussões setoriais incluiu debates sobre o novo roteiro da Unep FI criado para bancos e seguradoras implementarem uma política de financiamento mais assertiva em favor da descarbonização dos negócios. Na oportunidade, foi lançado o relatório “Just Transition Finance – Pathways for Banking and Insurance Activities”, que destaca as abordagens que os bancos e as companhias de seguros devem adotar para tomar medidas concretas nessa matéria.

 

Tendo em vista os gastos para a transição da economia verde – de mais de US$ 125 trilhões pelas estimativas da UNEP FI – supõe-se que a descarbonização será um processo gradual, exigindo crescente participação do setor de seguros para o enfrentamento dos eventos extremos nos próximos anos, principalmente em favor dos grupos mais vulneráveis. No Brasil, algo entre 8 milhões e 10 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco.

 

A rigor, algumas soluções do mercado já estão embaladas e à espera de aprovação. A CNseg levou ao Governo brasileiro a proposta de implementação do seguro social contra catástrofe, que cobre danos causados por chuvas severas, inundações, alagamentos ou desmoronamentos no Brasil. A indenização emergencial para as vítimas, de até 20 mil por residência afetada, oferece ainda auxílio funeral às vítimas de calamidades públicas. O seguro terá valor médio de até R$ 3 e a ideia é embutir a cobrança na conta de luz.

 

Na linha de riscos vultosos, considerando-se os efeitos devastadores do rompimento das barragens de Mariana/MG, em 2015, e de Brumadinho/MG, em 2019 – danos ao meio ambiente, ao patrimônio das famílias da região e milhares de mortes – o mercado apoia o projeto que prevê a contratação obrigatória de seguro para danos causados por barragens.

 

Defende-se ainda a disseminação do seguro paramétrico no Brasil, mas há pelo menos dois desafios significativos: um é a carência de uma malha de estações meteorológicas no País, o que afeta a precisão na definição dos parâmetros para acionar o seguro; outro é a superação da insegurança jurídica e do risco de judicialização, o que pode desencorajar a adoção mais ampla desses produtos consagrados no mercado mundial, principalmente nas atividades agro.

 

À lista de produtos sustentáveis, Dyogo Oliveira acrescenta o seguro rural, fundamental para ampliar a resiliência do campo e mesmo a segurança alimentar. “Hoje apenas 10% da área plantada têm seguro rural, e precisamos aumentar esse percentual no agronegócio brasileiro”, assinala ele.

 

Algo fundamental, olhando a severidade dos danos no agronegócio em todo o planeta. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) informa que, entre 1991 e 2021, os efeitos de eventos climáticos extremos geraram prejuízos de US$ 3,8 trilhões para produção agrícola mundial, o que representou um dano médio anual de US$ 123 bilhões, equivalendo a 5% do PIB agrícola mundial. Também essa é uma conta cada vez mais salgada em uma área nevrálgica para a humanidade.

 

NÚMEROS CATASTRÓFICOS

 

Os dados sobre os impactos dos desastres naturais no País saltam ano a ano, confirmando que o Brasil entrou de vez no radar dos riscos climáticos. Esses eventos geraram prejuízos à iniciativa privada da ordem de R$ 320,1 bilhões entre os anos de 2013 e 2022, de acordo com o Ministério da Integração Regional. Os setores mais afetados foram a agricultura, pecuária, indústria, comércio e serviços. Desse total, a agricultura e a pecuária responderam por 90% dos prejuízos.

 

As cidades também sofrem com as mudanças climáticas. Ainda segundo o Ministério da Integração, 93% dos municípios foram atingidos por pelo menos um desastre natural que resultou na decretação de estado de emergência ou calamidade pública. Acrescente-se que, em 2.640 cidades, mais de 4,2 milhões de pessoas ficaram desabrigadas.

 

Líder nas tragédias climáticas, a região Sul tem o maior percentual de casas afetadas, ou seja, um milhão de imóveis danificados e 55 mil destruídos.

 

No mesmo período, ainda segundo dados do Governo, mais de 2,2 milhões de moradias sofreram danos, totalizando prejuízos de R$ 26 bilhões. Desse total, R$ 16 bilhões na região Nordeste.

 

Chama a atenção, reforçando os sinais de frequência e severidade dos eventos climáticos, o fato de que 70% (R$ 18,3 bilhões) dos prejuízos foram registrados de 2020 a 2022.

 

Ao mesmo tempo, os dados disponíveis confirmam a condição de lacunas de proteção, em meio a níveis crescentes de riscos, com eventos ameaçadores à riqueza, renda e propriedade. “Esse gargalo de coberturas securitárias representa um grande desafio ao bem-estar e à prosperidade econômica dos indivíduos e das sociedades”, reconhece a diretora Ana Paula Santos.

 

Como exemplo, ela lembra que, no Brasil, apenas 17% das residências possuem seguro residencial, o que representa 12,7 milhões de residências seguradas. Acrescenta que o segmento de seguros gerais é o mais exposto aos impactos climáticos, mas há reflexos no desvio da sinistralidade de outras modalidades, como vida e saúde.

 

Todo esse cenário só reforça a necessidade do setor segurador se fazer presente em todos os fóruns – nacionais e internacionais – em que questões de transição ou mudanças climáticas estiverem sendo debatidas.

 

“A presença da CNseg na COP28, apesar de inédita, é fundamental e reafirma o interesse legítimo do setor de seguros no Brasil em ser parte da solução para superar os desafios relacionados às mudanças climáticas. Somos um aliado de primeira ordem de governos e da sociedade civil para a construção de resiliência à mudança climática”, reforça Ana Paula.