COP30 E OUTROS desafios da  sustentabilidade

COP30 E OUTROS desafios da sustentabilidade

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, comentou, em entrevista à Revista de Seguros, sobre a COP30 no Brasil, a retomada das doações ao Fundo Amazônia e os avanços da bioeconomia discutidos no G20 no Rio.

Por: Tiago Pegon e Vagner Ricardo

Os preparativos para a COP30, a ser realizada no País no próximo ano, a retomada das doações ao Fundo Amazônia e os futuros passos da bioeconomia — tema este de discussão no G20, ocorrido no Rio de Janeiro, em novembro —, são alguns dos assuntos comentados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em entrevista exclusiva dada à Revista de Seguros. A COP30 servirá também para avaliar a execução das propostas aprovadas nas duas últimas COPs e, ainda, validar novas iniciativas para barrar o avanço da temperatura do planeta. O papel das seguradoras em um ambiente de caos climático, o desmatamento e seu combate no País e o Plano de Transformação Ecológica, que reunirá dezenas de iniciativas até a COP30 para discussão, são outros tópicos alinhados com o propósito de transformar o País numa potência da economia verde.

 

Como a sra. avalia a participação brasileira na COP28, realizada em Dubai no fim de 2023? Os objetivos foram atingidos?

 

Marina Silva — As convenções da ONU deliberam por consenso absoluto, isso dá força às decisões, mas, ao mesmo tempo, demanda negociações muito longas, quando envolve temas globais. No caso da Convenção do Clima, a dinâmica das negociações prevê a continuidade do debate sobre mecanismos de implementação das decisões, como, por exemplo, a doação de repassess anuais dos países ricos para que os países em desenvolvimento enfrentem os efeitos da emergência climática. É uma decisão do Acordo de 2015 que ainda não foi cumprida. Enquanto isso, a indústria petroleira, principal contribuinte das emissões de GEE, mobiliza investimentos anuais entre US$ 4 a US$ 6 trilhões. Porém, a COP28 de Dubai foi marcante por alguns motivos: foi aprovada a candidatura do Brasil para sediar a COP30; pela primeira vez, os combustíveis fósseis foram tratados no âmbito da Convenção do Clima e, entre os objetivos globais, há o compromisso dos países em eliminar os combustíveis fósseis e alcançar a neutralidade climática até 2050; por fim, houve a aprovação do Relatório de Balanço do Acordo de Paris, que demonstrou a gravidade da crise climática e a necessidade de os países cumprirem seus compromissos climáticos em dois trilhos: cortes de emissões e ajuda às nações em desenvolvimento, o que originou o documento “Missão 1,5°C”.

 

Olhando para a COP 29, que foi realizada em novembro no Azerbaijão, o que o Ministério levou de projetos e discussões? O evento foi uma espécie de preparatória para a edição de 2025, em Belém?

Em fevereiro deste ano, tivemos uma reunião com os Emirados Árabes e o Azerbaijão, da qual resultou a decisão de implementar o acordo da COP28 por meio da “Missão 1,5ºC”, garantindo continuidade entre as edições 28, 29 e 30 da COP. O esforço é fazer a conexão entre meios de implementação e modelos de desenvolvimento cada vez mais resilientes e de baixo carbono.

 

Como está o planejamento e a estruturação da COP30 e quais serão as linhas de discussão do evento? Com a Região Norte sediando o encontro, haverá mais doações ao Fundo Amazônia nos próximos anos?

A preparação da COP30 desdobra-se na questão logística da cidade de Belém para recepcionar os países-membros da Convenção do Clima e suas delegações, que são da alçada do país anfitrião. Temos trabalhado em sintonia com o Governo do Pará e criamos um Grupo de Trabalho, coordenado pela Casa Civil com participação do MMA, que se dedicará a esses preparativos desde o primeiro semestre de 2025. As linhas de discussão se darão em torno de mitigação, adaptação à emergência climática e transformações necessárias para cumprir a meta do Acordo de Paris, além de desenhar o mapa do caminho para a neutralidade climática até 2050. A escolha de uma capital amazônica para receber as 198 nações da Convenção do Clima é importante para que os líderes mundiais tenham contato e experiências com a floresta, os rios, os povos e a Amazônia urbana, representada por Belém. O presidente Lula também tem se manifestado sobre recepcionar os líderes dos países na região e oferecer a eles a oportunidade não apenas de ouvir, mas também de ver e sentir a Amazônia.

 

O MMA está na linha de frente da Iniciativa Global de Bioeconomia do G20. Por que a bioeconomia é vista como estratégica?

A bioeconomia é estratégica porque, diferentemente da economia tradicional, é um sistema econômico que utiliza recursos biológicos renováveis para produzir bens, serviços e energia de forma sustentável e eficiente. Em um planeta que está vivendo seus limites, é estratégico buscar ciclos econômicos que contribuam para manter a geração de riquezas vigorosa e com uma distribuição mais justa. O Brasil investiu fortemente na discussão da bioeconomia no G20, que resultou na definição de princípios de alto nível sobre o tema. Mas, além dessa ação no nível conceitual, trabalhamos no apoio e no financiamento de cadeias produtivas que usam sustentavelmente a biodiversidade brasileira, com suporte de pesquisa e inovação, ordenamento jurídico e valorização do conhecimento das populações tradicionais sobre os princípios ativos manejados ancestralmente por essas populações.

 

O Brasil vai ser a sede da COP30 no ano seguinte ao G20 no País. De que forma esses encontros podem materializar ações em prol da mitigação das mudanças climáticas?

São eventos naturalmente complementares, que se retroalimentam. Os acordos do G20 exigem tomadas de decisão mais dinâmicas, por ser um grupo menor — porém, os temas convergem e os desafios e as soluções estratégicas também. Por exemplo, as soluções para o uso sustentável da biodiversidade, a proteção das florestas e a inclusão dos povos e comunidades tradicionais, guardiães históricos da biodiversidade ao longo do planeta, são soluções transversais às discussões de ambos os eventos, e essa agenda tem impacto estruturante na mitigação das mudanças climáticas.

 

Considerado a maior iniciativa de redução de emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal (REDD+) do mundo, o Fundo Amazônia atingiu R$ 1,3 bilhão para projetos e chamadas públicas em 2023, um recorde de recursos depois de quatro anos sem aprovação de novas ações. Ao que se deve essa retomada e quais os projetos mais relevantes no uso desses recursos?

A imprensa noticiou largamente, ao final de 2022, que os doadores tradicionais do Fundo Amazônia consideravam haver a retomada na credibilidade do País para o uso correto das doações, bem como a adesão de novos doadores. O Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), que eu presido como ministra do MMA, aprovou, em julho de 2023, as diretrizes para financiamento de projetos. Foram considerados os diagnósticos sobre o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia — (PPDAm) e no Cerrado — PPCerrado; os investimentos estratégicos para chegar ao desmatamento zero até 2030 e as prioridades para a atuação do Fundo até julho de 2025. As diretrizes de financiamento contemplam sete itens: promover a conservação e o uso sustentável da Amazônia Legal por meio de investimento em infraestrutura social e produtiva; avançar na destinação para conservação, recuperação e uso sustentável das florestas públicas; resgatar e fortalecer o Cadastro Ambiental Rural; firmar parcerias com estados e municípios na governança ambiental; promover a regularização fundiária e ambiental; apoiar atividades produtivas sustentáveis por meio da promoção de oportunidades e instrumentos econômicos para reduzir o desmatamento ilegal; e manter os esforços concentrados necessários à realização da COP30, em 2025.

 

Como está a estruturação do fundo e o que o MMA espera que contribua nesse processo de transição climática?

O Mecanismo Floresta Tropicais para Sempre (TFFF) é um fundo de investimento que visa mobilizar recursos de fontes públicas e privadas em grande escala para remunerar os países tropicais pela manutenção e expansão da cobertura florestal nativa, com pagamentos fixos e previsíveis. É um mecanismo de investimento que pagaria as nações tropicais por desempenho — medido por meio de sistemas de monitoramento de alta confiabilidade. No Brasil, o TFFF é um processo que vem sendo conduzido em conjunto com dois grupos de países: os florestais, potencialmente elegíveis para acesso ao recurso, como é o caso de Colômbia, Ghana, Indonésia, Malásia e Congo e alguns países investidores, como Alemanha, França, Noruega, Reino Unido, Emirados Árabes e Estados Unidos.

 

O Plano de Transformação Ecológica planeja reunir dezenas de iniciativas até a COP30. O País pode se tornar o centro da economia verde, com desenvolvimento sustentável e combate à desigualdade? O setor de seguros pode ser um agente de apoio a estas ações?

O Plano é uma medida frente ao modelo econômico que se caracteriza pelo uso intensivo de recursos naturais, expressiva emissão de gases de efeito estufa e degradação do meio ambiente com a concentração de resultados financeiros em benefício de uns poucos e uma larga distribuição dos prejuízos ambientais, impacto na saúde e o peso da emergência climática. É um contexto que exige comprometimento com a democracia, a ética e a justiça social. As linhas de atuação do Plano significam aproveitar de forma sustentável e inclusiva as vantagens comparativas do País, valendo-se de inovação tecnológica, infraestrutura adequada à conservação dos ativos naturais e aproveitamento das fontes de energias renováveis e da riqueza de sua biodiversidade, como top no ranking mundial.

 

O setor de seguros está dentro das possibilidades de atuação da sociedade nesse esforço, pois as soluções governamentais são orientadas para recepcionar a parceria com setores da sociedade e se submeter também e com transparência nossas ações ao controle social. Ademais, em virtude dos crescentes episódios causados pelos extremos climáticos, as seguradoras têm papel relevante na transição para uma nova economia e na adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, protegendo e reduzindo danos materiais resultantes deste processo.

 

Sobre o mercado regulado de carbono e a criação de uma taxonomia sustentável, quais iniciativas poderão se materializar?

O Comitê Interinstitucional da Taxonomia Sustentável Brasileira — (CITSB) tem um Comitê Consultivo com representantes da academia, setores de produção econômica e do sistema financeiro, organização sindical, movimento social e terceiro setor, para que as categorias e as normas da taxonomia reflitam a dinâmica viva das atividades da sociedade no campo econômico e os interesses e perspectivas de seus atores sociais. É dessa interação entre os Comitês que surgirão as propostas a serem recepcionadas nas instâncias decisórias e no corpo jurídico da Taxonomia. Neste momento, a expectativa é que tão logo os dois instrumentos estejam vigentes, tenhamos um ambiente de segurança jurídica para construir um ambiente de negócios com instrumentos institucionais e confiáveis para que o setor privado possa participar dos esforços de enfrentamento da emergência climática.

 

Como o MMA vem enfrentando o controle do desmatamento e a reestruturação de instituições ambientais?

Às condições naturais desta estação do ano somam-se as condições alteradas pela emergência climática, como seca, ventos, biomassa disponível e alteração nos índices de umidade das florestas, o que faz surgir um tipo de desmatamento criminoso, que são os incêndios intencionais que causam prejuízo para a cobertura vegetal natural, os plantios, a fauna, a saúde das pessoas e a economia em geral. O MMA, outros ministérios, os governos federal, estaduais e municipais têm enfrentado o fogo com brigadistas, aviões e maquinário terrestre, além de investigações da Polícia Federal. Temos trabalhado nos planos de prevenção e controle do desmatamento nos biomas: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa. O arranjo institucional desses planos envolve até 19 pastas ministeriais sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República. Além dos projetos especiais, há a fiscalização do Ibama e do ICMBio nas Unidades de Conservação e Reservas Extrativistas.

 

No que diz respeito à reestruturação institucional, foi publicada a nova estrutura do Ibama e, em breve, do ICMBio e do próprio MMA. Fizemos contratações do cadastro de reserva para o MMA, ICMBio e Ibama, no primeiro semestre, e foram aprovados novos concursos para o Ibama, o ICMBio e o Jardim Botânico, tanto em 2024 quanto em 2025. A reestruturação das instituições da área ambiental e a ampliação da capacidade de trabalho delas são formas de agilizar o cumprimento das missões institucionais respectivas e, portanto, de enfrentar o desmatamento com maior efetividade.