Copom prevê prolongamento do ciclo de aperto monetário
Com juros em alta para esfriar a demanda aquecida pelo recorde de pessoas ocupadas, a economia brasileira deve ter inflação acima da meta em 2025. Por: Adriana Chiarini
O mercado de trabalho chegou ao recorde de 103 milhões de pessoas ocupadas no terceiro trimestre deste ano, e a demanda forte apoia o crescimento econômico. Por outro lado, influi na alta dos preços dos serviços, enquanto outros setores são afetados pelo câmbio e problemas climáticos. As expectativas de mercado apontam inflação acima dos 4,5% previstos como teto da meta em 2024, e o Banco Central (BC) já iniciou um ciclo de alta de juros que vai adentrar 2025.
O Governo procura cortar gastos. A agência Moody’s deixou o Brasil a um passo de ser classificado no “grau de investimento”, o mais seguro. A partir desses dados, as previsões e interpretações sobre o futuro variam, principalmente, entre dois perfis de economistas.
Um coloca em primeiro lugar o controle do ritmo dos preços, como é o caso do Banco Central (BC), principal guardião da moeda. Este grupo tem motivos para estar pessimista, já que o próprio BC prevê que a inflação terminará 2024 acima do teto da meta e que, no ano que vem, ficará acima do centro da meta.
Os economistas deste perfil dão mais peso à análise para o ciclo de alta da taxa Selic, que em novembro passou de 10,75% para 11,25%, e para a possiblidade de a redução dos juros nos Estados Unidos terminar mais cedo, devido à mudança de política econômica nesse novo mandato presidencial de Donald Trump, que pode ser mais inflacionário.
Outro grupo vê o cenário com otimismo e também tem argumentos para isso, ao olhar primeiro para indicadores como o do mercado de trabalho, que chegou ao terceiro trimestre com dinamismo e com a menor taxa de desemprego desde 2013, de 6,4%. Entre esses perfis, há outros.
O sistema de expectativas do mercado do BC usa uma metodologia para coletar as projeções diversas — e até díspares — e permitir uma visualização conjunta ao divulgar o ponto médio, ou mediana, entre o maior e o menor número em cada indicador. Atualmente, mais de 170 instituições financeiras e não financeiras participam desse sistema de expectativas, que semanalmente divulga um resumo no Relatório Focus.
PROJEÇÕES
Na edição de 11 de novembro, o Relatório Focus mostrou para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o usado para a meta de inflação, 4,62%, em 2024, e em 4,1%, em 2025. Como a taxa de juros Selic é o principal instrumento para controlar a inflação, naturalmente suas projeções são de alta. As expectativas são de que a Selic termine dezembro em 11,75% e suba ainda mais, chegando a 12,25% em janeiro.
Por aquela edição do relatório, a Selic começaria a baixar ainda em 2025, terminando o ano em 11,5%. No dia seguinte, foi divulgada a Ata do Comitê de Política Monetária (Copom) afirmando que “uma deterioração adicional das expectativas pode levar a um prolongamento do ciclo de aperto de política monetária.”
Na parte fiscal, as projeções no Focus indicam a dívida pública subindo de 63,5% do PIB neste ano para 66,54% no ano que vem. As expectativas são de que, mesmo sem contar os juros, o setor público vá gastar mais do que arrecada o correspondente a 0,6% do PIB neste ano e 0,7% em 2025.
Já para o crescimento econômico no Brasil, as expectativas do Focus são de Produto Interno Bruto (PIB) crescendo 3,1% neste ano e 1,94% em 2025. “O crescimento tem superado as expectativas ao longo de 2024 pelo terceiro ano consecutivo”, observa o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Armando Castelar Pinheiro.
“Para o ano que vem, o Focus está prevendo crescimento um pouco abaixo de 2%, provavelmente porque se espera uma redução de gastos do Governo em 2025. A Selic já subiu e pode alcançar 13% no primeiro trimestre. Isso deve ter impacto na demanda interna, que tem sido o grande motor da economia”, comenta Castelar, para quem 2025 será desafiador. Por outro lado, observa, há expectativa também de expansão de crédito.
CENÁRIO POSITIVO
A expansão do crédito também é citada pelo presidente da CNseg, Dyogo Oliveira. “Continuamos otimistas a respeito do desempenho da economia brasileira para 2025”, continuidade do crescimento, retomada dos investimentos, principalmente na infraestrutura, e manutenção no nível de emprego e renda”, afirmou Oliveira, que é economista e já presidiu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Sua análise se sustenta em três pontos. O primeiro é efeito do exterior, em que bancos centrais de importantes economias, como a dos Estados Unidos e a da Zona do Euro, iniciaram um ciclo de redução de juros neste ano.
“Apesar do déficit fiscal e das discussões sobre o assunto neste momento, a economia brasileira continua se beneficiando de um ambiente externo favorável”, analisa Oliveira, que também já foi ministro do Planejamento, prevê: “Os principais países da economia global devem ter um ano tranquilo em 2025, com afrouxamento da política monetária e expansão da política econômica e fiscal”.
O presidente da CNseg não vê grandes alterações neste cenário em médio e longo prazos com a eleição de Trump para um novo mandato. “O que se espera da política econômica do Trump é uma expansão fiscal, ou seja, mais dinheiro circulando na economia daquele país, o que só reforça o cenário já traçado”.
O segundo ponto é manutenção da força do agronegócio brasileiro, que, segundo ele, deve manter os preços das commodities estabilizados. “Isso deve manter renda dos exportadores e dos produtores rurais e contribui muito para dinamizar a economia”, afirmou.
O terceiro é o ciclo de crescimento do emprego, com aumento da massa salarial e redução do endividamento das famílias, que abre espaço no orçamento familiar para a expansão do crédito, mesmo com a alta dos juros.
GRAU DE INVESTIMENTO
O nível de emprego também é destacado pelo presidente do BNDES, Aloízio Mercadante, como condição favorável à economia. Para ele, o Brasil está no rumo de conseguir a classificação de sua dívida como “grau de investimento”. Isso significa que o risco de a dívida não ser paga é baixo, o que contribui para atrair investidores e reduzir as taxas pagas pelo Governo.
Em 1º de outubro, a agência internacional de classificação de risco Moody´s elevou a nota de crédito do Brasil de “Ba2” para “Ba1”, ficando a um degrau do desejado grau de investimento.
“Temos todas as condições de atingir o grau de investimento, e o Governo tem que cortar gastos com seletividade e critério e reverter a expectativa”, disse Mercadante em 28 de outubro no 7º Fórum Brasil de Investimentos, promovido pela ApexBrasil, em São Paulo.
A Ata do Copom sobre a alta da taxa básica de juros (Selic), de 10,75% para 11,25%, na reunião de 6 de novembro, traz alertas sobre a questão fiscal como um fator que está afetando preços. Na Ata, o Copom destaca que mudanças estruturais de redução do aumento de gastos podem ser benéficas também para o crescimento econômico no médio prazo.
Do ponto de vista de quem tem que controlar a inflação, os dados do mercado de trabalho são vistos como um desafio. “O Comitê avalia que o dinamismo observado no mercado de trabalho é compatível com a inflação de serviços, que se mantém acima do nível requerido para o cumprimento da meta de inflação”, informa a Ata do Copom.
A alta do dólar é outro fator para a inflação. Pelo Focus de 11/11, as medianas indicavam R$ 5,55 para 2024 e R$ 5,48 para 2025. “O câmbio deve continuar pressionando a inflação, com a política de Trump de colocar tarifas mais altas à importação e reduzir impostos nos Estados Unidos. As bolsas lá subiram com o resultado eleitoral. O dinheiro vai para lá”, diz Castelar.
ENERGIA E CLIMA
Dois dos grandes fatores para a alta da inflação acumulada em 2024 foram afetados pelo clima. O preço dos alimentos teve a oferta reduzida neste ano por eventos climáticos, tanto pela seca prolongada em diversos estados quanto pelas enchentes no Rio Grande do Sul.
Outro foi a crise de energia elétrica no Brasil, principalmente a hídrica, e a longa estiagem em grande parte do país ao longo deste ano, o que elevou as tarifas para a bandeira vermelha, depois reduzidas para amarela.
“A matriz energética brasileira está muito refém do clima e abandonou a segurança dada pelas térmicas. O profissional mais importante do setor hoje é o meteorologista”, afirma Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Ele explica que o pico de consumo de energia ocorre por volta das 20h e que, nesse horário, as residências e as empresas com energia solar precisam estar ligadas à rede elétrica. Por isso, há risco até de apagões em algumas regiões.
Sobre o petróleo, Pires observa que a oferta mundial está maior que a demanda atualmente. Assim, prevê preços relativamente baixos, em torno de US$ 70 o barril, podendo subir ou descer dependendo de questões geopolíticas, como o acirramento ou fim das guerras, principalmente no Oriente Médio.
No ano que vem, será realizada a 30ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP30, no Brasil, em Belém do Pará, na Amazônia. É uma agenda de grande importância, tal o peso que as mudanças climáticas vêm tendo em todo o mundo, não só nos índices de inflação, mas principalmente em vidas e necessidades de assistência médica, perdas patrimoniais, paralisações temporárias e atrasos de atividade econômica.
Vale notar ainda que, em seu primeiro mandato presidencial, Trump tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, que procura deter o aumento da temperatura pela limitação das emissões de gases de efeito estufa. Os Estados Unidos são o maior emissor desses gases de efeito estufa por habitante e o segundo país em emissões globais, atrás apenas da China.
Projeções* para 2024 e 2025
(Relatório Focus 11/11/2024)