CRISE CLIMÁTICA TEM AUMENTADO INCIDÊNCIA DE RAIOS NO PAÍS

CRISE CLIMÁTICA TEM AUMENTADO INCIDÊNCIA DE RAIOS NO PAÍS

Número de descargas elétricas cresce, em virtude dos fenômenos naturais e do aquecimento global, e gera impactos nas indenizações dos seguros patrimoniais.

Por: Bianca Rocha

Diz o ditado que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Mas, no Brasil, isso é questionável. O País é campeão mundial na incidência desse tipo de descarga elétrica: foram 70 milhões de raios por ano, em média, na última década, segundo um levantamento feito pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). E esse número vem aumentando em razão não só de fenômenos naturais, mas também do aquecimento global.

 

A estimativa do Instituto é que a quantidade de raios no Brasil cresça de 3% a 5% por década até o final deste século. Isso significa que, em 2100, a previsão é que haja aumento de 20% a 40% na incidência de descargas elétricas, podendo chegar a 50% em algumas regiões do País. Os dados são hipóteses baseadas em modelos de cálculos, porque, no meio do caminho, pode haver variações bruscas por influência de fenômenos que causem alterações no clima.

 

Nos últimos três anos, por exemplo, o Brasil esteve sob os efeitos da La Niña, que são condições atmosféricas caracterizadas pelo resfriamento da temperatura das águas do Oceano Pacífico, gerando consequências climáticas.

 

Na Região Norte, houve aumento na formação de tempestades e raios no período, enquanto no Sul, houve diminuição da quantidade de chuvas torrenciais. Como a Região Norte é a mais extensa, cresceu também o número de descargas elétricas no País  — só em 2020, o Brasil teve cem milhões de ocorrências de raios, de acordo com o Inpe.

 

Em 2023, haverá uma inversão, segundo Osmar Pinto Júnior, pesquisador e coordenador do Elat, do Inpe, porque o País estará sob o fenômeno El Niño, quando as águas do Pacífico ficam mais quentes que a média. Com isso, devemos ter mais raios na Região Sul e menos na Norte.

 

“Como o Sul tem uma extensão menor que o Norte, provavelmente haverá uma redução nas ocorrências de raios no Brasil. Independentemente disso, tudo indica que a crise climática tem resultado na formação de mais descargas elétricas, mas essa variação é lenta de um ano para outro e fica mais sensível se observada por décadas”, completa.

 

CONSEQUÊNCIAS

Um dos maiores especialistas no tema no Brasil, Pinto Júnior aponta as consequências desse recorde: a morte de pessoas atingidas por raios (que está em queda em razão da internet, que ajuda na conscientização dos riscos) e a migração crescente da população do campo para os grandes centros urbanos, que são mais seguros nesse quesito.

 

No início dos anos 2000, havia 130 mortes anuais por raios, em média, hoje são cerca de 80 mortes/ano. Com relação aos animais, a quantidade é maior. Estima-se que aproximadamente 300 cabeças de gado morram por ano devido a descargas elétricas vindas do céu.

 

O número impressiona quando se fala em prejuízos financeiros provocados pela queda de raios: US$ 1 bilhão por ano no Brasil pelos cálculos do Inpe. Os setores mais atingidos são o elétrico, o de telecomunicações e a indústria em geral, diz Pinto Júnior. Intensas descargas elétricas podem provocar a queima de redes de transmissão e distribuição de energia, além de equipamentos e maquinários e, em último caso, incêndios causados por curtos-circuitos.

 

Esses impactos têm se refletido no setor de seguros. Segundo o presidente da Comissão de Riscos Patrimoniais Massificados da FenSeg, Jarbas Medeiros, aumentou o acionamento de sinistros causados por danos elétricos nos últimos anos. A cobertura está dentro dos chamados seguros patrimoniais, que englobam, por exemplo, residências, empresas e condomínios – este último, obrigatório.

 

“A garantia de danos elétricos é a mais acionada nos seguros patrimoniais e chega a 35% do total das indenizações. Entre o primeiro trimestre de 2020 e o de 2023, os sinistros cresceram 63%, segundo dados de mercado consolidados pela FenSeg”, informa.

 

Medeiros afirma que não só a quantidade de sinistro aumentou, mas também os valores indenizatórios. Um dos motivos é que os equipamentos eletroeletrônicos, geralmente importados, estão mais caros e sofisticados, além de mais sensíveis a variações de tensão na corrente elétrica.

 

As seguradoras podem cobrir a compra de novos equipamentos, em caso de perda total, e dar assistência elétrica, se houver possibilidade de conserto. Há também a possibilidade de as seguradoras serem ressarcidas pelas concessionárias de energia, quando elas tiverem responsabilidade pelo dano.

 

INDENIZAÇÕES

As Regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste (principalmente o interior de São Paulo e de Minas Gerais) são as que mais demandam sinistros por danos elétricos, diz Medeiros. Embora historicamente a Região Norte registre o maior número de ocorrências de raios por ano, por outro lado é a que menos demanda indenizações.

 

“A maior incidência de raios ocorre na Floresta Amazônica, onde quase não há residências. Além disso, o Norte tem o menor índice de contratação de seguro residencial. Há uma questão cultural que precisa ser superada”, avalia Medeiros.

 

Os seguros residencial e empresarial ainda têm baixa penetração no País: apenas 17% das empresas e residências contam com esse tipo de proteção. “A maior parte está desprotegida. Com o volume de raios que cai no País todos os anos, os prejuízos devem ser imensos para grande parcela da população e dos negócios”, conclui.