DESMATAMENTO ILEGAL É O PRINCIPAL DESAFIO ASSUMIDO NA COP-26
Diante das pressões globais em defesa da floresta, o Governo enfatiza na Conferência que o País está alinhado a compromissos como o Acordo de Paris. Por: Francisco Luiz Noel
Aescalada do desmatamento ilegal na Amazônia expôs o Brasil a cobranças na 26ª Conferência Climática da ONU (COP-26), em Glasgow, na Escócia. Por conta do interesse global pela região amazônica, o passivo ambiental foi item obrigatório na agenda do mais importante evento mundial sobre mudanças climáticas. Para o Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, o Brasil se empenhará para engajar o mundo na direção de uma economia muito mais sustentável.
“A Cúpula do Clima trouxe ao mundo a responsabilidade de todos, inclusive a do Brasil, que vai fazer sua parte. Vamos ajudar a incentivar projetos verdes e caminhar para uma nova economia verde, mas com responsabilidade”, afirma ele, em entrevista disponível no portal do Ministério do Meio Ambiente. Outro integrante da delegação brasileira na COP-26, o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, acrescenta que o Brasil trabalhou para manter a posição de destaque nas negociações de clima.
“O Brasil sempre foi um país ativo e relevante nesse processo todo e queremos continuar a ocupar esse espaço de protagonismo. Segundo Paulino Franco de Carvalho, isso significa que, em vez de apenas indicativos do que todos querem em relação ao clima, a ideia é materializar as ações para alcançar os objetivos do Acordo de Paris, assinado em dezembro de 2015. “Fazendo uma analogia, o Acordo de Paris é a lei, e o chamado ‘Livro de Regras’ é o decreto que regulamenta a lei e define o caminho para alcançar as metas”, explica o embaixador.
O Brasil promoveu diversos encontros bilaterais antes da COP-26 para acerta posicionamentos comuns na questão do clima e, adicionalmente, cobrar metas mais ousadas de seus interlocutores na redução das emissões, por entender que essa é uma tarefa global. Ou seja, não cabe só a alguns países cortar emissões, ao passo que outros permanecem na zona de conforto. O Brasil reconhece que conter o desmatamento é seu principal desafio. A devastação histórica do bioma da Amazônia totalizava 730 mil quilômetros quadrados até 2020 (17% da área original), de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Do total, 300 mil quilômetros quadrados foram destruídos nos últimos 20 anos, segundo o Instituto, que gera os dados oficiais do desmatamento anual com base no Sistema de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes). Em toda a Amazônia Legal (Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), o desflorestamento chega a 813 mil quilômetros. “Os desafios brasileiros estão mais ligados ao desmatamento do que às atividades econômicas”, reconhece Joaquim Leite, explicando que, por trás do corte de árvores, também se escondem crimes graves como tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, que se beneficiam do tamanho territorial da Amazônia e, em consequência, das maiores dificuldades de combatê-los.
O ministro e o embaixador asseguram que o Brasil começa a dar passos consistentes para cumprir as metas acertadas pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, na reunião da cúpula da ONU, realizada em abril. Na ocasião, Bolsonaro prometeu acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e atingir a neutralidade de carbono até 2050, 10 anos antes da meta anterior.
“O combate ao desmatamento já apresenta resultados concretos e cumpre à risca o discurso do Presidente feito durante a Cúpula Mundial de Líderes pelo Clima, em abril. Muito provavelmente vamos antecipar as metas ou talvez ultrapassá-las”, afirma o chefe de gabinete do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Achilles Zaluar, assinalando que a meta brasileira de redução da emissão de gases é a terceira mais ambiciosa entre os países do G-20. Para Zaluar, o desmatamento é, sim, muito importante, mas a questão do clima não se esgota nesse tema.
“Talvez, ainda mais importante, seja a matriz energética, e o Brasil tem uma das mais limpas do mundo, dada a combinação de hidro, eólico, solar e um pouco de nuclear, todas energias que não geram emissão de gases poluentes”, afirmou.
FLORESTA NO CHÃO
O desmatamento na Amazônia Legal, atestado por números do Inpe, registra aumento nos últimos nove anos. Depois de ter caído do patamar de 30 mil quilômetros quadrados para o de cinco mil, de 2004 a 2012, a taxa anual de desflorestamento subiu a 10 mil quilômetros, em 2019, e chegou a 11 mil, no ano passado. De 2016 a 2020, a média anual de abate da floresta alcançou 8,7 mil quilômetros quadrados – 64% a mais do que a média no período 2011-2015, de 5,6 mil quilômetros. Ano a ano, cerca de metade dessa destruição vem ocorrendo em terras públicas federais e estaduais e o restante, em áreas privadas.
No ano passado, o Governo Federal deflagrou a operação “Verde Brasil”, engajando as Forças Armadas em ações de combate à destruição da mata. A mobilização dos militares perdurou até abril deste ano, quando o Governo lançou o “Plano Amazônia 2021/2022”, que fixa metas e diretrizes de ação. Além de mirar Estados onde o desflorestamento é mais crítico (Pará, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso), o Plano ressalta a importância da fiscalização para conter a derrubada ilegal e postula a busca de alternativas de geração de empregos e renda com base no uso da biodiversidade e da bioeconomia.
O “Plano Amazônia” foi lançado uma semana antes da Cúpula de Líderes sobre o Clima, evento virtual com chefes de Estado e de Governo, coordenado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. De acordo com a meta governamental, oficializada pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal, o desmatamento anual até 2022 deve ficar em 8,7 mil quilômetros quadrados.
DESMATE E OCUPAÇÃO
O grande foco do desmatamento ilegal na Amazônia são as florestas públicas não destinadas, à espera de que a União ou os estados deem a elas finalidade sustentável, como unidades de conservação ou reservas indígenas. Essas matas somam 510 mil quilômetros quadrados – quase o dobro da área do Rio Grande do Sul –, dos quais mais de 140 mil quilômetros (29%) estão inscritos como imóveis agropecuários no Cadastro Ambiental Rural (CAR), segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Autodeclaratório, o CAR é usado por grileiros para registrar terras supostamente ocupadas, a fim de reivindicar a propriedade no futuro.
De agosto de 2019 a julho de 2020, a derrubada ilegal de florestas não destinadas chegou a 2,3 mil quilômetros quadrados – 20% de todo o desmatamento na Amazônia nos 12 meses, segundo o Ipam. No acumulado, 6% de todas as matas não destinadas haviam sido destruídas até o ano passado, totalizando 28 mil quilômetros e, de acordo com o Ipam, gerando a emissão de 1,5 bilhão de toneladas de dióxido de carbono (CO2). À derrubada de árvores, negociadas com madeireiras, seguem-se as queimadas para agropecuária ou venda do domínio fundiário: de janeiro a novembro de 2020, o Inpe detectou 14 mil focos de calor nessas áreas.
“O avanço do desmatamento é preocupante. Além de não trazer benefício para a reputação do Brasil, contribui para piorar a qualidade do ar na Amazônia e aumentar o problema do efeito estufa”, afirma a pesquisadora e diretora de Ciência do Ipam, Ane Alencar. Especializada no estudo das queimadas, ela assinala que, com base em números do Inpe, “50% dos focos de calor e 54% dos alertas de desmatamento no ano passado ocorreram em terras públicas”, incluídas não somente as não destinadas, mas também reservas indígenas e unidades de conservação. Nas matas não destinadas, foram 18.595 focos de calor detectados em 2020.
O emprego de forças militares não produziu resultados positivos nos dados do desflorestamento da Amazônia porque, avalia Ane Alencar, faltam informações investigativas e perspectiva de longo prazo a essas ações armadas. “As pessoas sabem que os militares não vão ficar por muito tempo na floresta. Na semana em que o Exército está presente, os desmatadores não fazem nada; depois voltam a fazer tudo de novo”, diz a diretora do Ipam.
“O que precisamos é fortalecer a inteligência das operações para pegar os peixes grandes, mas as pessoas têm, hoje, a percepção de que nada vai ser feito, como o embargo de áreas desmatadas ilegalmente.” Na raiz do desmatamento nos últimos dois anos, Ane Alencar “vê o enfraquecimento das políticas de combate ao crime ambiental e das agências da área”, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ( Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). À carência de recursos, soma-se o desprestígio do meio ambiente na pauta federal e a fraca articulação institucional com estados e organizações sociais em defesa da floresta.
“Tudo isso reverbera como desgovernança. Pessoas acham que podem ocupar terras públicas, desmatar sem ser punidas e depois ficar com essas áreas”, lamenta a diretora do Ipam. O Governo diz que os números de julho a setembro já demonstram uma queda no ritmo de desmatamento comparado ao mesmo período do ano passado, e prevê resultados ainda melhores com os ajustes recentemente feitos, que incluíram elevar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente para as ações de controle dos desmatamentos, uso ostensivo de 700 membros da Força Nacional em mais de 20 municípios, além do reequipamento das equipes do Ibama e do ICMBio.
MERCADO FUNDIÁRIO
Diante da pressão predatória sobre terras públicas não destinadas, os ambientalistas estão apreensivos com o projeto de lei para regularização de ocupações em áreas da União aprovado na Câmara dos Deputados, em agosto. O PL 2633 aumenta de quatro para seis módulos fiscais o tamanho das ocupações passíveis de regularização sem vistoria prévia, mediante declaração do ocupante de que cumpre a lei ambiental. Aplicável a todo o País, a medida abrange ocupações desde 2008 e beneficia posseiros multados por infração ambiental. Se virar lei, vai regularizar posses de 300 a 600 hectares, já que o módulo fiscal varia de 50 a 100 hectares na Amazônia.
Por trás da investida sobre a floresta e sua conversão em pasto está o mercado fundiário, salienta a professora da Universidade Federal do Acre (UFAC) Sonaira Silva, coordenadora do Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (LabGama), no campus Cruzeiro do Sul. “A terra vendida como pastagem, que já tem valor agregado, é mais cara do que como área de floresta. O desmatamento é promovido por pessoas com dinheiro, que às vezes se valem de ‘laranjas’ para a ocupação.” O retorno econômico da derrubada advém da negociação de toras com o setor madeireiro e do uso pecuário ou venda da terra ocupada.
Sonaira Silva adverte que, mesmo com redução do desflorestamento, o problema continuará enquanto a região não tiver economia calcada na valorização da floresta e de seus produtos. “É preciso pensar estrategicamente em alternativas, como a biotecnologia, para que a pecuária não seja atividade principal”, destaca. Nesse rumo, atua o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, formado em 2017 pelos nove estados, que somam 29,3 milhões de brasileiros e geram 9% do PIB, em 5,1 milhões de quilômetros quadrados (60% do País). Além de se opor à derrubada ilegal, o consórcio preconiza desenvolvimento sustentável, adoção de tecnologias verdes e investimentos em infraestrutura.