El Niño, combustível acrescido aos já severos efeitos do clima

El Niño, combustível acrescido aos já severos efeitos do clima

Fenômeno deve perdurar até o segundo semestre de 2024, mas com impactos reduzidos após dezembro, quando registra o ápice das atividades climáticas.

Por: Vagner Ricardo

Onipresente, o El Niño continuará a testar a resiliência das cidades e dos campos no País até o próximo ano, ao impor ainda mais intensidade e severidade a fenômenos climáticos extremos e perdas econômicas pesadas, a exemplo do que ocorre no mundo.

 

No Brasil, sua atuação mais intensa ocorre desde setembro, gerando danos extraordinários e variados: secas severas na região Norte, com redução de vazão dos rios, que são “estradas” para a população e o comércio locais; chuvas excessivas na região Sul, inundando cidades, ceifando vidas e paralisando a economia; ondas de calor ou de frio nas grandes metrópoles, ciclones extratropicais, desmoronamentos, alagamentos, incêndios florestais, atraso no plantio e infraestrutura danificada… Esses são alguns exemplos atribuídos ao El Nino, associado ao aquecimento global já constatado.

 

Climatologistas dizem que o fenômeno poderá perdurar até o segundo semestre de 2024, mas com impactos reduzidos após dezembro, considerado o ápice de sua atividade. Não significará uma trégua, contudo, já que o Nordeste tende a ser a próxima região afetada pela seca. Os efeitos difusos do El Niño, tempestades ou estiagem, no Centro-Oeste (celeiro do País) e no Sudeste (de maior densidade demográfica) estão no radar e são ainda mais preocupantes em termos de perdas econômicas ou de biodiversidade.

 

IMPACTOS NEGATIVOS

 

Para o presidente do Sindicato das Seguradoras do Norte/Nordeste, Ronaldo Dalcin, o El Niño provoca também diversos impactos no setor segurador, tendo em vista sua propensão de elevar as temperaturas, resultando em períodos de seca prolongados ou, simultaneamente e dependendo da região do País, aumento significativo do volume de chuvas. “Secas ou chuvas intensas impactam negativamente a sinistralidade dos seguros ao afetar diversas linhas de produtos”, admite ele.

 

No caso da seca, o seguro rural demonstra claramente os efeitos dessas condições, refletidos nos números apresentados, e tem um impacto direto na colheita, podendo levar à redução ou até mesmo à perda total de safras, diz Dalcin. No caso do aumento das chuvas, isso se reflete também no seguro de automóvel, com acréscimo nas mensalidades, seja por situações como calço hidráulico, seja por aumento no uso e na demanda por assistências.

 

“Essa condição também se estende ao seguro empresarial e residencial, dependendo da intensidade das chuvas e ventos. Podem ocorrer eventos relacionados a vendavais e danos elétricos, que, por vezes, resultam em incêndios em instalações fabris, por exemplo”, destaca, acrescentando à lista o seguro de vida, tendo em vista o risco de mortes de segurados.

 

Olhando as conclusões de uma série de debates sobre El Nino e as mudanças climáticas, não há como esperar dias mais tranquilos. A secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, por exemplo, reconheceu que 66% dos municípios brasileiros (3.679 do total de 5.570) estão despreparados para suportar as mudanças climáticas.

 

Ela fez a afirmação ao participar, em outubro, de uma audiência da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. Pelas suas contas, quatro milhões de pessoas no Brasil foram afetadas diretamente por eventos climáticos severos entre 2013 e 2022: redução das chuvas entre o Centro e o Norte do País e inundações nas regiões Sul e Sudeste. Segundo ela, 10,6 milhões de hectares estarão inviáveis para a agricultura até 2030, em virtude das mudanças climáticas.

 

RECURSOS PARCOS

 

Os recursos para mitigar os efeitos das mudanças climáticas são muito reduzidos em todo o País. Isso significa que as perdas econômicas, considerando o cenário de extremos climáticos mais severos e frequentes, deverão evoluir, comprometendo a resiliência de cidades e do campo.

 

Olhando para trás, é possível ter alguma ideia do potencial de danos. Um levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) calcula em R$ 586 bilhões os prejuízos causados por chuvas ou secas severas nos últimos dez anos. Chuvas e secas são dois dos fenômenos climáticos mais onerosos no País. As estiagens provocaram perdas da ordem de R$ 352 bilhões, e os desastres decorrentes de chuvas severas, R$ 159 bilhões no período.

 

Para a CNM, os desastres naturais, dependendo da estrutura das regiões, “podem causar impactos secundários severos de interrupção de serviços essenciais como o abastecimento de água e energia, prejuízos econômicos e financeiros às propriedades públicas e privadas, agricultura, indústria e comércio, além de provocar mortes, ferimentos, doenças e outros diversos efeitos negativos ao bem-estar da população”.

 

Tendo em vista a mitigação desses riscos, a CNseg estruturou uma proposta que cria o seguro social de catástrofes. Seu alvo são as famílias afetadas por calamidades decorrentes de desastres naturais, como enchentes e deslizamentos. A ideia é que a proposta da Confederação seja o substituto de um projeto que já tramita na Câmara dos Deputados, de autoria da deputada Tabata Amaral (PSB-SP).

 

As indenizações poderão ser repassadas via Pix, agilizando o socorro assim que as autoridades competentes decretem o estado de calamidade pública e sejam identificadas as áreas atingidas. Com preços módicos, algo entre R$ 2 e R$ 5 por mês, a proposta é que o seguro seja cobrado junto às contas de energia elétrica de cada residência no País.

 

No caso de sinistro, cada família receberia de R$ 15 mil a R$ 20 mil para custear despesas emergenciais, principalmente compra de alimentos e outros itens de subsistência, deixando a população de áreas afetadas menos dependentes da liberação de recursos públicos.