EL NIÑO ENTRA NO RADAR DA GESTÃO DE RISCOS DO SEGURO RURAL
As indenizações pagas pelas seguradoras superaram, pela primeira vez, a casa dos R$ 10 bilhões no ramo de seguros Rurais, no ano passado. Por: Vagner Ricardo
Novas variáveis começam a ser consideradas na equação de riscos das seguradoras que operam no ramo de seguros rurais. Uma, mais imediata, é a tentativa de quantificar os efeitos temporários na carteira, com a chegada ao País do El Niño a partir do segundo semestre deste ano. A outra, mais duradoura, é conferir os impactos de temperaturas médias mais altas em regiões produtoras, e a ameaça velada que isso representa no mapa do agronegócio brasileiro.
Diferentes biomas já convivem com temperaturas médias maiores em 1,5ºC e 2ºC nos últimos anos no País, o que ameaça reduzir a produtividade das lavouras e, no extremo (a caminho de 4ºC), tornar inviáveis algumas culturas, segundo afirma o climatologista Carlos Nobre.
Uma alta da temperatura média na faixa de 1,5ºC pode tornar inviável o plantio de aipim no Nordeste. Na casa de 2ºC, a produtividade do milho terá uma queda significativa. O café é outro bom exemplo dos impactos dos extremos climáticos — vítima de pesadas perdas causadas por geadas em décadas passadas, sobretudo no Paraná, a cultura foi se adaptando, migrando para regiões serranas de Minas Gerais e do Espírito Santo, propícias à produção da variedade arábica.
O presidente da Comissão de Seguros Rurais da FenSeg, Joaquim Francisco Rodrigues Cesar Neto, reconhece “a complexidade da gestão de riscos é maior à medida que os eventos climáticos extremos avançam no País e geram danos de grandes proporções.”
Nos últimos três anos, por exemplo, os estados do Sul, sobretudo o Rio Grande do Sul e o Paraná, afetados por secas severas, tiveram perdas elevadas em suas safras, puxando a sinistralidade do seguro rural para cima. A continuidade dos prejuízos por seguidos exercícios é atribuída ao prolongado fenômeno da La Niña, presente no período.
Em 2022, pela primeira vez, as indenizações pagas pelas seguradoras superaram a casa dos R$ 10 bilhões no ramo de seguros rurais. O valor representou mais de cinco vezes as perdas registradas na carteira em 2018, que foram de R$ 1,95 bilhão.
Esse comportamento mudou o apetite por riscos das resseguradoras globais atuantes no País, encarecendo os valores dos planos para riscos rurais e também obrigando as seguradoras a adotar uma política mais criteriosa de seleção de riscos.
Entre as estratégias comuns do mercado, está evitar concentrar riscos numa só região, preferindo a dispersão da safra segurada em diferentes biomas, até para facilitar a proteção de resseguros com preços competitivos. Ainda fazem parte do rol: não apostar tanto no jogo de ‘perde e ganha’ entre as safras de inverno e verão, como era comum antes, porque a volatilidade climática pode surpreender negativamente; entender o mercado hard do seguro rural como temporário; tentar operações de cosseguro, onde for possível, ainda que estejam estagnadas no momento; promover treinamento contínuo da mão de obra para uso assertivo de tecnologias variadas antes da subscrição de riscos e na liquidação de sinistros (Zoneamento Agrícola de Risco Climático — Zarc), uso de mapas de satélites para avaliar safras e agilizar sinistros, incluindo uso de drones e envio de peritos, uso de variedades mais resistentes a extremos climáticos etc.
Feito o dever de casa, é cruzar os dedos para que, após poucos meses de neutralidade climática, o El Niño, que já começa a produzir efeitos em países da América Latina e deve ganhar escala no Brasil a partir de setembro, provoque baixo desvio na sinistralidade média.
Especialistas projetam uma troca do CEP dos impactos climáticos mais severos. Em outras palavras, a seca que persistiu no Sul e no Sudeste deve seguir para o Norte e o Nordeste do Brasil. Já as chuvas intensas e volumosas devem se concentrar no Sul e no Sudeste. O Centro-Oeste ainda é uma incógnita em termos climáticos.
A última passagem do El Niño no País, entre 2015 e 2016, gerou perdas onerosas para o Norte e o Nordeste. Na Região Amazônica, houve um salto das queimadas e incêndios florestais como resultado de temperaturas médias e chuvas mais escassas do que o normal. A agricultura, sobretudo as culturas de arroz e milho, foi duramente afetada, assim como a navegação e o abastecimento de água para a população.
No Nordeste, além da agricultura e da pecuária seriamente afetadas, a falta de chuvas gerou racionamento de água em muitas cidades — algumas ficaram completamente sem abastecimento.
A conta que bateu à porta das seguradoras na época foi salgada e inesperada. Em 2015, foram R$ 920 milhões e, em 2016, R$ 1,5 bilhão, com destaque para a Região Nordeste, a mais afetada por seca e falta de chuvas e, em consequência, por danos à agricultura e à pecuária.
“As mudanças climáticas que elevam a temperatura entre 1,5ºC e 2ºC já geram impactos na pecuária e na agricultura, provocando, sobretudo, queda na produtividade. Mas o cenário extremo de aquecimento global sem controle nas próximas décadas, algo como alta de 4ºC até o final do século, tornaria toda a Amazônia e o Cerrado inapropriados para a agricultura. Na verdade, todos os países tropicais perderiam sua capacidade agrícola”, relata Carlos Nobre.
A volatilidade climática representa um desafio para a estabilidade dos negócios da carteira do seguro rural. Não dá para antever os danos potenciais do El Niño, porque esse fenômeno é único em cada edição, dizem especialistas. Pode ter baixo, médio ou alto impacto, porque é combinado a outros fatores, incluindo-se aí o efeito estufa e a atividade vulcânica.