EM CENÁRIO INCERTO, MONTADORAS ENCARAM O DESAFIO DA INOVAÇÃO

EM CENÁRIO INCERTO, MONTADORAS ENCARAM O DESAFIO DA INOVAÇÃO

Com o carro elétrico começando a ganhar o mundo e o veículo autônomo despontando no horizonte, a modernização das fábricas no Brasil é maior desafio da indústria automobilística.

Por: Mário Moreira

Desafios não faltam para a indústria automotiva brasileira: queda nas vendas, fechamento de fábricas, concorrência dos aplicativos de transporte, chegada dos carros elétricos e talvez dos autônomos e mudança de hábitos do consumidor. Tudo em meio a um cenário de pandemia pouco promissor pelo menos até o segundo semestre, quando se espera que o avanço da vacinação contra a Covid-19 permita algum reaquecimento da economia.

 

O panorama para as montadoras não parece muito animador. No ano passado, com a explosão da pandemia, a produção da indústria automotiva no País caiu 31,6% em relação a 2019, representando 930 mil unidades a menos. Já as vendas de veículos novos recuaram 21,6% e as de automóveis como um todo, 28,5%. Em dezembro, a Mercedes Benz anunciou o fechamento de sua fábrica no Brasil; e em janeiro, foi a vez de a Ford fazer o mesmo em relação às suas três unidades.

 

No front externo, as exportações de veículos diminuíram 24,3% em 2020. E este início de ano tampouco inspira otimismo: em janeiro, a produção de carros de passeio caiu 29,8% em relação a dezembro e 11,5% em igual mês do ano passado. Mesmo num cenário complexo, a indústria automotiva é um dos principais motores da economia brasileira, respondendo por 4% do Produto Interno Bruto e 22% do PIB industrial e gerando 120 mil empregos diretos e 1,1 milhão de indiretos. Motivos de esperança, portanto, não faltam. Mas é preciso evoluir, apontam especialistas.

 

ELETRIFICAÇÃO A CAMINHO

 

Pandemia à parte, o maior desafio do setor é o tecnológico. Com o carro elétrico começando a ganhar o mundo – os países da Europa, em especial –, e o veículo autônomo despontando no horizonte, os fabricantes terão que se modernizar no Brasil. Hoje já existem em torno de dez modelos de carros elétricos à venda no País, por preços a partir de R$ 150 mil. Há também veículos híbridos, que combinam motor a combustão com motor elétrico. E pelo menos dez lançamentos nessa área estão previstos para 2021.

 

“O carro elétrico não é opção, é obrigação”, afirma o economista Alexandre Chaia, do Insper, para quem o modelo ecologicamente correto é uma tendência irreversível. “Mas ainda precisa se tornar mais factível no Brasil. Por aqui, ele é muito caro, diferentemente do que ocorre na Europa. Por outro lado, não vejo o Governo buscando uma matriz energética mais sustentável, e a indústria automotiva não muda sua matriz de produção em um ano. Se uma empresa quer priorizar o carro elétrico em 2030, tem que mudar a estrutura da planta até 2025. O Brasil vai ter que se encaixar nesse novo mundo. A matriz de produção vai mudar, e o País vai ter que mudar também.”

 

Há outros problemas, aponta Raphael Galante, dono da Oikonomia Consultoria Automotiva. “O mecânico vai saber mexer na bateria? Onde você vai achar mão de obra especializada? Só nas concessionárias, que cobram muito mais caro”, avalia, acrescentando que, devido aos preços, os veículos elétricos ou híbridos à venda no Brasil são todos voltados para a classe alta.

 

Segundo Galante, 99% dos Lexus (modelo de luxo da Toyota) comercializados no País já são híbridos; na Volvo, 45% dos carros vendidos são elétricos ou híbridos e na Porsche, esses modelos representam quase 30% das vendas. Para o Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, o carro elétrico depende de uma definição da matriz energética.

 

“Uma empresa não pode sair desenvolvendo um produto sem saber se a matriz vai propiciar aquele produto.” Ele lembra que o Brasil oferece várias possibilidades de geração de energia limpa, como solar, eólica e biocombustível, e que cada montadora decidirá seu caminho. “Algumas vão apostar no elétrico, outras no híbrido com etanol, e por aí vai.

 

Precisamos de um cenário mais claro para facilitar os investimentos e a infraestrutura necessária a essa nova fase.” Economista-Chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin destaca a falta de uma política de investimentos em pesquisa e desenvolvimento. “A indústria automotiva está no meio desse furacão de transformação tecnológica e sofre muito por não existir um ambiente favorável.

 

Neste mundo em mudança, ganha quem tem melhores condições competitivas, e o País tende a ficar para trás, por causa do custo Brasil e da falta de uma agenda de inovação.” Ele lembra que, embora as novas tecnologias de automação e inteligência artificial possam flexibilizar as exigências de escala, o setor necessita de volume de produção para obter resultado e o desempenho frustrante da economia nos últimos anos não tem ajudado.

 

Na opinião de Cagnin, o programa Rota 2030, criado no final de 2018 para estimular o desenvolvimento tecnológico da indústria automotiva, via benefícios fiscais, é insuficiente para mudar o cenário. “O programa é focado na cadeia automotiva, mas é necessária uma política transversal de apoio à inovação, pois as novas tecnologias envolvem um conjunto amplo de setores.”

 

 

Moraes, da Anfavea, afirma que ainda não é possível comparar o Rota 2030 ao Inovar-Auto, que o antecedeu, já que a primeira meta de eficiência energética do novo programa está prevista para 2022. “Todas as montadoras trabalham arduamente para dar mais esse salto de eficiência, apesar das limitações que a pandemia impõe ao cronograma de desenvolvimento, testes e homologações.” Segundo a Anfavea, na vigência do Inovar- -Auto (2013-17), o setor investiu, por ano, 3,1% da receita líquida em P&D e 0,8% por meio do programa. Como resultado do Inovar-Auto, melhorou em 15% a eficiência energética dos veículos, com redução anual de R$ 7 bilhões em gasto com combustíveis. Em 2019, segundo o Relatório de Investimento Direto 2020, do Banco Central, foi o setor que mais investiu e empregou em P&D. “Estamos fazendo a nossa parte”, diz Moraes.

 

No caso do carro autônomo, há controvérsias – entre outras razões, porque nessa área o mercado mundial começa a sofrer a concorrência de gigantes do setor de alta tecnologia que investem em inteligência artificial, como o Google. “Não quer dizer que essas empresas vão se transformar em montadoras, mas teremos que ver quem vai se apropriar melhor do valor gerado nessa cadeia: as montadoras ou essas empresas digitais”, diz Cagnin, do Iedi.

 

“Ao que tudo indica, as empresas de tecnologia têm maior potencial. E no caso do Brasil, o País vai precisar de um grande volume de investimentos em infraestrutura física e digital para viabilizar este mercado. Hoje essas cadeias produtivas são globais, e o espaço para ficar isolado é muito pequeno.” Raphael Galante, da Oikonomia, vê outros entraves:

 

“O carro autônomo precisa ler a faixa de pedestres, a placa de velocidade. Em São Paulo muitas faixas estão apagadas, e várias rodovias do País não têm indicação da velocidade. Como o carro autônomo vai circular? No Brasil não há condições”, sentencia. “O programa é focado na cadeia automotiva, mas é necessária uma política transversal de apoio à inovação, pois as novas tecnologias envolvem um conjunto amplo de setores.”

 

Moraes, da Anfavea, afirma que ainda não é possível comparar o Rota 2030 ao Inovar-Auto, que o antecedeu, já que a primeira meta de eficiência energética do novo programa está prevista para 2022. “Todas as montadoras trabalham arduamente para dar mais esse salto de eficiência, apesar das limitações que a pandemia impõe ao cronograma de desenvolvimento, testes e homologações.” Segundo a Anfavea, na vigência do Inovar- -Auto (2013-17), o setor investiu, por ano, 3,1% da receita líquida em P&D e 0,8% por meio do programa.

 

Como resultado do Inovar-Auto, melhorou em 15% a eficiência energética dos veículos, com redução anual de R$ 7 bilhões em gasto com combustíveis. Em 2019, segundo o Relatório de Investimento Direto 2020, do Banco Central, foi o setor que mais investiu e empregou em P&D. “Estamos fazendo a nossa parte”, diz Moraes. No caso do carro autônomo, há controvérsias – entre outras razões, porque nessa área o mercado mundial começa a sofrer a concorrência de gigantes do setor de alta tecnologia que investem em inteligência artificial, como o Google.

 

“Não quer dizer que essas empresas vão se transformar em montadoras, mas teremos que ver quem vai se apropriar melhor do valor gerado nessa cadeia: as montadoras ou essas empresas digitais”, diz Cagnin, do Iedi. “Ao que tudo indica, as empresas de tecnologia têm maior potencial. E no caso do Brasil, o País vai precisar de um grande volume de investimentos em infraestrutura física e digital para viabilizar este mercado. Hoje essas cadeias produtivas são globais, e o espaço para ficar isolado é muito pequeno.” Raphael Galante, da Oikonomia, vê outros entraves:

 

“O carro autônomo precisa ler a faixa de pedestres, a placa de velocidade. Em São Paulo muitas faixas estão apagadas, e várias rodovias do País não têm indicação da velocidade. Como o carro autônomo vai circular? No Brasil não há condições”, sentencia.

 

NOVOS HÁBITOS

 

Alexandre Chaia, do Insper, acredita que a pandemia elevou as incertezas do consumidor e que só no segundo semestre, quando uma parcela significativa da população estiver vacinada, será possível um ambiente econômico mais favorável. “O carro não é um bem de primeira necessidade. Se o consumidor está inseguro, não vai comprar. É preciso que volte a confiança. Então, o que dá para fazer? No momento, é esperar.”

 

Nesse cenário, Luiz Carlos Moraes acredita que o modelo de manter um estoque para 35 a 40 dias está mudando, por força da pandemia e do comportamento mais planejado do consumidor. “Pode ser um aprendizado da pandemia”, diz. Em janeiro, o setor trabalhou com 18 dias de estoque. De modo geral, o fechamento das fábricas da Mercedes e da Ford não é visto com surpresa. “A Ford, sobretudo, é uma empresa com dificuldade para se renovar.

 

Agora, ela encerrou a produção, mas continua no Brasil. Nenhuma multinacional quer estar fora de um mercado de mais de 200 milhões de pessoas e com renda média superior à da China”, analisa Chaia. “É difícil falar se podem acontecer outros casos. Precisamos enfrentar os desafios e evitar novas perdas”, diz Moraes, da Anfavea. Ele enfatiza a necessidade de redução da carga tributária sobre os automóveis, de 44%, ante cerca de 20% nos principais mercados europeus, para estimular o setor.

 

Além do fator econômico, os especialistas apontam uma mudança de hábito que impacta a indústria automotiva: o fato de os jovens de hoje serem menos apegados à ideia de possuir um carro e preferirem usar aplicativos de transporte, como o Uber. “O jovem usa o serviço sem as desvantagens de ser o dono do veículo, como pagar IPVA e os custos de manutenção. É uma tendência mundial”, diz Chaia. Para Moraes, em vez de prejuízo, isso pode significar novas oportunidades de negócios para as montadoras. Nesse sentido, Raphael Galante aponta outra tendência, que serve justamente ao perfil dos jovens: o aluguel de carros por assinatura.

 

O consumidor assina com a própria montadora (ou locadora) um contrato por 12, 24 ou 36 meses, pagando um valor fixo mensal (incluindo manutenção e impostos). É uma forma de garantir mobilidade sem precisar de carro próprio. Segundo o consultor, marcas como Volks, Toyota, Renault e Fiat já oferecem assinatura de carros no País.

 

IMPACTO NOS SEGUROS

 

Os entraves da indústria automotiva não deixam de impactar o seguro de Automóveis. Pelos dados mais recentes, de janeiro a novembro do ano passado o valor total dos prêmios caiu 3,1% em relação a igual período de 2019. O dado de novembro, porém, apontou alta de 3,9% sobre o mesmo mês do ano anterior. “Isso nos traz um pouco de otimismo com relação ao ano em curso, mas há outros fatores que exigem atenção: nível de emprego e renda, oferta de crédito e produção industrial”, diz Walter Pereira, Presidente da Comissão de Automóvel da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg).

 

De acordo com ele, a chegada de carros elétricos e híbridos demandará produtos, coberturas e serviços específicos. “A relação custo x valor segurado deve permanecer nos patamares dos produtos hoje existentes, mas demandará mão de obra especial, o que poderá se refletir no custo do seguro. Hoje já temos no Brasil veículos com algum grau de automação e custos bem similares aos dos veículos com menor grau de tecnologia.”

 

Ainda segundo Pereira, as seguradoras deverão adaptar seus produtos ao novo comportamento do consumidor. “Hoje o mercado já disponibiliza coberturas para os veículos de aplicativos e veículos por assinatura. Tenho certeza de que buscará oferecer aquilo de que o consumidor necessitar, com a melhor relação custo/benefício.”