Envelhecimento: desafios e caminhos para uma sociedade inclusiva
Segundo o IBGE, o País ganhou um milhão de idosos por ano entre 2010 e 2022, associando a velocidade do envelhecimento às desigualdades financeira e social. Por: Célia Perrone
É fato consumado que o envelhecimento da população brasileira acontece a passos largos em variadas classes sociais e diversas regiões do País, e isso leva a diferentes tipos de envelhecimento. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2050, um em cada quatro habitantes terá mais de 60 anos. No Censo de 2010 eram 20 milhões e, em 2022, saltaram para 32 milhões. Nesse curto período, o País ganhou um milhão de idosos por ano.
Por outro lado, na ponta extrema da pirâmide, havia 46 milhões de crianças e adolescentes no País, em 2010, número que diminuiu para 40 milhões em 2022. “A conta é negativa. É como se o Brasil perdesse meio milhão de crianças por ano. Para cada adolescente que completa 15 anos, deveria haver um nascimento e não é o que acontece”, explica Gleisson Rubin, diretor do Instituto de Longevidade MAG.
Para o médico gerontólogo e presidente do Centro Internacional de Longevidade (ILC, na sigla em inglês), Alexandre Kalashe, o processo está extremamente rápido no Brasil. “A França levou 149 anos, ou sete gerações, para dobrar o tamanho da população idosa. O Brasil fez o mesmo processo em apenas uma geração. Em 2010, os idosos representavam 10%, em 2030, serão 20%”, informa.
“Estamos envelhecendo com uma tremenda desigualdade, 83% dos idosos dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). O jovem de 35 anos tem que se dar conta de que daqui a 25 anos terá 60. Quanto antes cuidar da atividade física e financeira, melhor. Mas quem tem 60 anos também pode começar a se cuidar nesta idade e, ainda assim, estará no lucro”, exemplifica.
Kalashe e Rubin concordam que a longevidade tem que ser tratada de maneira transversal e conjunta por toda a sociedade. O setor público precisa estar mais atento para implementar as políticas públicas e a organização social das cidades, além de promover campanhas de conscientização para a população contra o idadismo.
“A sociedade toda precisa estar antenada: tem que ‘cair a ficha’ do Governo e da população, perceber que estamos envelhecendo, e o País já não é mais jovem. O quanto antes se preocupar em implementar políticas públicas e saúde física, mental e financeira, melhor será”, afirma Kalashe.
IDADISMO
O idadismo ou velhofobia, como o próprio nome diz, é a discriminação e o preconceito contra pessoas com base na idade. Esse fenômeno se manifesta de diversas formas no Brasil, afetando a qualidade de vida de milhões de brasileiros. Com a expectativa de vida aumentando, é crucial repensar como a sociedade brasileira valoriza e integra seus idosos. Estigmas relacionados à velhice ainda permeiam o cotidiano, desde a desvalorização do trabalho e das experiências acumuladas até a exclusão social e a falta de políticas públicas adequadas.
“Nenhum país está imune ao idadismo, mas aqui no Brasil, especialmente, o homem não se vê velho ou envelhecendo. Isso reflete o machismo que é ensinado ao menino desde pequeno, de que tem que ser invencível”, explica Kalashe.
Segundo ele, esse grupo masculino é supremacista e maioria na política e na direção de empresas, resiste à velhice e, por isso, a discussão não avança. “O problema é estrutural, institucionalizado e passa pelo interpessoal. As plataformas dos partidos políticos sequer o mencionam ou têm propostas para solucionar isso”, alerta.
O médico conta que, quando faz palestras, se apresenta como velho e não como professor de Oxford e diretor do Programa Global de Envelhecimento da Organização Mundial de Saúde, que criou o “Age Friendly Cities”, adotado em cidades que são modelos de qualidade de vida, como Barcelona, Lisboa e Toronto. “Gosto de falar de cara que sou velho e que tenho orgulho das minhas rugas. Envelhecer é bom, morrer cedo é que é ruim”, completa.
Para Gleisson Rubin, viver mais é um objetivo desejável, mas garantir qualidade de vida e estabilidade financeira nessa fase da vida requer planejamento e escolhas conscientes. “É preciso ter consciência e poupar enquanto ainda se está na vida ativa. O tema longevidade diz respeito também aos jovens, que deveriam começar a conquistar a independência financeira assim que saíssem dos bancos escolares”, recomenda.
O diretor da MAG acrescenta que a longevidade saudável é correlata à longevidade financeira. “Na medida que estamos ganhando mais anos de vida, e isso é uma boa notícia, precisamos pensar em como nos manter durante esse período. Senão, teremos a boa notícia anulada pela má notícia de não ter dinheiro para viver”, alerta.
O público-alvo do Instituto de Longevidade, que ele comanda, visa ao público 50+ nos seguintes pilares:
Saúde: hábitos que favoreçam o cuidado preventivo e o retardamento de doenças, assim como formação de profissionais que atendam a essa faixa etária — há um déficit de 28 mil geriatras no país, temos apenas dois mil e só 10% das faculdades de medicina tem a disciplina.
Cidades: acessibilidade de calçadas, transporte público, edifícios adaptados, espaços para convivência.
Social: a socialização e o aprendizado contínuo são vitais para a saúde mental e emocional. Participar de grupos comunitários, realizar cursos ou atividades de voluntariado pode manter a mente ativa e proporcionar conexões significativas. Além disso, o envolvimento em novas experiências e o cultivo de hobbies podem trazer satisfação e propósito à vida.
Comportamento: conscientizar a sociedade brasileira da visão estereotipada, que, assim como muitas outras, valoriza a juventude, associando-a à beleza, vitalidade e inovação. Essa idealização da juventude marginaliza os mais velhos. Muitos idosos enfrentam estigmas, como a ideia de que são incapazes ou menos produtivos. Isso leva à exclusão social e à desconsideração de suas experiências e conhecimentos.
Trabalho: a baixa representação de idosos em mídias, cargos de liderança e espaços de decisão reforça a imagem de que suas vozes não são relevantes, perpetuando a marginalização. É necessário que mais empresas adiram ao programa age friendly. Estas adotam práticas políticas que favorecem a inclusão de trabalhadores mais velhos como flexibilidade, políticas que combatem a discriminação etária e promovem a diversidade, mentoria que permitem que funcionários mais experientes compartilhem seu conhecimento com os mais jovens.
Finanças: viver mais e melhor requer planejamento financeiro, especialmente em uma economia instável como a brasileira. É necessário educação financeira por meio de cursos, livros e consultorias que ensinem economia doméstica e investimentos. Assim a pessoa vai ter instrumentos para aplicar seus recursos em lugares que ofereçam segurança e retorno. O conhecimento permitirá a diversificação de investimentos como em ações, títulos e previdência privada.
Público 60+: representação e consumo
O aumento significativo da população com mais de 60 anos tem reflexos na economia em geral, porque essas pessoas representam uma fatia considerável do mercado consumidor e deve movimentar R$ 1,8 trilhão, em 2024, em produtos, serviços e na cadeia envolvida na produção, de acordo com dados da consultoria Data8. A tendência é que esse valor mais que duplique nos próximos anos, impulsionando o PIB.
Esse público, ativo e exigente, não apenas busca produtos e serviços que atendam às suas necessidades específicas, mas também deseja se sentir representado nas marcas que escolhe. Ele não se limita a ser consumidor, quer ser um agente ativo no mercado, exigindo atenção especial das empresas.
A falta de representatividade em campanhas publicitárias e produtos é um dos principais pontos levantados por esse público, que anseia por ser visto e valorizado. Marcas que entendem e atendem às especificidades desse grupo têm mais chances de conquistar sua lealdade.
Muitos idosos têm poder aquisitivo considerável, o que os torna consumidores importantes. Ficou claro na pandemia que, para cada idoso que falecia, uma família ficava desamparada.
As empresas precisam entender que as necessidades da geração 60+ vão além da saúde física — eles buscam tecnologia que facilite a vida, moda que respeite seu estilo e serviços que atendam às suas particularidades, como viagens, academias apropriadas e ferramentas financeiras que transformem patrimônio em renda, como existe em outros países.
“Vivemos cada vez mais, e o Governo cada vez menos tem caixa para bancar as aposentadorias, que não conseguem dar conta do custo de vida. A hipoteca reversa é amplamente utilizada nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Reino Unido, e seria mais uma alternativa para essa fase da vida. É como se a pessoa vendesse seu bem para uma instituição que pagaria um valor, uma espécie de aluguel, para o resto da vida”, comenta Rubin.
Ele ressalta que, no Brasil, o que há de mais próximo disso são os planos de previdência privada PGBL e VGBL, mas a diferença é que você vai usar exatamente o valor que acumular.
Como alcançar a saúde física, mental e financeira
Alcançar a longevidade saudável e financeira requer um compromisso com hábitos que promovam o bem-estar e uma gestão prudente dos recursos. Com planejamento e escolhas conscientes, é possível desfrutar de uma vida longa, plena e com qualidade. Conheça algumas estratégias para alcançar essas metas.
Longevidade saudável
- Alimentação balanceada: opte por uma dieta rica em frutas, vegetais, grãos integrais e proteínas magras. Reduza o consumo de açúcar, sal e alimentos ultraprocessados.
- Atividade física regular: pratique exercícios pelo menos 150 minutos por semana, incluindo atividades aeróbicas e de fortalecimento muscular. Envolva-se em atividades que você goste: dança, natação ou caminhadas.
- Cuidados com a saúde mental: pratique técnicas de redução de estresse, como meditação e mindfulness. Mantenha conexões sociais, participando de grupos ou atividades comunitárias.
- Exames preventivos: faça check-ups regulares e exames de rotina para detectar doenças precocemente. Siga as orientações médicas e não negligencie os tratamentos.
Longevidade financeira
- Planejamento financeiro: estabeleça um orçamento que priorize economias e investimentos. Utilize ferramentas de planejamento financeiro para traçar metas claras.
- Economias e investimentos: comece a poupar o quanto antes, mesmo que em pequenas quantias. Considere diversificar investimentos em ações, títulos e previdência privada.
- Educação financeira: aprenda sobre finanças pessoais por meio de livros, cursos ou consultorias. Esteja ciente dos direitos previdenciários e dos benefícios disponíveis.
- Reserva de emergência: crie uma reserva para cobrir despesas imprevistas, idealmente equivalente de três a seis meses de gastos.
- Redução de dívidas: elimine dívidas de juros altos o mais rápido possível.