Fenômenos climáticos devem afetar todas as carteiras do mercado

Fenômenos climáticos devem afetar todas as carteiras do mercado

Desastres naturais geraram perdas globais acima de US$ 3 trilhões na última década. No Rio Grande do Sul, as indenizações estimadas com a tragédia não param de crescer.

Por: Vera Batista

Diante do cenário devastador causado pelas enchentes no Rio Grande do Sul, com chuvas avassaladoras, alagamentos e deslizamentos que começaram a ocorrer em 29 de abril (prolongando-se até junho), gerando centenas de mortes, um número ainda maior  de desabrigados e perdas econômicas bilionárias, a indústria de seguros projeta um forte avanço dos pedidos de indenizações no Estado gaúcho (na segunda atualização, ocorrida em junho, somavam perto de R$ 4 bilhões), devendo crescer a cada novo levantamento mensal em valores e em quantidade.

 

O aquecimento global potencializa os impactos dos fenômenos naturais, como o El Niño e La Niña,  e explica em parte a severidade dos eventos climáticos no planeta.  Sob a batuta do El Niño, que provoca o aquecimento das águas do oceano, o ano de 2023 foi o mais quente, segundo as medições da Organização Meteorológica Mundial (OMM).

 

O fato é que o resultado das emissões de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera é uma realidade que o mundo terá que enfrentar e um dos maiores desafios de nossos tempos, dizem especialistas. A previsão é que o El Niño comece a perder força ao fim do primeiro semestre. A trégua, no entanto, será momentânea. Em setembro, La Niña dá as caras e, ao contrário do El Niño, provoca frio e diminui as chuvas na Região Sul, mas aumenta na Região Norte. Para se adequar, o setor de seguros cria mecanismos para atender à população e reduzir os danos com celeridade.

 

A Superintendência de Seguros Privados (Susep) avalia que os ramos de seguros mais afetados na atual conjuntura são os rural, automóveis, patrimonial e habitacional. Para o vice-presidente da Comissão de Seguro Rural da FenSeg, Daniel Nascimento, o sobressalto que vem do Sul terá abrangência maior. Desta vez, “os prejuízos mais sérios não estarão no seguro agrícola, como no caso da seca. Os impactos devem afetar o mercado segurador como um todo”, diz.

 

Ele cita coberturas como Condomínio e Vida, para pessoas físicas; e Lucros Cessantes, Riscos Operacionais, de máquinas agrícolas, Compreensivo Empresarial e seguros atrelados a concessões públicas, no caso empresarial. Alguns técnicos chamam a atenção para o fato de o Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, ficar fechado por vários meses,
além dos reflexos no patrimônio das companhias aéreas.

 

Entre as estatísticas mais citadas como exemplo do possível ajuste nas contas está o Relatório Weather, Climate and Catastrophe Insight, que aponta os desastres naturais como responsáveis por uma perda econômica de US$ 313 bilhões em todo o mundo em 2022. O valor é 4% maior do que a média observada no século XX. As estiagens foram responsáveis por perdas de US$ 4,2 bilhões, e as enchentes, de cerca de US$ 1,3 bilhão.

 

PROTAGONISMO

A partir da convicção de que os governos federal, estadual e municipal sozinhos não têm condições de assumir a conta dos desastres naturais no País e no mundo, há um chamamento para a crescente participação das seguradoras para mitigar as perdas causadas pelos riscos climáticos.

 

Os números são de fato robustos. As perdas econômicas com desastres naturais no mundo, na última década, ultrapassam a marca dos US$ 3 trilhões, segundo dados do Sendai Framework, plataforma da ONU de acompanhamento e prevenção de desastres.

 

No Brasil, informa a Susep, não há estudos específicos realizados pela autarquia sobre perdas causadas pelos eventos climáticos. Está claro, porém, que as alterações climáticas recentes “provocarão alterações profundas na subscrição, capacidade disponível e rentabilidade da indústria de seguros”.

 

Em diversas oportunidades, a CNseg tem destacado ações do mercado em prol da resiliência perante os extremos do clima.  Recentemente, o setor apresentou propostas para conter os danos causados pelos desastres naturais, ao defender soluções privadas para a emergência climática, em audiência promovida pela Comissão Especial sobre Prevenção e Auxílio a Desastres e Calamidades Naturais da Câmara dos Deputados, em meados de abril.

 

O presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, reforçou, naquele encontro na Câmara dos Deputados, a importância do Seguro Rural para as atividades agrícolas, por meio da ampliação dos recursos do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), e da criação do Fundo do Seguro Rural (FSR), com a União, para manter os valores dos prêmios mais lineares diante da instabilidade do clima e dos danos inesperados.

 

Também foi destaque o Seguro Social de Catástrofe, para amparar vítimas de desastres (inundações, alagamentos e desmoronamentos), mediante pagamento entre R$ 2 e R$ 3, cobrado na conta de luz. Esse instrumento, compulsório e universalizado, permitiria indenização de R$ 15 mil por residência e mais R$ 5 mil por óbito, por meio do PIX, para garantir celeridade e recursos livres para as vítimas dessas tragédias.

 

Por fim,  ele destacou que a baixa adesão de proteção contra os riscos climáticos inibe a participação proativa do mercado segurador brasileiro. Esse gargalo de proteção pode custar cada vez mais caro,  tendo em vista que as catástrofes naturais geraram prejuízos globais da ordem US$ 380 bilhões em 2023, dos quais US$ 118 bilhões indenizados.

 

 

PROCESSO DE ADAPTAÇÃO

Walter De Simoni, líder especialista de Política Climática do Instituto Clima e Sociedade (ICS), entende que o mundo passa por um rígido processo de adaptação. “Temos que mudar o que pensamos sobre cidades e dinheiro público e definir como articular os diversos agentes. O País precisa de mudanças rápidas nas áreas de financiamento climático, governança, política local e infraestrutura e deve mobilizar uma ampla gama de atores do ecossistema para alcançar esses objetivos”, afirma De Simoni.
Até o momento, grande parte do peso da adaptação recaiu sobre os municípios, os menos preparados e com menor nível de recursos da federação. O Brasil tem mais de 5,5 mil municípios, 3.797 deles com menos de 20 mil habitantes. Poucos governos estaduais estão prontos para enfrentar os desafios climáticos, diz De Simoni.

 

Ele reconhece que a participação do seguro e de outros produtos financeiros tem sido tímido em responder a questões crescentes em perdas de infraestrutura e de colheitas, interrupções na produção e distribuição de eletricidade decorrentes dos desastres naturais cada vez mais severos e frequentes.

 

O presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, tem convicção de que a resiliência climática no Brasil já faz parte dos planos do mercado segurador. Em discurso no painel “A nova visão do Brasil”, em Nova York, ele defendeu o fortalecimento da resiliência da infraestrutura e ressaltou a pujança do setor segurador, que hoje responde por pouco mais de 6% do Produto Interno Bruto (PIB).

 

“O sistema de seguros brasileiro está plenamente preparado para enfrentar esses eventos mais severos e não haverá problema de liquidez”, afirma Dyogo Oliveira.  Na catástrofe do Rio Grande do Sul, as indenizações estimadas mais que dobraram entre as projeções de maio e de junho, saindo de R$ 1,673 bilhão para R$3,885 bilhões. Também houve aumento no número de pedidos de indenizações:  saltaram de 23.441 para 48.870, alta de 108% entre as duas aferições. “Esses números, tanto de valores de indenizações quanto de quantidade de sinistros, vão continuar a subir nas próximas aferições, ainda mais porque as chuvas persistem em junho, mantendo áreas alagadas e adiando quantificar as perdas seguradas, sobretudo na linha de compreensivos de pequeno, médio e grandes riscos”, detalhou.

 

 

PREÇOS E SOLIDEZ

A Susep admite a “possível tendência de revisão dos critérios de subscrição e apetite por determinados negócios, como, por exemplo, limitação da concentração e exposição em apólices de determinadas regiões, ou mesmo com revisão dos termos e condições dos contratos, mediante exclusão de riscos declináveis”. A consequência é “a elevação de custo das coberturas praticadas”.

 

Em relação à sustentabilidade financeira do sistema, a autarquia destaca mecanismos importantes e sólidos de transferência de riscos que viabilizam a capacidade para concessão de determinadas coberturas de seguros e resseguros.  Ou seja, além dos planos de resseguro, a Letra de Riscos de Seguros (LRS),  via captação de recursos no mercado de capitais, amplia a capacidade do mercado de aceitação de riscos.

 

Em 2023, 88% das residências brasileiras não contavam com seguros para proteger a propriedade. Mas “a conscientização e o reconhecimento de que os eventos climáticos atingem a todos também são cruciais para que haja uma maior penetração de seguros”, informa a Susep.

 

Walter De Simoni, do ICS, lembra que o Brasil tem dois grandes planos políticos para as necessidades de adaptação. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com mais de R$ 1,5 trilhão (US$ 278 bilhões) em investimentos públicos e privados para infraestrutura nos próximos cinco anos. Mas, até agora, a maior parte dos recursos não foi planejada com foco na adaptação. Outro é o Plano de TransiçãoEcológica (PTE), que está em constante atualização, mas não avança.

 

DIA SEGUINTE

A catástrofe no RS deixa um aprendizado: a necessidade de aproximação com o segurado e a adequação da terminologia para esclarecimento do consumidor leigo, analisa o corretor Robert Bittar, ex-presidente da Escola Nacional de Seguros (ENS).

 

“Se o Brasil não fazia parte do mapa dos desastres naturais, agora passou a fazer. E o seguro é o elemento que precisa estar lá no dia seguinte”, explica. Bittar lembra, por exemplo, que, para os leigos, os seguros  Habitacional e Residencial são considerados “rigorosamente iguais”, quando, na verdade, têm coberturas distintas.

 

A Susep criou um Guia de Orientação que pode ser acessado no site da autarquia com todas as informações sobre os ramos mais afetados pelas enchentes e sobre como solicitar indenização. Uma das orientações é que o segurado leia o contrato e observe a extensão da cobertura. O alerta do órgão regulador é de que não existe apólice-padrão. Cada seguradora faz o seu contrato de acordo com a exposição de risco de cada consumidor, em particular.