Indústria automotiva acelera vendas e reage aos desafios do mercado global

Indústria automotiva acelera vendas e reage aos desafios do mercado global

Além da concorrência chinesa, das incertezas no mundo e das turbulências geopolíticas, montadoras convivem com entraves fiscais, desafios tecnológicos e impactos para o setor de seguros.

Por: Fábio Nascimento

Como um trem acelerando após deixar a estação, a indústria automotiva brasileira ganha impulso e percorre os trilhos do crescimento com força renovada — mesmo sabendo que há curvas fechadas adiante e cruzamentos imprevisíveis no caminho. Esse é o cenário do setor no primeiro trimestre de 2025: aumento da produção (+8,3%), das vendas internas (+7,2%) e das exportações (+40,6%), conforme dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

 

Ao mesmo tempo, o setor se prepara para os desafios que surgem no horizonte — da concorrência com veículos chineses, especialmente híbridos e elétricos, às incertezas econômicas na Argentina e à guerra comercial em curso entre Estados Unidos e outros mercados.

 

Os veículos importados, que estão na vanguarda das tendências eletrificadas do mercado, representaram mais da metade (61%) da expansão das vendas no Brasil no período, sobretudo as unidades oriundas do país asiático. Esses chegam com mais tecnologia embarcada, componentes ainda não produzidos no País e, muitas vezes, preços mais competitivos.

Atento às mudanças, o setor de seguros é o espectador que acompanha cada movimento desse jogo entre fabricantes e governos, enquanto trabalha duro para responder com agilidade e qualidade às necessidades do mercado. As características dos novos veículos exigem adequação de riscos e desenvolvimento de produtos no segmento de Automóvel, principal no ramo de danos e responsabilidades.

DESAFIOS E RISCOS

 

A presença crescente das montadoras chinesas no Brasil tem provocado uma transformação no setor automotivo, segundo Antônio Jorge Martins, coordenador da FGV. “Essas empresas têm vantagem tecnológica significativa, principalmente na oferta de veículos elétricos e híbridos, com eletrônica embarcada avançada e preços agressivos. As fabricantes nacionais ainda operam majoritariamente como subsidiárias de grupos estrangeiros, enquanto as chinesas conseguem aproveitar a escala global para praticar preços competitivos, dificultando a concorrência local”, avalia.

 

Um ponto crítico da disputa envolve os pedidos de isenção fiscal para montagem local via CKD (Completely Knocked Down) e SKD (Semi Knocked Down). “A redução de impostos tende a beneficiar o consumidor final com preços menores. Porém, sem contrapartidas em conteúdo local, pode comprometer a indústria nacional e levar à desindustrialização, enfraquecendo a integração produtiva”, alerta Martins, acrescentando que o governo precisa ponderar entre arrecadação e estímulo à produção local, evitando concessões que privilegiem apenas a importação.

 

Segundo o novo presidente da Anfavea, Igor Calvet, a entidade é contrária a esses pedidos e considera que a redução de tarifas para importação de veículos chineses afronta a política pública de industrialização do País e o compromisso com a indústria local e o trabalhador brasileiro.

 

“O Brasil é um dos países mais abertos para importação de veículos eletrificados, com tarifas de 18% que subirão para 25% em julho, ainda muito abaixo das de outros mercados como Estados Unidos e Canadá (acima de 100%), Europa (cerca de 50%) e Índia (75%). A proteção insuficiente pode impactar a competitividade da indústria nacional”, argumenta o executivo.

 

CUSTOS GLOBAIS

 

Além disso, as tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos sobre produtos chineses impactam indiretamente o Brasil. Conforme relatório da Anfavea, essas medidas elevam os custos globais e podem desviar investimentos para o mercado americano, ampliando a capacidade ociosa no México e pressionando a indústria brasileira. O país latino tem livre comércio com o Brasil e menor custo de produção de veículos leves.

 

Paralelamente, sem conseguir acessar os Estados Unidos, as montadoras chinesas vão procurar vender sua produção para outros mercados, como o brasileiro. A tensão geopolítica global traz ainda risco de gargalos na cadeia de suprimentos, sobretudo para componentes eletrônicos e baterias, fundamentais para veículos elétricos.

 

O cenário de pressão, no entanto, não é novidade, e Igor Calvet dá o tom da resposta do setor. “A indústria automotiva brasileira é muito resiliente e tem sobrevivido a crises internas e externas ao longo de décadas. Apesar das turbulências geopolíticas, tarifações e novos entrantes, o setor mantém a confiança no Brasil e tem mais de R$ 180 bilhões em investimentos anunciados desde 2024”, afirma.

 

Segundo o presidente da Anfavea, o mercado automotivo cresceu 14% no ano passado e estima crescer cerca de 7% em 2025, acima da indústria em geral. Ele destaca que um ponto de angústia é que a produção nacional não vai crescer na mesma proporção, ficando entre 3% e 4% neste ano. “Isso significa dizer que o crescimento do mercado está sendo capturado pelas importações.”

 

PRODUÇÃO & EXPORTAÇÃO

 

No primeiro quadrimestre de 2025, a indústria automotiva brasileira consolidou um cenário de recuperação, segundo dados do relatório “Coletiva Abril 2025” da Anfavea — registrou aumento de 7,2% nos emplacamentos em relação ao mesmo período de 2024, saltando de 516 mil para 552 mil veículos. A produção também avançou: foram 772 mil unidades de janeiro a abril, contra 713 mil em igual período do ano passado (+8,3%).

 

Em comparação aos anos anteriores, o setor vem demonstrando resiliência. Após um tombo de cerca de dois milhões de unidades produzidas em 2020, a indústria voltou a crescer: 2,2 milhões (2021), 2,3 milhões (2022) e 2,3 milhões (2023) e 2,5 milhões (2024), com 2025 consolidando o movimento de retomada e se aproximando dos patamares anteriores à pandemia.

 

As exportações, por sua vez, cresceram no primeiro trimestre deste ano: o volume saltou de 77 mil para 108 mil unidades, alta de 40,6%. O principal destaque foi a Argentina, que ampliou suas compras em 120%, passando de 20 mil para 44 mil veículos. Embora o desempenho seja uma boa notícia, a Anfavea ressalta que a situação econômica do país vizinho ainda traz dúvidas sobre a sustentabilidade dessa retomada a médio e longo prazos.

 

Já a participação de elétricos e híbridos segue em expansão, com 8% da produção total no quadrimestre, equivalente a mais de 61 mil veículos, o que reflete o avanço da pressão competitiva internacional quanto à crescente demanda interna por alternativas mais sustentáveis.

 

GARGALO DA INOVAÇÃO

 

Um dos desafios da indústria automotiva brasileira é o atraso na regulamentação do Programa Mover, vital à inovação e ao desenvolvimento tecnológico. O presidente da Anfavea destacou que o programa oferece crédito financeiro de R$ 19 bilhões em cinco anos, com contrapartida de R$ 60 bilhões do setor privado. Contudo, os recursos já estão se esgotando no meio do ano, limitando o impacto para fomentar inovações e ampliar a competitividade.

 

O bom sinal, segundo Igor Calvet, é que há demanda forte pelo recurso.

 

A falta de dinheiro público para P&D coloca o Brasil em desvantagem frente a polos asiáticos e europeus, onde as montadoras recebem investimentos robustos e respaldo de políticas industriais. Antônio Jorge Martins, da FGV, reforça que o País corre o risco de ficar para trás na corrida tecnológica automotiva se não houver políticas públicas claras e contínuas que incentivem o desenvolvimento local e a fabricação de componentes estratégicos.

 

O dilema enfrentado pelo governo é proteger o mercado local por meio de incentivos e restrições ou atrair investimentos externos. Martins alerta para a necessidade de uma visão sistêmica e estratégica na formulação dessas políticas, evitando protecionismo excessivo.


 

Carros elétricos: novo vetor de risco para o seguro

 

A ampliação da frota de veículos elétricos no Brasil traz desafios para o mercado segurador. A Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg) destaca que os riscos seguráveis mudam substancialmente: alto custo das baterias, risco de incêndio devido à tecnologia de íons de lítio e dificuldade na reposição de peças, por exemplo, aumentam a sinistralidade e os custos de reparo.

 

Com a frota elétrica crescendo, as seguradoras têm adaptado apólices para cobrir danos específicos às baterias, avarias nos sistemas de recarga, assistência em casos de bateria descarregada e falta de pontos de recarga. Um agravante é que o mercado ainda sofre com uma base de dados limitada de histórico de sinistros com esses veículos para precificação adequada.

 

Há ainda desafios regulatórios que retardam a oferta de soluções customizadas. Segundo a FenSeg, a legislação atual não considera essas especificidades, o que exige adequações pelos órgãos reguladores e maior diálogo entre o setor e a Susep. As características dos elétricos exigem ainda investimento em capacitação da força de trabalho: de vistoriadores à rede de oficinas credenciadas.

 

A FenSeg considera prematura uma avaliação definitiva sobre o impacto da entrada de novas montadoras chinesas no Brasil, especialmente no segmento de veículos elétricos. Porém, o presidente da Comissão de Automóvel da Federação, Jaime Soares, reconhece que alguns sinais indicam mudanças relevantes. “A chegada dos modelos elétricos, com preços mais competitivos e tecnologias avançadas, pode alterar o perfil de risco analisado pelas seguradoras”, pontua.

 

Segundo Soares, os custos de reparo e a disponibilidade de peças para veículos importados, que ainda não têm rede de assistência técnica consolidada, tendem a influenciar o valor dos prêmios de seguro. “Os veículos elétricos introduzem novas variáveis de risco, como o custo das baterias, a necessidade de capacitação de oficinas e a infraestrutura de recarga, que pode afetar o uso e, indiretamente, os sinistros”, acrescenta.

 

Dessa forma, embora a adoção desses modelos ainda esteja em fase inicial, Soares afirma que as seguradoras já começam a revisar suas estratégias, produtos e modelos de precificação para se adaptar a esse novo cenário, considerando não só a origem dos veículos como também sua tecnologia embarcada e o suporte local disponível.