INFLAÇÃO E DÓLAR PODEM FREAR RITMO DA RETOMADA DA ECONOMIA BRASILEIRA

INFLAÇÃO E DÓLAR PODEM FREAR RITMO DA RETOMADA DA ECONOMIA BRASILEIRA

Desafio do Banco Central agora é manter a credibilidade da política monetária e fazer a inflação voltar a convergir para o centro da meta.

Por: Jorge Clapp

O Banco Central divulgou no Relatório Focus de outubro as projeções de economistas do mercado financeiro para a inflação, crescimento econômico e taxa de juros. Os resultados das projeções espelharam um cenário de preocupante instabilidade. Pela 26ª semana seguida, a expectativa para a inflação avançou, aproximando de 9%. Quanto ao Produto Interno Bruto (PIB), a estimativa de crescimento para o próximo ano é cada vez menor, situando-se agora em 1,57%. Já para a taxa básica de juros, a previsão é de que atinja 8,25% ao ano no fim de 2021 e 8,5% em 2022.

 

A Revista de Seguros ouviu especialistas e captou a visão de instituições respeitáveis como a Fundação Getulio Vargas (FGV) e a PUC-Rio para verificar o quanto essa visão pessimista tem fundamento, até que ponto se propaga pela sociedade e se pode atingir inclusive mercados que se mostram mais resilientes no cenário atual, como o de seguros. As respostas não chegam a ser animadoras, mas trazem um pouco de alento. Na opinião de Armando Castelar Pinheiro, professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ, e pesquisador associado do IBRE/FGV, o País subestimou o risco inflacionário e atrasou o aperto à política monetária, que ficou excepcionalmente estimulante no início do ano.

 

“Isso deve segurar um pouco o crédito e a atividade econômica. Mas, em compensação, ao colocar a inflação sob controle, a alta da Selic impedirá uma corrosão ainda maior da renda das famílias e dará mais nitidez ao cenário econômico, o que pode estimular o investimento”, comenta, acrescentando que pode haver certa desaceleração do ritmo de retomada econômica em 2022, mas menos em decorrência do aperto monetário e mais do aumento do risco político.

 

Para o economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, o desafio do Banco Central (agora, oficialmente independente) é manter a credibilidade da política monetária. Ele lembra que a instituição já sinalizou que fará o que for necessário para a inflação voltar a convergir para o centro da meta. “O País deve terminar o ano com o IPCA próximo de 9%, com viés de alta, e a meta para 2022 é de 3,5%. Portanto, não há dúvida de que o desafio do BC é significativo, especialmente se houver instabilidade política com efeitos sobre o câmbio”, alerta.

 

VISÕES OPOSTAS

 

Ambos concordam que o cenário internacional, sobretudo o dos Estados Unidos, pode trazer consequências significativas para a economia brasileira. Contudo, eles têm visões relativamente opostas sobre a natureza dos reflexos, se positivos ou negativos, para o País. Armando Castelar entende que a chance de uma recessão norte-americana no próximo biênio é praticamente zero, pois o avanço da vacinação, a política monetária expansionista e os fortes estímulos fiscais, dos quais o pacote de infraestrutura de US$ 1 trilhão é apenas o mais recente, tornam difícil não projetar uma forte expansão da economia dos Estados Unidos nesse período.

 

Além disso, o economista ressalta que o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta alta de 7,0% para o PIB americano neste ano, crescimento que supera a compensação da queda de 3,5%, em 2020, e a nova alta estimada de 4,9%, em 2022. “Para o Brasil, isso é bem melhor do que se houvesse uma recessão nos Estados Unidos. A forte expansão global puxa os preços das commodities para cima, estimulando o investimento e o PIB no País. É verdade que também pressiona a inflação, mas nada que não possa ser controlado por uma política monetária adequada”, pontua.

 

Já Luiz Roberto Cunha frisa que não há alternativa melhor para o Brasil entre a recessão nos Estados Unidos e a continuidade da inflação global – especialmente na conjuntura atual, quando ainda há muita incerteza em relação à situação fiscal e o País está com a atividade econômica em recuperação, mas ainda com elevado desemprego. “Uma alta dos juros nos Estados Unidos certamente terá consequências para o fluxo de recursos externos e tenderá a pressionar o câmbio, que já apresenta muita volatilidade por razões não econômicas, até porque, no segundo semestre de 2020, com o Risco Brasil ainda relativamente baixo e a forte alta nos preços das commodities, gerando superávit na balança comercial, a tendência deveria ter sido de valorização do Real e não foi, pois havia dúvidas sobre o avanço das reformas. Já uma inflação mais persistente que venha afetar o crescimento da economia americana terá impacto sobre o dólar e sobre o fluxo de comércio internacional, prejudicando o País”, explica.

 

SISTEMA DE PREÇOS

 

Diante da possibilidade de comparação do quadro atual com aquele que levou o economista e ex-ministro Mario Henrique Simonsen a proferir, há algumas décadas, a famosa frase “a inflação aleija e o câmbio mata”, os dois professores acentuaram que a realidade é outra. “Isso foi há quase meio século. De lá para cá, o Brasil e o mundo mudaram bastante. Não há a mesma escassez de divisas que havia então, nem a mesma dependência de importações, a começar pelo petróleo, que era então quase todo importado. Mas, a bem-sucedida experiência com o câmbio flutuante reforça a conclusão de Simonsen, mostrando que é sempre melhor deixar os preços refletirem a real abundância ou escassez de bens, serviços e ativos, do que tentar segurar artificialmente a inflação interferindo no sistema de preços”, ressalva Armando Castelar.

 

Por sua vez, Luiz Roberto Cunha diz que “Simonsen tinha toda razão”, especialmente nas décadas de 1970 e 1980, quando o Brasil tinha uma acentuada dívida externa e poucas reservas, além de uma inflação muito mais elevada, inclusive com longos períodos de hiperinflação com a indexação dos preços através de diversas formas de correção monetária. Nesse período, diz ele, as variáveis externas eram determinantes para o funcionamento da economia, e as desvalorizações cambiais, de fato, geravam muito mais danos do que a inflação.

 

“Simonsen também dizia que não existe pequena inflação, como não existe pequena gravidez, e lembrava que, na gravidez, após nove meses, temos o belo nascimento de uma criança, enquanto uma inflação persistente por um longo período, especialmente naquele tempo de indexação, gerava uma hiperinflação”, observa o professor da PUC-Rio.

 

RISCO NOS SEGUROS

 

Após superar um cenário adverso e apresentar resultados expressivos nos primeiros meses de 2021, será que o seguro corre o risco de ser atingido pela instabilidade econômica? Para os dois professores, a resposta é sim. Para o professor Armando Castelar, a alta de preços está se disseminando e não teria por que ser diferente no setor de seguros, seja em termos de sinistros, seja em termos de custos em geral com que opera o setor. “Com a continuação da retomada econômica, em especial com um melhor desempenho do mercado de trabalho no próximo ano, a demanda por seguros também tende a subir, facilitando às empresas do setor repassarem algumas dessas pressões de custos para os preços”, afirma Castelar.

 

Já Luiz Roberto Cunha enxerga consequências mais abrangentes, influenciando o comportamento de diversas carteiras de seguros. Para ele, em produtos como o seguro de automóveis – o setor automotivo foi um dos que mais sentiram o problema de desorganização de cadeias de produção e escassez de insumos resultantes da pandemia –, o custo maior de peças já encareceu sinistros, mas espera-se que esse seja um fenômeno temporário, e já há sinais de normalização desse mercado.

 

Ele cita ainda o forte crescimento do seguro rural, ao mesmo tempo em que se intensificam eventos climáticos adversos como as fortes geadas ou secas no Centro-Sul do Brasil – o que tem impacto na inflação dos produtos agrícolas e pode pressionar as apólices que cobrem o valor da produção”, alerta o economista, apontando ainda a Saúde Suplementar como outro segmento afetado, por seguir uma “dinâmica particular” de custos, além de sofrer forte influência do câmbio, nos equipamentos e matérias-primas de medicamentos.

 

“No caso dos reajustes dos planos de saúde, temos no Brasil uma regulação intensa por parte do Governo. Por outro lado, aqui há um custo maior em controlar a inflação, o que se reflete em taxas de juros significativamente mais altas do que ocorre no exterior, o que acaba por remunerar mais as reservas que o setor precisa manter para honrar seus compromissos, melhorando resultados financeiros”, projeta Cunha.