Lei da UE contra desmatamento ameaça exportações de 2024

Lei da UE contra desmatamento ameaça exportações de 2024

Regulamento prevê a criação de um ranking dos países com riscos de desmatamento e promete barrar a entrada de produtos oriundos dessas áreas nos países do bloco.

Por: Vagner Ricardo

Uma bomba-relógio está endereçada aos países exportadores de commodities agrícolas e pecuárias a partir de dezembro de 2024. A data marca a vigência de uma legislação da União Europeia (UE) que promete barrar o ingresso, no bloco econômico, de produtos oriundos de áreas de desmatamento (ilegal ou não) ocorrido após dezembro de 2020.

 

Inicialmente, apenas florestas estão no radar do regulamento, mas há possibilidade de inclusão de outros produtos e biomas no futuro. Se confirmado, ampliará o risco de inflexão do comércio exterior e de perdas para países em desenvolvimento, que ainda têm vasta cobertura florestal e áreas agricultáveis disponíveis, como Brasil, Malásia, Indonésia e Tailândia.

 

O mercado segurador deve ficar atento aos desdobramentos da nova legislação da UE, porque a réplica do regulamento por outros blocos ou países pode ocorrer, o que ampliaria o alcance das restrições a produtos exportados e frustraria o desempenho de modalidades e ramos de seguros que envolvem as cadeias produtivas afetadas.

 

A nova legislação da UE prevê também a criação de um ranking dos países com baixo, médio e alto riscos de desmatamento ou degradação. “Nenhum país incentiva o desmatamento. Essa legislação da EU tem um caráter discriminatório e iminentemente punitivo”, avalia Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

 

Segundo ela, “essa espécie de selo da UE afetará a imagem dos países e se tornará um mecanismo para direcionar as compras dos importadores.” Para evitar as penalidades a que os importadores estarão sujeitos a partir da vigência do regulamento, deverá ser realizado um duo diligence para comprovar que os produtos são provenientes de áreas livres de desmatamento ou degradação.

 

Há uma incerteza sobre como o Brasil será classificado e se essa classificação será regionalizada e/ou diferenciada por bioma. Dependendo da classificação adotada e dos procedimentos de devida diligência exigidos, o impacto poderá ser maior ou menor no setor agropecuário exportador”, assinala o paper “Políticas Ambientais Brasileiras e o Novo Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento: Oportunidades e Desafios, escrito por Cristina Leme Lopes, Joana Chiavari e Maria Eduarda Segovia, pesquisadoras do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio).

 

REAÇÃO DOS PAÍSES

 

Vale lembrar que uma reclamação formal contra essa legislação foi encaminhada ao Comitê de Agricultura da Organização Mundial do Comércio (OMC). O documento assinado por 17 países em desenvolvimento, incluindo Brasil, Argentina, México, Nigéria, Peru, Tailândia, Indonésia, Malásia, destaca a preocupação com os impactos do regulamento da UE, que desconsidera esforços e compromissos assumidos pelas nações nos fóruns multilaterais adequados.

 

O chamado Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) alcança diversos produtos de cadeias produtivas relevantes. A lista inicial da UE inclui soja, gado e derivados, cacau, café, óleo de palma, madeira, celulose e borracha, além de derivados, como couro e móveis. A União Europeia é o segundo principal mercado de produtos brasileiros de agronegócios.

 

“A medida impacta produtos muito representativos da pauta exportadora brasileira para a UE, que é atualmente o segundo principal parceiro comercial do Brasil. Estima-se que o Regulamento abranja cerca de US$ 17,5 bilhões das exportações brasileiras dos produtos afetados para a EU em 2022. O valor equivale a 34% do total exportado no ano passado para o bloco, assinala Mário Cardoso, gerente de Recursos Naturais da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

 

Segundo o especialista, a UE é também o segundo principal destino das exportações brasileiras de soja e derivados — importou 14% desses produtos em 2022, ou o equivalente a US$ 8,8 bilhões. No caso do café, mais de 51% dos embarques brasileiros destinam-se aos países da UE (US$ 4,3 bilhões em receita no ano passado).

 

O bloco é o terceiro principal destino de madeira, celulose e derivados exportados pelo Brasil. Em 2022, a UE recebeu 19% do total das exportações brasileiras dos produtos listados, equivalentes a US$ 3,3 bilhões. O bloco também é segundo principal destino das exportações brasileiras de gado, carne bovina e couro. Em 2022, a UE recebeu 6% do total das exportações brasileiras de tais produtos, representando cerca de US$ 920 milhões.

 

BRASIL NO FOCO

 

O presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, concorda que essa legislação, se aplicada, vai atingir o Brasil em cheio. Para ele, há muitas variáveis que poderão tornar o regulamento mais brando para algumas commodities e mais severas para outras.

 

No caso da soja, salvo se a UE desistir de consumi-la, será difícil disponibilizar outro fornecedor do porte do Brasil, o único capaz de ampliar sua produção a ponto de ser o primeiro país a ultrapassar a casa de US$ 50 bilhões de exportação do produto a partir deste ano. Hoje, Brasil e Estados Unidos são os maiores exportadores do grão para o bloco europeu, já que a Argentina enfrenta queda de safra. Os americanos, contudo, não têm mais capacidade de ampliar a área de produção, algo que só o Brasil pode fazer. No caso da carne, a lista de fornecedores é maior.

 

O estudo da PUC assinala que o EUDR beneficia países que expandiram a produção agropecuária às custas da conversão de sua vegetação natural. “A própria UE reconhece, na avaliação de risco do EUDR, que o regulamento poderá impactar negativamente o Brasil e favorecer os Estados Unidos”, diz o texto.