MAIS CONSOLIDADOS, NEGÓCIOS SOCIAIS CAMINHAM PARA A MATURIDADE

MAIS CONSOLIDADOS, NEGÓCIOS SOCIAIS CAMINHAM PARA A MATURIDADE

Muitas iniciativas idealizadas pelas populações periféricas só dependem de um mínimo de planejamento para gerar oportunidade e renda.

Por: Vagner Ricardo

O catálogo de atividades que recebem o selo de negócios sociais cresceu de forma acelerada no País nos últimos anos e é cada vez mais diversificado. Mesmo sem números para medir o avanço do empreendedorismo social, a percepção dos especialistas é de que essas iniciativas amadurecem e inovam em um ambiente econômico desafiador. Uma “bolsa de valores” que negocia apenas ações de empresas de favelas, uma fintech dedicada à inclusão bancária de negros ou à capacitação tecnológica de egressos do sistema prisional, ifood de comunidades e logística são exemplos da criatividade e abrangência dos negócios sociais.

 

Bem-vindos e necessários para acomodar trabalhadores que disputam ocupações nesse cenário econômico adverso ao pleno emprego, os negócios sociais representam oportunidade de assegurar o pão – e eventualmente o vinho – para essas pessoas, dependendo do desempenho dos empreendimentos. “Hoje em dia, o empreendedorismo de impacto social ganha mais musculatura, tendo em vista o agravamento das desigualdades sociais. As competências empreendedoras são ratificadas porque parte da sociedade que empreende não tem uma visão clara ou segurança de sua empregabilidade futura”, afirma o professor de Empreendedorismo da Faculdade Sebrae, José Roberto Marques.

 

Ao mesmo tempo, acrescenta ele, diversas dessas iniciativas idealizadas pelas populações periféricas só dependem de um mínimo de planejamento e direcionamento para gerar oportunidades e renda. “Onde há uma grande dor social há também um grande negócio à espera de empreendedores”, diz. As projeções para os negócios sociais são positivas não só no Brasil, mas em todo o mundo.

 

“O futuro do emprego formal é o desemprego, e o que vai surgir é o trabalho sem vínculo. Na busca pela sobrevivência, o cidadão será professor pela manhã, consultor à tarde e dono de um pequeno negócio à noite”, assinala Mauricio Turra, fundador da NEXTT49+. Além disso, a aderência dos grandes grupos à agenda de políticas ambientais, sociais e de governança (ASG) abre caminho para os negócios sociais, acrescenta.

 

IMPACTO POSITIVO

 

Segundo Maurício Turra, o conceito de negócio social é aquele no qual o empreendedor tem como objetivo gerar impacto positivo na vida das pessoas mais vulneráveis, substituindo doações por mecanismos de mercado para viabilizar os empreendimentos, emprego e renda, havendo, ao mesmo tempo, métricas para avaliar se os propósitos estão sendo alcançados.

 

“É mais promissor porque um negócio social faz o dinheiro ir e vir. Ou seja, no empreendimento social, o dinheiro circula e reduz as vulnerabilidades”, assinala ele. É oportuno que o empreendedorismo social avance. Dados do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) mostram uma lenta queda na taxa de desemprego em 2022. Mesmo em um cenário de crescimento otimista nos próximos anos, improvável até aqui, o desemprego permanecerá elevado pelo menos até 2026, algo que se relaciona não só aos impactos da pandemia, mas também decorre da recessão de 2014-2016 e da lenta recuperação até 2019.

 

O fato é que, via negócios sociais, recursos da economia subterrânea emergem, colocando à sua disposição mecanismos de mercado capazes de ampliar a resiliência e a solidez de micro, pequenos e médios empreendimentos, desde a captação de recursos à compra de seguros.

 

SERVIÇOS FINANCEIROS

 

Dois exemplos disso são a Conta Black, fintech com foco na bancarização da população negra, e as ofertas de ações programadas pela Bolsa de Valores das Favelas, criada em novembro pela plataforma DIVI•hub, em parceria com o G10 Favelas, um hub dedicado ao desenvolvimento econômico e protagonismo das comunidades.

 

A Conta Black, por exemplo, promove uma rodada de captação no valor de R$ 25 milhões para acelerar o crescimento da fintech e aumentar a oferta de serviços financeiros à população negra, como microcrédito e seguro. A injeção de recursos objetiva ampliar também o número de contas digitais no prazo de 18 meses, a contar de janeiro de 2022, passando de 20 mil para 100 mil, anuncia o CEO e fundador da Conta Black, Sergio All. Segundo ele, depois da oferta de crédito, o seguro aparece como o segundo item sugerido pelos membros da comunidade financeira na sondagem realizada em 2021.

 

Até aqui, depois de aberta a conta, o novo cliente recebe um cartão virtual, por meio de um app, e pode fazer pagamentos, cobranças e transferências de dinheiro. Tendo em vista o perfil dos correntistas e a perspectiva de o número de contas digitais quintuplicar em menos de dois anos, as oportunidades para operações de crédito e seguros são promissoras, já que as pessoas jurídicas formam um universo de 70% a 80% do total, com necessidades específicas de coberturas de danos ou da linha de riscos pessoais, relata Sergio All.

 

“Somos um hub de serviços financeiros alocados em uma conta digital, que movimenta R$ 2 milhões a cada bimestre e constrói conhecimento e experiência sobre a população preta, uma potência financeira que não pode mais ser ignorada. Os negros consomem anualmente pelo menos R$ 1,7 trilhão no Brasil, e a maioria é empreendedora por necessidade. Na formação do afroempreendedorismo, crédito e seguro andam juntos”, explica o executivo.

 

Ele destaca ainda que “as áreas periféricas, ocupadas por parcelas significativas da população negra, reclamam uma linha de seguros, como de acidentes pessoais, auxílio funeral e de roubo e furto de bens”. All está convencido de que a demanda por microcrédito e microsseguros são serviços dos mais relevantes na jornada dos membros da Conta Black. Os seguros estarão disponíveis na fintech até março.

 

CAPTAÇÕES NA BOLSA

 

As primeiras ofertas de ações (IPO, na sigla em inglês) da Bolsa de Valores das Favelas demonstram quão diversas são as operações de impactos sociais assim como as coberturas que poderão ser encaminhadas às seguradoras. A Bolsa, que estreou no final de novembro com as ações do Favela Brasil Xpress e G10 Bank Participações, terá mais 16 papéis relacionados nessa primeira etapa. A primeira é uma startup de transporte encarregada da entrega dentro das comunidades, encerrando um gargalo importante na chamada última milha logística, já que aplicativos convencionais e redes de e-commerce encontram dificuldades de atender os moradores de periferia.

 

A outra é uma instituição financeira que atende pequenos e micronegócios localizados nas comunidades. As ofertas de ações previstas nessa primeira etapa de lançamento da Bolsa de Valores das Favelas dependem de due diligence para avaliar os planos de negócios das empresas listadas para fazer o IPO, incluindo aí atividades relacionadas à economia criativa, segundo informa o presidente da DIVI•hub, Ricardo Wendel.

 

Para ele, a bolsa de valores abre um modelo de captação mais barata de recursos às empresas de periferia, sem que haja perda de controle dos negócios por seus idealizadores. Ao mesmo tempo, dados os valores módicos que poderão investir, os moradores das próprias comunidades terão os conhecimentos iniciais de aplicação no mercado de renda variável.

 

“É um passo na democratização do acesso ao mercado de capitais, tanto para empresas da periferia que buscam recursos, quanto para moradores de comunidades que podem, de forma controlada em relação a riscos, aplicar recursos na renda variável”, lembra Ricardo Wendel. Tudo porque o modelo de investimento consiste na emissão de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), com adesão dos investidores a um contrato de investimento coletivo. Ou seja, os investidores não adquirem parcelas do capital social da empresa, mas apenas o sucesso financeiro do empreendimento.

 

Esses ganhos estão previstos em contrato de Sociedade em Conta de Participação (SCP). Como conhecem as empresas presentes em suas comunidades, os moradores poderão se apropriar de parte dos seus ganhos, com investimento mínimo de R$ 10. Há tetos pelos diferentes perfis de investidores, no caso de pessoas físicas. Os iniciantes (não investidores) podem aplicar até R$ 10 mil por ano calendário. Entre os investidores intermediários, até 10% da renda bruta anual, o que pode extrapolar os R$ 10 mil, e sem restrição para os investidores qualificados, razão pela qual alguns investimentos já recebem aportes de R$ 50 mil, dada a viabilidade dos projetos, relata Wendel.

 

No caso da oferta da Favela Brasil Xpress, o contrato de “Revenue Share” é a forma de investimento. Atuante na entrega de produtos em comunidades como Paraisópolis, em São Paulo; Rocinha e Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, a Favela Brasil Xpress tem uma receita média de R$ 200 mil, acumula crescimento de três dígitos desde a estreia em abril (700%), abre uma nova base de distribuição por mês e emprega hoje 90 pessoas – 41 delas com carteira assinada, relata Giva Pereira, fundador e presidente da Favela Brasil Xpress. Já o G10 Bank Participações tem autorização do Banco Central para funcionar e é classificado como o “BNDES das favelas”, tendo em sua área de atuação primária um universo das dez maiores favelas do Brasil, responsáveis por um comércio interno de cerca de R$ 7 bilhões por ano, de acordo com pesquisa do Outdoor Social.

 

Nacionalmente, o potencial de consumo anual das comunidades alcança R$ 159 bilhões. Ricardo Wendel acrescenta que a captação por empresa está limitada a R$ 5 milhões, sua receita deve ser de, no máximo, R$ 10 milhões por ano. Na proposta dos IPOs, investidores receberão os ganhos das aplicações a cada trimestre, com percentuais sobre a receita obtida no período. Ele observa que o seguro é um componente importante nas operações de negócios sociais com papéis na Bolsa de Valores das Favelas. “Teremos ações de economia criativa, como a de influenciadores.

 

Nesse caso, por serem as figuras- chave dos investimentos, essas pessoas precisam de algum tipo de seguro para proteger os investidores, em caso de ficarem impossibilitadas de levar o negócio adiante por morte ou invalidez. Sem falar nos seguros mais conhecidos, como os de danos, para os demais empreendimentos sociais”, exemplificou. Olhando para os demais exemplos de empreendimentos, há de fato um vasto universo a ser explorado pelas seguradoras. Afinal, há seguro para tudo e para todos.