Marco legal da IA pode aumentar controle no setor de seguros

Marco legal da IA pode aumentar controle no setor de seguros

A Inteligência Artificial, que ajuda a precificar riscos e gerir sinistros, terá que prestar contas de seus métodos para um novo regulador, podendo impactar processos internos com auditorias e conformidade regulatória.

Por Renata Batista : Fotos Divulgação, Banco de Imagens

O projeto de lei que regulamenta o uso da Inteligência Artificial (IA) no Brasil foi enviado à Câmara dos Deputados após aprovação pelo Senado no fim de 2024. A proposta, relatada pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO) e baseada no PL 2.338/2023 de Rodrigo Pacheco, prevê sanções severas para infrações, como multas de até R$ 50 milhões por infração ou de até 2% do faturamento bruto das empresas, de seu grupo ou conglomerado no Brasil.

 

São números que assustam, mas não devem frear a inovação no setor, segundo analistas. Com a criação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), coordenado pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), os agentes que desenvolvem e aplicam a IA precisarão seguir novas diretrizes. A avaliação preliminar de risco será obrigatória para sistemas generativos e de propósito geral, enquanto para outras categorias será facultativa, mas recomendada como boa prática.

 

É fácil visualizar os impactos em rotinas e atividades de seguradoras, resseguradoras e corretoras. Ou seja, a IA que ajuda a precificar riscos e gerir sinistros terá, quando aprovado o PL, que seguir regras de governança, impactando processos internos com possivelmente auditorias detalhadas sobre vieses algorítmicos e conformidade regulatória.

 

O PL lista ainda as áreas consideradas de alto risco e sujeitas a regras mais rígidas. Estão na lista: veículos autônomos, controle de trânsito, gestão de abastecimento de água e eletricidade (quando houver risco relevante de interrupção dos serviços e à integridade física das pessoas), avaliação de critérios para elegibilidade a serviços considerados essenciais, seleção de estudantes, decisões de recrutamento, promoção, demissão, análise preditiva de crimes (e todos os riscos de responsabilidade civil e reputação envolvidos) e auxílio em diagnósticos e procedimentos médicos.

 

Inovação e proteção

 

O senador Eduardo Gomes, relator do substitutivo aprovado no Senado, explica que o projeto busca equilibrar inovação e proteção ao consumidor e optou por classificar os riscos em excessivos (proibição de armas autônomas e reconhecimento biométrico em tempo real), altos (exigência de avaliação de impacto e supervisão humana para sistemas de IA de alto risco, como transporte e de aplicações na área de saúde para auxiliar diagnósticos e procedimentos médicos, quando houver risco relevante à integridade física e mental das pessoas) e de menor ou nenhum risco, que são os demais casos (regras simplificadas para chatbots, por exemplo).

 

“O setor de seguros deve priorizar auditorias de viés algorítmico, transparência em decisões automatizadas e conformidade com a LGPD”, afirma o senador.

 

Para o parlamentar, a tramitação na Câmara dos Deputados será complexa, mas deve ocorrer ainda em 2025, com discussões muito focadas na questão de direito autoral, definição de “alto risco” e resistências à centralização de poder na ANPD. Ele defende que o equilíbrio entre regulação e inovação do texto enviado pelo Senado seja mantido.

 

“O PL introduziu diversos instrumentos para relativizar, diminuir e instrumentalizar o equilíbrio da carga regulatória, como é o caso dos sandboxes regulatórios para testes controlados de novas tecnologias e isenções para pesquisa acadêmica, tudo com o objetivo de evitar entraves ao desenvolvimento”, afirma. (ver box)

 

No mercado, as punições previstas no texto – limitadas a 2% do faturamento ou R$ 50 milhões por infração, priorizando advertências prévias — não chegam a ser consideradas entraves à inovação no setor. Rachel Vassalo, gerente de Operações da corretora Inter Risk, especializada em riscos complexos, destaca que a principal preocupação do setor deve ser garantir sistemas seguros e transparentes.  “A multa pode, sim, impactar o desenvolvimento de inovações, principalmente em empresas menores, mas as sanções também visam garantir o uso responsável da IA”, comenta.

 

Segundo Rachel, a regulação pode impulsionar a busca por seguros especializados em Riscos Cibernéticos e de Responsabilidade Civil pelo uso indevido de IA, além, claro, por produtos que deverão ser criados para cobrir os riscos de soluções disruptivas que surgirão em outros segmentos, como os de veículos autônomos.

 

A PwC vem acompanhando a evolução da IA Generativa e seus impactos no ambiente de negócios. Em 2023, no estudo “Inteligência artificial generativa no setor de seguros” (2023), apontou cinco tendências principais (ver box), com base em uma análise que ainda não apontava a maturidade do setor para uma disrupção. Desde então, a evolução da IA no mercado segurador e em toda a economia foi acelerada – e muito.

 

Precificação dinâmica

 

Hoje, a tecnologia já está presente em diversas aplicações, como análise de riscos, automação de subscrição e detecção de fraudes. Algumas seguradoras adotam modelos de IA para precificação dinâmica, ajustando valores com base nos dados em tempo real. No segmento de seguros agrícolas e de bens, a tecnologia avança com o uso de imagens de satélite para regulação de sinistros, tornando os processos mais ágeis e reduzindo custos operacionais. Tudo isso e muito mais.

 

Nesse cenário, a sócia da PwC Denise Pinheiro destaca a importância para as empresas de desenvolver um framework de governança robusto para garantir que seu uso seja seguro e alinhado aos interesses dos stake­holders. Ela é uma das responsáveis pela pesquisa “Gerenciando os riscos da IA generativa”, da consultoria, e destaca que, apesar dos avanços tecnológicos, o papel dos humanos será essencial, pois cuidarão da governança e da supervisão da IA. No caso da legislação brasileira, vão compor as equipes responsáveis pelas avaliações de impacto algorítmico previstas no projeto de lei. Vale lembrar que o texto aprovado no Senado não traz mais a exigência de equipes multidisciplinares.

 

“Quando o uso de IA ainda não era tão disseminado, já havia preocupação das organizações em explicar como os dados eram tratados. Com a GenIA, ficará mais complexo à medida que a própria IA puder trazer essa confiança com mais transparência, mais informação e mais segurança. O setor segurador precisará reforçar a capacitação de seus profissionais para garantir um uso ético e transparente da tecnologia”, explica a sócia da PWC.

 

Regulação da ANPD

 

Além do projeto de lei que chegou à Câmara dos Deputados, a agenda regulatória da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para 2025/2026 incluiu a regulação da IA como uma prioridade. É o sétimo de 16 itens que serão tratados no biênio pela agência.

 

Enquanto a nova lei não é aprovada e coloca a ANPD definitivamente como coordenadora do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), o foco estará na definição de parâmetros interpretativos para a aplicação do artigo da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) que trata do direito de revisão de decisões automatizadas, além de outros temas que tangenciam a LGPD.

 

Em paralelo, a Autoridade está lançando um sandbox regulatório, que permitirá experimentações com o uso de IA generativa, inclusive com a flexibilização de disposições e requisitos legais. A iniciativa permitirá que soluções inovadoras sejam testadas sob a supervisão da ANPD, sem risco imediato de sanções.

 

O sandbox está alinhado às diretrizes do Guia Referencial de Sandbox Regulatório da Advocacia Geral da União (AGU) e busca equilibrar a proteção dos direitos fundamentais com a promoção da inovação responsável. Ele permitirá avaliar soluções em cenários regulatórios experimentais que ajudam a trazer mais segurança jurídica para o desenvolvimento tecnológico. Ao final do processo, espera-se identificar lacunas regulatórias e desenvolver um arcabouço normativo mais adequado aos desafios dessas inovações.

 

O projeto-piloto tem duração prevista de 20 meses. A ANPD está conduzindo o processo de contratação de uma instituição de ensino superior para apoiar sua implementação. Com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), lançou um Edital de Parceria em novembro de 2024 para promover colaboração com especialistas acadêmicos. Essa parceria abrange todas as fases do piloto, permitindo um monitoramento estruturado dos resultados.

 

“A Inteligência Artificial, assim como outras tecnologias emergentes, evolui rapidamente, exigindo que os reguladores acompanhem suas transformações para compreender seus impactos sociais e econômicos. No caso da ANPD, o foco é fomentar sistemas de IA que tratam dados pessoais para que estejam em conformidade com a LGPD, assegurando a proteção dos direitos dos titulares dos dados”, informou a ANPD, por meio de sua assessoria.

 

Discussões globais

 

Para Gustavo Zaima, sócio da PwC que atua na área de seguros, a regulação da IA no Brasil acompanha o ritmo das discussões globais. A China é o único país que já possui um marco regulatório em vigor.” Segundo ele, a União Europeia aprovou uma regra, mas ainda não definiu uma data para implementação. O estado de Nova York estabeleceu regras para prestação de contas sobre o uso da tecnologia.

 

Ele acredita que a implementação de novos controles no setor de seguros ocorra mesmo antes da aprovação final da nova lei pelo Congresso Nacional. Isto porque os agentes do mercado precisarão se adequar ao novo marco regulatório dos seguros no Brasil, aprovado no fim do ano passado.

 

O mercado segurador, que já opera sob uma regulação robusta, terá 12 meses para se adequar ao novo marco regulatório — e, para Zaima, terá que enfrentar o desafio dos sistemas legados.

 

A novidade com a IA é a aceleração no tratamento de informações e as aplicações em eficiência operacional. “É justamente nesse ponto que é preciso ter cuidado para não perder de vista como os dados foram tratados”, completa.

 

Tendências da IA Generativa no setor de seguros

  • Ecossistemas colaborativos – O motor da evolução da IA no setor será a formação de ecossistemas que unam seguradoras, centros de excelência e fábricas especializadas.
  • Apoio às funções existentes – Antes de reinventar o setor, a IA generativa será usada para aprimorar atividades já em curso, como gestão de sinistros e atendimento ao cliente.
  • Transformação digital ampliada – IA generativa impulsionará automação e inovação, acelerando processos e melhorando a experiência do segurado.
  • Novos canais de comunicação – A tecnologia abrirá novos canais de interação, tornando o atendimento mais intuitivo e personalizado.
  • Uso responsável e sustentável – Reguladores, seguradoras e consumidores precisarão garantir que a IA seja empregada de forma ética e segura.

Fonte: PwC

Imagem do Framework da PwC

www.pwc.com.br/pt/estudos/servicos/consultoria-negocios/2023/gerenciando-os-riscos-da-IA-generativa.html