Mercado prevê Selic em dois dígitos no ano com piora da conjuntura

Mercado prevê Selic em dois dígitos no ano com piora da conjuntura

Incertezas na trajetória da política fiscal do País e virtual flexibilização da política monetária do FED, o banco central dos EUA, estão entre os fatores que podem impedir novos cortes dos juros.

Por: Vagner Ricardo

Majoritária no começo do ano, a aposta de fechamento da taxa de juros no ano abaixo de dois dígitos torna-se cada vez mais improvável, dada a piora da conjuntura econômica do País. Agora, a maioria das instituições projeta a Selic final um pouco acima de 10% (10,25% ou mesmo em 10,50%) e mesmo uma mudança do viés de baixa para o de alta, se persistirem os fatores domésticos e externos que repercutem na inflação e alcança a oferta de crédito.

 

Mais uma vez, as incertezas no plano fiscal, refletidas nas taxas futuras de câmbio e juros, são vistas como um campo minado para manter a continuidade de queda da Selic. Soma-se a esse diagnóstico, no plano externo, a perspectiva de que os juros básicos da economia americana terão dois cortes 0,25 ponto percentual ainda neste ano. Tradicionalmente, a política monetária americana tem enorme repercussão global, limitando a liberdade de ações dos bancos centrais de países em desenvolvimento para administrar os juros básicos.

 

Em seu nível mais alto em 23 anos, a taxa de juros do Federal Reserve (FED) estabilizou-se entre 5,25% e 5,5% desde julho de 2023, após aumentos agressivos iniciados em março de 2022 para combater a inflação. Desse forma, a maioria acredita que este fato poderá implicar em fim dos cortes da Selic, permanecendo estável nos atuais 10,50% ou até retomar o viés de alta em algum momento de 2025.

 

“A taxa implícita da Selic já está em alta, indicando a deterioração do cenário. Isso significa que o Banco Central já deveria manter a atual taxa, como ocorreu, ou mesmo iniciar o ciclo de alta desde a última reunião, a de junho. Mais importante do que a taxa definida pelo Copom, aliás, é avaliar o voto de seus membros (na reunião de junho, houve consenso entre os membros, ao contrário da reunião anterior, de votos divididos no corte de 0,25 ponto percentual) para ter uma visão mais clara da política monetária”, assinala o economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central e assessor econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

 

“Manter o equilíbrio fiscal, arrecadando mais do que se gasta para gerar um superávit, é essencial para reduzir a dívida pública e garantir a estabilidade econômica. Um alto endividamento pode aumentar a expectativa de inflação, limitar o crescimento econômico e elevar o desemprego”, destaca o texto da Conjuntura CNseg (nº 104), publicada em junho.

 

CENÁRIO INCERTO

Em junho, o Copom, unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela. Ressalta, ainda, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.

 

O tom mais conturbado da conjuntura econômica já era destacado desde a Ata do Comitê de Política Monetária de maio. Em sua avaliação do quadro externo, a ata descreve um ambiente mais adverso, sobretudo em razão do início da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e a respeito da “velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países”.

 

A ata acrescenta que os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. Dessa forma, o Copom assinala que o cenário externo segue exigindo cautela por parte dos países emergentes.

 

No plano doméstico, os indicadores da atividade econômica e do mercado de trabalho apresentam dinamismo maior que o esperado. “A inflação cheia ao consumidor manteve trajetória de queda, enquanto medidas de inflação subjacente situaram-se acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes”, destaca a Ata do Copom.

 

O BC lembra que as expectativas de inflação para 2024 e 2025, apuradas pela pesquisa Focus, encontram-se em torno de 3,7% e 3,6%, respectivamente. Já as projeções de inflação do Copom, em seu cenário de referência, situam-se em 3,8% em 2024 e 3,3% em 2025. Conclui que, em seus cenários para a inflação, coexistem fatores de risco em ambas as direções.

 

Entre os riscos de alta do processo inflacionário, o Copom enumera maior persistência das pressões inflacionárias globais e resiliência na inflação de serviços do que a projetada em virtude de um hiato do produto mais apertado. Em favor dos riscos de baixa, considera-se uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e o fato de os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado. “As conjunturas doméstica e internacional devem se manter mais incertas, exigindo maior cautela na condução da política monetária”, avalia o Copon.

 

“Uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”, ratifica o documento.

 

Pesquisa da Febraban capta melhora nas projeções de crédito

Esse quadro de incertezas já puxa as taxas de juros de financiamento, acredita o economista Carlos Thadeu de Freitas, mas não deve impedir o aumento das concessões no ano, de acordo com a Pesquisa de Economia Bancária e Expectativas da Febraban, divulgada em junho.

 

“A pesquisa captou uma melhora nas projeções para o crescimento do crédito em 2024, na linha dos números relativamente positivos que temos visto na economia e no mercado de crédito neste início de ano. Contudo, nota-se que essa melhora foi concentrada nas carteiras com recursos direcionados, mais sensíveis às políticas públicas”, afirma Rubens Sardenberg, diretor de Economia, Regulação Prudencial e Riscos da Febraban, acrescentando que, por outro lado, o desempenho esperado para o crédito livre ficou relativamente estável, provavelmente num sinal de cautela em relação à piora recente do ambiente econômico.

 

Segundo o estudo, a projeção de crescimento para a carteira de crédito neste ano registrou nova revisão positiva, de 8,8% (edição anterior) para 9,3%. O destaque para a nova estimativa ficou com a carteira direcionada — alta de 9,9% para 10,1% neste ano — com revisão positiva tanto na linha destinada às empresas (de +8,3% para +8,7%) como para as famílias (de +10,3% para +10,6%).

 

A carteira livre ficou praticamente estável, em 8,6% ante 8,5% da pesquisa de março, contando com expansões de 9,5% para a carteira de Pessoa Física e 7,5% para a de Pessoa Jurídica.

 

A Pesquisa de Economia Bancária e Expectativas da Febraban é realizada a cada 45 dias, logo após a divulgação da ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) e mostra a estimativa dos bancos para o comportamento de diversas variáveis da economia ao longo deste e do próximo ano. A edição de junho da pesquisa contou com a participação 18 bancos.

 

A inadimplência, tema também da pesquisa, apresenta ligeira desaceleração nas projeções. Na carteira Livre, apresentou melhora no ano, saindo de 4,5% para 4,4%.

 

“Com o desempenho do crédito em 2025, a projeção para a alta da carteira total ficou estável em 8,9%. De um lado, houve revisão para cima na carteira com recursos direcionados (+9,1%, ante +8,9%) e, de outro, leve recuo na projeção de crescimento da carteira com recursos livres (+8,7%, ante +8,9%). Já para o próximo ano, a projeção da taxa de inadimplência ficou estável em 4,2%, indicando que a trajetória de queda deve seguir no ano que vem”, afirma o estudo.

 

Especialistas concordam que as incertezas no plano internacional começam a reduzir a paciência dos investidores com os problemas domésticos, principalmente no campo fiscal, identificando instrumentos insuficientes para promover o ajuste das contas públicas em um horizonte palpável.

 

Nível Baixo de Desemprego Pode Impedir Queda da Taxa Selic no Futuro

Diretor do Banco Central do Brasil, Paulo Picchetti classifica de prematura qualquer menção à mudança de viés da Selic. Ao participar de seminário organizado pela FGV em junho, logo após a reunião do Copom que resultou em corte menor da Selic (0,25 ponto percentual), ele reconheceu que a atividade econômica surpreende positivamente, mas a trajetória de queda da inflação persiste, ainda que a expectativa do IPCA e a taxa implícita dos juros básicos, na margem, piorem.

 

Nesse encontro, especialistas que abordavam o mercado de trabalho no País concordaram que a taxa de desemprego mais baixa que o esperado pode se tornar um obstáculo para novas quedas futuras dos juros, sobretudo por tornar a inflação de serviços mais resiliente.

 

Tradicionalmente, a taxa de emprego e a da Selic seguem caminhos opostos. Com a Selic em queda, a tendência é de aumento das vagas de trabalho e redução do desemprego, porque, na prática, a redução na Selic estimula o consumo. Ao subir, a Selic mexe com a dinâmica de consumo e impacta o emprego, já que as empresas deixam de contratar e podem até começar a demitir, se houver esfriamento da atividade. No primeiro trimestre do ano, a taxa de desemprego situou-se em 7,9%, afetando um universo de 8,6 milhões de pessoas.

 

Em artigo, o economista Márcio Holland, professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, destaca que o Brasil precisa passar por um programa de consolidação fiscal de médio prazo, baseado em corte de gastos públicos. Isso é necessário para que os resultados primários sejam suficientes para garantir uma trajetória sustentável da dívida pública.

 

Esse pacotão de medidas saneadoras — que inclui revisão dos subsídios e subvenções de todos os programas de governo e a desvinculação completa de gastos públicos, com o fim da indexação das despesas, etc. — traria benefícios a toda a sociedade brasileira, com oferta de crédito a juros mais baixos, empregos em setores de investimentos intensivos, como infraestrutura, e acesso a bens e produtos mais baratos, tendo em vista que uma das consequências mais extraordinárias de equilíbrio fiscal intertemporal é a inflação baixa.