MIGRAÇÃO INTERNACIONAL: REMÉDIO PARA EVITAR PERDAS ECONÔMICAS FUTURAS
Cerca de 3,6% da população mundial (281 milhões de pessoas) está fora do país de nascimento, um percentual três vezes superior ao registrado em 1970. Por: Vagner Ricardo
Reino Unido e Portugal, dois países que flexibilizaram as regras de imigração recentemente, retomam o ciclo de ingresso de trabalhadores estrangeiros legais após a pandemia atenuar sua incidência. A ação do Reino Unido provocou uma debandada de profissionais de enfermagem do Senegal e colapso na área de saúde do país africano. O viés econômico ainda é o canto de sereia dessa atração — no caso do Reino Unido, a oferta de um salário 15 vezes acima do piso pago no Senegal. Em Portugal, os brasileiros já representam a maior comunidade de estrangeiros no país, quase 30% dos gringos residentes, atraídos por melhores condições de vida.
Os exemplos acima tendem a se multiplicar nas próximas décadas, pontilhando a corrida global da transição demográfica, que amplia parcelas de idosos na população mundial e gera necessidade de acolher mais trabalhadores estrangeiros para evitar queda da produtividade e pressões nos gastos públicos decorrentes do envelhecimento/ inatividade da mão de obra. A migração internacional é vista como um dos remédios mais eficientes para financiar os custos da inflexão e envelhecimento da população mundial. Dados da Agência das Nações Unidas para as Migrações Internacionais (OIM) demonstram o aumento contínuo do número de migrantes nas últimas cinco décadas. A migração hoje é três vezes superior à registrada em 1970 e engloba 3,6% da população global, 281 milhões em 2020.
Esse total de pessoas vivendo em um país diferente do de nascimento em 2020 superou o total da população brasileira, estimada em mais 211,8 milhões de pessoas nesse mesmo ano. Europa e Ásia são até aqui os principais destinos dos migrantes internacionais — de 87 milhões e 86 milhões, respectivamente — compreendendo 61% do estoque global de pessoas. O fotógrafo brasileiro João Luiz Bulcão, de 59 anos, faz parte do time de migrantes. Depois de uma temporada como correspondente no Brasil de uma agência fotográfica francesa, ele decidiu ocupar uma vaga aberta na Gamma-Lianson, na filial de Nova York, em 1994, e não retornou mais ao Brasil.
Em 1997, transferiu-se para Paris, onde mora até hoje. Na França, integra um coletivo de fotógrafos, por meio da agência Hans Lucas, e criou sua empresa, a ParisClicks, buscando atender à demanda de imagens criada com a expansão das mídias sociais. “Morar no exterior tem vantagens e desvantagens. É um confronto diário de perseverança para aceitar códigos de cada país sem cair na armadilha das comparações com o Brasil. Sei que sou imigrante com nacionalidade europeia, mas mantenho as referências culturais e valores do meu País, que acabam sendo fundamentais para fotografar o outro”, resume Bulcão.
FLUXO DA MIGRAÇÃO
A perspectiva é de que o fluxo da migração internacional cresça nos próximos anos, já que a população global com mais de 60 anos deve dobrar nas próximas décadas, passando de 900 milhões, em 2015, para cerca de 2 bilhões, em 2050. A Alemanha, país cujo número de pessoas em idade ativa para o trabalho já decresce, já tornou público que dependerá de imigrantes, sobretudo de profissionais estrangeiros qualificados. É a única saída para evitar que a falta de mão de obra gere impacto na produtividade e ameace sua transição energética. Institutos econômicos alemães destacam um déficit crescente entre trabalhadores em via de se aposentar e de jovens para sucedê-los no mercado de trabalho.
Algo que saltará dos atuais 300 mil postos da força de trabalho para 650 mil em 2029. Pelas estimativas, haverá uma lacuna de 5 milhões de postos na população economicamente ativa em 2030. “Já temos 300 mil vagas de emprego abertas e esperamos que ultrapassem um milhão logo”, declarou Robert Habeck, ministro da Economia e do Clima da Alemanha. Para ele, se essa lacuna não for fechada, o país terá graves problemas de produtividade no futuro. A saída? Imigrantes qualificados ou não nas mais diversas áreas, incluindo cuidadores para seus idosos.
Além da inflexão da população e do apelo econômico, mudanças climáticas, guerras, regimes autoritários e perseguições políticas podem puxar o exército de nômades para qualquer corredor de migração internacional. Hoje, em cada grupo de 30 pessoas, uma é migrante internacional. Olhando os números globais, o Brasil permanece longe do primeiro pelotão da corrida global e, ao que tudo indica, continuará distante do radar de enormes parcelas de migrantes, apesar dos números melhorados na década passada.
Entre 2011 e 2020, 1,3 milhão de imigrantes passaram a residir no Brasil – e os maiores fluxos vieram da Venezuela, Haiti, Bolívia, Colômbia e Estados Unidos, diz o Ministério da Justiça, em resposta à consulta da Revista de Seguros. Nesse período, o País conheceu o céu e o paraíso no plano econômico. No caminho, a recessão do biênio 2015/2016, que ceifou 7,2% da riqueza, o pior resultado em toda a história e, na sequência, a pandemia que fez a economia encolher outros 3,9% em 2020. Nessa conta da migração, incluem-se também os novos refugiados reconhecidos anualmente no País, que saíram de 86, em 2011, para 26,5 mil em 2020. Os pedidos de reconhecimento da condição de refugiado também aumentaram, passando de cerca de 1,4 mil, em 2011, para 28,8 mil, em 2020.
Os dados são do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública e constam do Relatório Anual “2011-2020: uma década de desafios para a imigração e refúgio no Brasil”, elaborado em parceria com pesquisadores do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) da Universidade de Brasília. O relatório do Ministério da Justiça avalia positivamente o desempenho apresentado no contexto migratório, considerando a década passada como uma das mais dinâmicas e multifacetadas. Isso se deve também a mudanças legislativas significativas nas normas de migração, em especial com a edição da Lei nº 13.445/2017.
DESAFIOS MÚLTIPLOS
O potencial do novo marco é ofuscado pelo quadro macroeconômico dos últimos anos e pela perspectiva de baixo crescimento nos próximos anos. Desafios como fragilidades fiscais, taxa de desemprego elevada e enorme informalidade são ossos duros de roer sem ações assertivas e tempo de maturação, além de limitar os espaços dos imigrantes. “Se o Brasil não conseguir aumentar as taxas de poupança e de investimento, não conseguirá incrementar o processo de geração de emprego e renda nem conseguirá aumentar a produtividade e a competitividade internacional”, afirma José Eustáquio Diniz Alves, sociólogo, mestre em Economia e doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG).
Na raiz de todos os males, o País convive com uma taxa de investimento que se perpetua abaixo de 20% nas últimas décadas e que só dá conta de fazer a manutenção da infraestrutura existente, ainda assim com dificuldades. Diniz Alves lembra que países que elevaram sua taxa de investimentos durante décadas, como China e Coreia do Sul, hoje colhem os louros, apresentando níveis de crescimento econômico mais parrudos. Tendo em vista que os dois países eram extremamente pobres há 50 anos, conclui- -se que o Brasil patinou em políticas públicas erráticas e paga o preço de gestões desastradas, comparando-se a desenvoltura das economias asiáticas e a do País. Para o sociólogo, devido à baixa taxa de formação bruta de capita fixo (investimentos), o Brasil está passando por um processo de “especialização regressiva” e de desindustrialização.
Em consequência, está ampliando os mais diversos problemas da sociedade e os desafios da anomia social. Esse quadro tende a se agravar com o rápido processo de envelhecimento populacional. “A população em idade produtiva já cresce menos do que a população total, e o bem-estar só será atingido com o aumento do excedente por trabalhador”, assinala ele. O tempo dirá para onde o Brasil caminha no desafio global da inércia demográfica e suas consequências nas próximas décadas.
O Governo afirma que, por meio do Conselho Nacional de Imigração, atua no sentido de regulamentar diversas hipóteses de autorização de residência cujas finalidades contribuem para a atração de te) — Índia, China, México, Filipinas e Egito os principais países receptores de remessas. O Banco Mundial assinala que Índia e China somaram remessas totais muito superiores aos demais: US$ 83 bilhões e US$ 59 bilhões, respectivamente.
Apesar da ressalva de que não pode captar a integralidade das movimentações, o estudo do Banco Mundial constata aumento nas remessas nas últimas décadas, de US$ 126 bilhões em 2000 para US$ 702 bilhões em 2020.
A pandemia, considerada um evento disruptivo no fluxo de migrantes internacionais (dado o fechamento de fronteiras e do lockdowm), praticamente não alterou o fluxo de remessas internacionais, já que a queda foi de apenas 2,4%. mão de obra e investimentos para o Brasil. Há diversos tipos de autorização, como a de residência para fins de trabalho com vínculo empregatício (Resolução Normativa nº 02/17); a de prestação de assistência técnica (RN nº 03/2017); a de transferência de tecnologia (RN nº 04/2017); a de imigrante administrador, gerente, diretor ou executivo com poderes de gestão, para representar sociedade civil ou comercial, grupo ou conglomerado econômico (RN nº 11/2017); a de realização de investimento de pessoa física em pessoa jurídica no País (RN nº 13/2017); a de capacitação e assimilação da cultura empresarial e em metodologia de gestão da empresa interessada (RN nº 18/2017); a de realização de pesquisa, ensino ou extensão acadêmica com vínculo no País (RN nº 24/018); a de realização de estágio profissional ou intercâmbio profissional (RN nº 26/2018); a de realização de investimento imobiliário (RN nº 36/2018) e, por fim, a de para nômades digitais (RN nº 45/2021).
Dados compilados pelo Governo reportam que, entre 2011 e 2019, foram emitidas 87.570 carteiras de trabalho para latino-americanos solicitantes e refugiados no País. Em 2019, observou- se o maior número de carteiras emitidas, totalizando 36.259. Destaca-se o predomínio de carteiras de trabalho emitidas para homens, mas a diferença entre gêneros vem se reduzindo a partir de meados da década. Em 2014, foram 68,8% homens e 31,2% mulheres, enquanto em 2019, foram 55,7% homens e 44,3% mulheres. Entre as principais nacionalidades latino-americanas em 2019, para pedidos de emissões de carteiras de trabalho, destacaram-se venezuelanos (65,2%), haitianos (23,9%) e cubanos (8,2%).