Mudanças climáticas exigem reestruturação do Seguro Rural

Mudanças climáticas exigem reestruturação do Seguro Rural

Governo e Congresso buscam modernizar o programa para fazer frente aos riscos causados por eventos climáticos extremos e reduzir gastos do Tesouro com perdas crescentes no campo.

Por: Michael Alecrim

O setor agropecuário brasileiro tem sofrido duramente nos últimos anos com os efeitos das mudanças climáticas. Os fenômenos extremos provocam estragos para a produção e prejuízos também para os cofres públicos, que amparam principalmente pequenos e médios produtores. Mas uma alternativa pode atenuar esses danos: é a proposta de reestruturação e modernização do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), que, além de contar com avanços tecnológicos, passaria a cobrir também plantações e pastagens abrangidas pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). As mudanças em discussão tanto no âmbito do governo quanto do Congresso podem ampliar a área protegida para um recorde de 20 milhões de hectares.

 

Enquanto o Seguro Rural consiste na contratação de proteção pelos produtores com subvenções pagas pelo Governo Federal, o Proagro cobre prejuízos causados por eventos climáticos, pragas e doenças, com verbas do Orçamento. Em 2024, por exemplo, o governo despendeu R$ 1,06 bilhão como forma de subsídio ao PSR, cobrindo uma área plantada de sete milhões de hectares. Em contrapartida, o Tesouro teve que gastar R$ 8,5 bilhões para ressarcir prejuízos de agricultores responsáveis por 4,2 milhões de hectares cultivados.

 

Além das discussões no âmbito dos ministérios da Fazenda e da Agricultura e Pecuária, a reformulação do Seguro Rural também está sendo debatida na Comissão de Reforma Agrária do Senado, a partir do Projeto de Lei 2.951/2024, de autoria da senadora Teresa Cristina (PP-MS), que procura estabelecer nova regulamentação para o setor.

 

Segundo Glaucio Toyama, presidente da Comissão de Seguro Rural da FenSeg, o setor de seguros tem participado das discussões nos dois Poderes e encaminhado propostas. Ele acredita que o segmento pode contribuir para um funcionamento mais eficiente da proteção aos agricultores.

 

A ideia é que, por meio de acesso mais amplo ao PSR, os produtores sejam estimulados a adotar tecnologias e técnicas que deem maior resiliência às áreas produtivas, a fim de fazer frente aos eventos extremos, incluindo modelos mais sustentáveis e de multiatividades, que se beneficiem também da preservação de cobertura florestal.

PRODUTOS & SOLUÇÕES

 

A proposta é de que, por meio da inteligência artificial, machine learning, internet das coisas (IoT) e uso de dados, inclusive imagens de satélite, as seguradoras também possam remodelar seus produtos e oferecer soluções mais personalizadas e eficazes. O combate às fraudes e à sobreposição de benefícios também está na agenda.

 

“Toda tecnologia produtiva pode ser abarcada para a redução de custos, já que um produtor que tem muito mais matéria orgânica no solo com certeza traz para o mercado segurador e para ele próprio menos risco de seca, pois a matéria orgânica retém água no solo”, exemplificou Toyama.

 

Segundo ele, para operar com maior disponibilidade de verbas e variedade de culturas, as seguradoras precisam não só usar a tecnologia para calcular os riscos com mais precisão, como devem também adquirir mais expertise voltada para o setor, inclusive com a contratação de especialistas.

 

“A modernização traz consistência de organização estrutural, com relação às iniciativas de governo para o crédito rural e a subvenção. Mas o seguro agrícola é muito volátil no Brasil. Temos que desenvolver expertise, pois não há muitos técnicos preparados para precificar, subscrever e fazer planos de negócio de seguros agrícolas”, explica Toyama.

 

Guilherme Rios, assessor técnico da Comissão Nacional de Política Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), defende, além da reformulação do modelo, a ampliação do volume de recursos do Seguro Rural. São parâmetros para consolidação que precisam da aprovação do projeto de lei já em tramitação no Congresso, incluindo-se aí a criação do Fundo de Catástrofe Agrícola.

 

“O modelo atual de Seguro Rural no Brasil tem diversos problemas, mas a falta de subvenção em volumes suficientes é o principal gargalo ao desenvolvimento da ferramenta. A disponibilização de recursos inadequados, aliada à concentração da subvenção em determinadas culturas e regiões, aumenta os riscos aos quais o mercado segurador está exposto e dificulta a disseminação do seguro em todo o País”, ressalta Rios.

 

Lívia Mathiazi, advogada e coordenadora da área de Seguros e Resseguros do FAS Advogados, acredita que a ampliação da proteção do Seguro Rural, reduzindo o peso do Proagro, pode estimular a eficiência agrícola e a adoção de avanços técnicos contra os efeitos climáticos, em virtude de a iniciativa privada ser mais criteriosa no acompanhamento. No entanto, será necessário, segundo ela, uma transição com grande responsabilidade do governo, para que os agricultores sejam capacitados e tomem as medidas preventivas.

 

“A viabilidade da ampliação dos repasses do Seguro Rural está diretamente condicionada à estruturação de um ambiente regulatório robusto, ao fortalecimento da capacidade técnica das seguradoras e, sobretudo, à construção de uma política de transição que assegure inclusão, transparência e previsibilidade a todos os envolvidos”, argumenta Mathiazi.

 

A ampliação dos repasses do Seguro Rural está diretamente condicionada a uma política de transição que assegure inclusão, transparência e previsibilidade aos envolvidos.