NOVO FENÔMENO FINANCEIRO TRANSFORMA EMPRESAS EM BANCOS

NOVO FENÔMENO FINANCEIRO TRANSFORMA EMPRESAS EM BANCOS

Empresas que atuam fora do setor financeiro estão começando a oferecer crédito, novos meios de pagamento e miram os serviços do mercado de seguros.

Por: Michel Alecrim

A necessidade de adquirir serviços financeiros surge em diversos momentos do dia a dia, como nas compras, em passeios, durante o transporte para o trabalho e até após um acidente. Mas a modernidade está trazendo a possibilidade de adquiri- los através de empresas comuns, fora do sistema financeiro. Trata-se da chamada “embedded finance”, ou finanças embarcadas, em português, que já são oferecidas por varejistas, aplicativos de transporte ou de entregas e cada vez mais pelo comércio eletrônico, mesmo que tenham parceiros especializados na retaguarda.

 

Em países como Estados Unidos, Rússia e Índia tem se mostrado um grande filão para as bigtechs, startups ou companhias tradicionais. No Brasil, essa tendência vem se acelerando principalmente graças à maior flexibilização da regulação do sistema e deve em breve abranger também os serviços de seguros. Um exemplo do rápido crescimento do embedded finance é o do aplicativo de entregas Rappi. A multinacional abriu este ano o RappiBank para oferecer um completo banco digital para empresas parceiras e consumidores.

 

O primeiro produto lançado foi o de crédito para capital de giro para pessoas jurídicas, como restaurantes ou pequenos mercados e farmácias. Em fevereiro, chegou a vez da antecipação de recebíveis. Há planos também para um cartão de crédito para pessoas físicas. Segundo o presidente desse banco digital, João Paulo Félix, a diversificação não para por aqui e os próximos produtos já pensados incluem conta para pagamentos, investimentos e até a venda de seguros.

 

“Nosso objetivo maior é fortalecer nosso ecossistema. Pode ocorrer uma competição dentro dele, o que é inevitável, mas não queremos competir em mar aberto. Procuramos oferecer os melhores serviços financeiros voltados para o ecossistema em que atuamos”, afirma Félix. RappiBank, e outros do tipo, foram estimulados em grande parte pelos estragos da pandemia, que aumentaram a necessidade de crédito para pequenos negócios. A revolução tecnológica digital também contribui para esse fenômeno.

 

Não é à toa que os maiores casos de sucesso tenham vindo de plataformas digitais, como o aplicativo de transportes Grab de Singapura, que se transformou numa carteira digital, e o Yandex, buscador russo, que também está seguindo a mesma trilha.

 

SERVIÇOS TRANSVERSAIS

 

Outros fatores que estimulam o mercado interno brasileiro são as medidas recentes do Banco Central estimulando a desconcentração do sistema financeiro. De acordo com o coordenador do MBA em Finanças do Ibmec/RJ, Filipe Pires, os serviços financeiros vêm se tornando mais “transversais”, facilitando a vida do consumidor e gerando mais receita para quem procura se diversificar.

 

“O Banco Central tem atuado para diminuir a concentração bancária no País, seja na adoção de resoluções que permitem a prestação de serviços, antes restritos a bancos, por outros nichos de empresas, seja na implantação de tecnologias próprias como o PIX, alterando, em definitivo, as estruturas segmentadas, e custosas, dos arranjos de pagamentos à vista e transferências bancárias tradicionais”, explica Pires, citando como exemplo a Resolução 4.565/2018, que regula a criação de SCD (sociedade de crédito direto) e SEP (empréstimo entre pessoas).

 

O BC esclareceu, através de sua assessoria de imprensa, que, ainda assim, quem oferece embedded finance no Brasil precisa ter uma instituição financeira associada ou que faça parte do grupo empresarial. Bruno Diniz, professor da USP e Fundação Dom Cabral, cofundador da consultoria Spiralem, explica que os serviços embarcados são mais atrativos porque podem cair no colo do consumidor justamente na hora em que ele mais precisa. Pode ser a garantia estendida do produto na hora em que o cliente vai pagar ou um seguro contra roubo que aparece quando se trafega por uma zona perigosa. São calcados em estratégias que usam tecnologia avançada, georreferenciamento, big data, etc.

 

Quando se trata de meios de pagamentos, podem estar na ponta dos dedos quando se faz uma busca no Google, que já disponibiliza o Google Pay para quem cadastra seu cartão de débito ou crédito na plataforma. “O ano passado foi um marco no aquecimento desse mercado. Três pilares sustentam esse crescimento: a redução do custo da tecnologia, mudanças regulatórias que diminuem as barreiras de entrada no mercado, e a chegada de novas empresas de banking as a service, que usam licenças tecnológicas para ampliar serviços”, explica Diniz, que é autor do livro “O Fenômeno Fintech”.

 

Segundo ele, a oferta de seguros por empresas que não são do ramo deve receber grande atenção do mercado de embedded finance no Brasil, tendo em vista sua rápida aceitação no exterior. O termo embedded insurance já surge como forma de classificar essa subdivisão entre os produtos. A Amazon, por exemplo, surfou na venda de seguros de vida e de veículos na Índia, país que, como o Brasil, tem reconhecida baixa cobertura para esses produtos.

 

PROCESSO DIGITAL

 

A Superintendência de Seguros Privados (Susep) vem estimulando o setor a trilhar caminho de distribuição de seguros no país, principalmente a partir do processo de transformação digital. Segundo o diretor Rafael Scherre, a atual regulamentação do setor já permite grande flexibilidade para o uso da inovação e o lançamento de novos produtos. Mas ele alerta que empresas que não são do ramo precisam ficar atentas às restrições da legislação.

 

“Empresas que não pertencem ao setor de seguros e que, portanto, não são autorizadas pela Susep não podem ofertar produtos de seguro em que elas mesmas assumam o risco. É necessário ter uma seguradora que seja responsável pelo risco e siga a regulamentação da Susep”, afirma Scherre, alertando também para a necessidade das empresas de fora do setor observarem as regras das suas respectivas atividades. Um exemplo de como essa regulação funciona está na parceria firmada entre Mapfre, Pulso Seguros e Ame Digital para o lançamento recente de seguros para celulares.

 

A seguradora espanhola, presente em mais de 40 países, encontrou na plataforma digital de pagamentos uma oportunidade de maior democratização e facilidade de acesso, aliadas à sua tradição e solidez. “Além de avançar para uma customização da oferta, a grande inovação está na facilidade do processo. Com um caminho simples e intuitivo, o consumidor consegue contratar o seguro. O cartão do cliente já está cadastrado no aplicativo, tornando o processo de compra ainda mais fácil. E o melhor de tudo: ele ainda ganha cashback para gastar com a Ame”, explica Alex Frederico Dias, diretor comercial de Canais Acordos de Distribuição da Mapfre.