NOVOS LEILÕES REFORÇAM IMPORTÂNCIA DOS SEGUROS PARA MITIGAR RISCOS DE PARALISAÇÃO DE OBRAS

NOVOS LEILÕES REFORÇAM IMPORTÂNCIA DOS SEGUROS PARA MITIGAR RISCOS DE PARALISAÇÃO DE OBRAS

Licitações de 20 ativos ainda neste ano devem atrair R$ 83 milhões de recursos privados. Em outubro, o País tinha 7.862 obras paralisadas, segundo o TCU.

Por: Gabriel Oliven

Os investimentos públicos e privados em infraestrutura – essenciais para a plena retomada do desenvolvimento – têm o mercado de seguros como aliado de primeira hora. O setor é um dos alicerces do programa de concessões e privatizações do Governo. Na contramão de um cenário que trouxe pandemia e retração do capital privado, essa agenda reforça o papel do seguro como peça-chave para modernizar portos, aeroportos e estradas, bem como melhorar os programas habitacionais e de telecomunicações, energia e saneamento básico.

 

O programa de concessão de ativos à iniciativa privada ganhou impulso no primeiro ano do atual Governo e foi perdendo velocidade a partir de 2020, com a disseminação da Covid-19. Apesar da crise econômica e das restrições fiscais e orçamentárias, o Ministério da Infraestrutura (Minfra) apostou as fichas no programa. Desde 2019, foram leiloados cem ativos de infraestrutura de transportes, permitindo a contratação de R$ 116,4 bilhões em investimentos.

 

Ao todo, foram 49 concessões de aeroportos; 36 arrendamentos portuários; sete projetos ferroviários; sete projetos rodoviários e a primeira desestatização portuária da história, a da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa). Até o fim do ano, ainda estão previstos leilões de 20 ativos, totalizando cerca de R$ 83 bilhões em investimentos privados.

 

CONCESSÃO DE AEROPORTOS

 

No setor aeroportuário, o Ministério da Infraestrutura mantém a previsão de realizar em 2023 o leilão dos aeroportos de Santos Dumont e Tom Jobim (Galeão), no Rio de Janeiro, conforme anunciado em fevereiro. Anteriormente, os projetos estavam integrados à sétima rodada de concessões de aeroportos, certame que ocorreu em 18 de agosto, quando 15 terminais aéreos foram leiloados e concedidos à iniciativa privada. A estimativa é que o edital para o leilão do bloco a ser formado pelos dois aeroportos do Rio seja lançado no próximo ano.

 

No Santos Dumont, são esperados R$ 1,3 bilhão em investimentos privados durante a duração do contrato. Estudos já em andamento vão estimar a quantidade de recursos necessários para revitalizar o Galeão. Para o secretário-executivo do Minfra, Bruno Eustáquio, o resultado da transformação pela qual passa o setor de infraestrutura de transportes pode ser constatado diante do fortalecimento do programa de concessões. Segundo ele, a meta é contratar R$ 200 bilhões em investimentos privados até o fim deste ano (volume superior ao orçamento anual da pasta).

 

“A entrada de novos investidores e operadores brasileiros e estrangeiros é fundamental para injetar recursos e aumentar a competitividade. Por isso, dialogamos sempre com o mercado e com possíveis investidores, detalhando o processo de aperfeiçoamento pelo qual vem passando o programa de concessões”, afirma. Diante das incertezas no cenário econômico, porém, é fundamental contar com os seguros para mitigar riscos envolvendo projetos de concessão ou de privatização na área de infraestrutura.

 

A paralisação de obras e o abandono da concessão são alguns exemplos. Em fevereiro de 2020, a BR-040 (que liga o Rio a Belo Horizonte) tornou-se a primeira concessão devolvida de forma amigável ao Governo para posterior relicitação. A devolução amigável está prevista na Lei 13.448, de 2017. Desde então, pelo menos oito empresas buscaram essa modalidade de extinção de contratos. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), três concessionárias já manifestaram a intenção de devolver aeroportos: São Gonçalo do Amarante (RN), Viracopos (SP) e Galeão (RJ).

 

MODALIDADES DE PROTEÇÃO

 

No mercado de seguros, as principais modalidades de proteção na área de infraestrutura envolvem o Seguro Garantia, Riscos de Engenharia, Grandes Riscos e Responsabilidade Civil Geral. Este último inclui RC Operações ou Concessões, que cobre as reclamações de terceiros decorrentes de danos causados pela operação, e o RC Obras, que indeniza terceiros por danos causados pelos projetos de infraestrutura. As empresas têm à disposição o Seguro Garantia para licitações, contratos, adiantamento de pagamentos e ações judiciais.

 

No caso das licitações, a contratação da apólice pode ser inclusive uma exigência para participar de concorrências públicas, cartas-convite e tomadas de preços e leilões, quando previsto em edital. Uma modali- dade em expansão é o seguro Garantia Judicial, que traz maior liquidez ao mercado. A contratação de seguro em processo licitatório da administração pública encontra argumentos sólidos. Entre eles, a necessidade de comprovar que o licitante terá condições de executar as obrigações assumidas no contrato. A Garantia Contratual pode ser solicitada em fornecimento de materiais ou equipamentos, construção de obras, execução de projetos, fornecimento de mão de obra e prestação de serviços.

 

O presidente da Comissão de Riscos de Crédito e Garantia da FenSeg, Roque Melo, explica que o seguro Garantia tem por finalidade indenizar perdas decorrentes do não cumprimento de obrigações assumidas no contrato. “O seguro Garantia é o único instrumento contratual que permite ao agente garantidor retomar e concluir a obra sem exigir novo processo de licitação. A apólice também oferece a cobertura de custos adicionais por parte do Estado”, informa.

 

BOM DESEMPENHO

 

De acordo com a Susep, o mercado de seguro Garantia arrecadou R$ 2,2 bilhões em prêmios diretos de janeiro a agosto deste ano, um crescimento de 16% sobre o mesmo período de 2021. Esse bom desempenho deve-se, principalmente, ao aumento da demanda por garantias tradicionais, sobretudo envolvendo projetos de energia, óleo e gás.

 

O aumento da demanda por seguro nos projetos de infraestrutura é confirmado pelo presidente da Comissão de Responsabilidade Civil Geral da FenSeg, Fábio Barreto. O mercado oferece produtos tailor made, permitindo a contratação de coberturas sob medida para os riscos das operações. Segundo ele, os segmentos que mais demandam seguros de RC nos processos licitatórios são, pela ordem: Habitação, Transportes (rodovias e mobilidade urbana), Energia, Saneamento, e Infraestrutura portuária e aeroportuária.

 

Barreto lembra os efeitos da pandemia, que mudou a percepção de risco das seguradoras. “O principal impacto da pandemia foi a interrupção de obras (…). Isso resultou no aumento do tempo de exposição de risco para as seguradoras.” Fábio Barreto, FenSeg “O seguro Garantia é o único instrumento contratual que permite ao agente garantidor retomar e concluir a obra sem exigir novo processo de licitação.” Roque Melo, FenSeg ra portuária e aeroportuária. Barreto lembra os efeitos da pandemia, que mudou a percepção de risco das seguradoras.

 

“O principal impacto da pandemia foi a interrupção de obras, muito mais que a suspensão de licitações. Isso resultou no aumento do tempo de exposição de risco para as seguradoras. Elas tiveram que prorrogar o prazo das apólices além do previsto inicialmente”, esclarece. Outro ramo que se beneficiou dos leilões de concessão e privatização foi o de Riscos de Engenharia.

 

O seguro tem por finalidade proteger o patrimônio relacionado a uma obra. Assim, garante cobertura para os danos materiais causados por imprevistos que resultem em danos ou destruição das obras, de máquinas e equipamentos utilizados na construção. Neste ano, esse seguro teve um crescimento de 67% (de janeiro a agosto), com prêmios diretos de quase R$ 600 milhões.

 

 

INFRAESTRUTURA RECEBE VOLUME DE RECURSOS ABAIXO DO NECESSÁRIO

 

Quase 30 anos após o início do programa de desestatização, a infraestrutura no Brasil recebe um volume anual de recursos bem abaixo do necessário. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que o País deveria investir R$ 344 bilhões ao ano no setor, contra os atuais R$ 135 bilhões – dos quais 70% vêm da iniciativa privada. Em 2021, os desembolsos corresponderam a 1,57% do PIB. É o menor patamar em dez anos.

 

O estudo, denominado “Agenda de privatizações: avanços e desafios”, aponta a necessidade de esforço conjunto de governos e capital privado em busca de soluções. A superação dos gargalos nos diferentes setores da infraestrutura brasileira depende da continuidade e do avanço do programa de concessão e venda dos ativos públicos.

 

“As privatizações precisam avançar e se consolidar como agenda de Estado”, ressalta Wagner Cardoso, gerente-executivo de Infraestrutura da CNI. No período de 2019 a 2022, o investimento em infraestrutura – público e privado – deve fechar em 1,7% do PIB, na média. De acordo com o economista Claudio Frischtak, sócio fundador da consultoria Inter.B, esse nível é claramente insuficiente para impulsionar a economia e ampliar o acesso e a qualidade dos serviços. “Deveríamos investir uma média de 4% do PIB durante 20 anos consecutivos”, complementa.

 

PARALISAÇÃO DE OBRAS É DESAFIO PARA O PROGRAMA DE CONCESSÕES

 

O relatório mais recente do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que 7.862 obras com recursos federais estavam paralisadas ou inacabadas em outubro deste ano, totalizando R$ 15,78 bilhões. Uma a cada três obras deixou de ser concluída. As principais causas para a interrupção são deficiências técnicas, deficiências no fluxo orçamentário ou financeiro e abandono pelas empresas.

 

O cenário reforça a importância do seguro Garantia como instrumento de mitigação de riscos para o cumprimento de todas as obrigações contratuais em caso de obras inacabadas. Além da entrega do bem contratado, o seguro garante o pagamento do valor de outorga, nos casos de concessão, bem como as penalidades aplicadas ao tomador no decorrer do contrato. “O seguro é, sem dúvida, a modalidade de garantia mais utilizada atualmente nos processos de contratação pública, incluindo concessões.

 

As análises de viabilidade técnica e financeira funcionam como filtro adicional para impedir ou dificultar que empresas sem capacidade técnica e financeira participem das licitações”, explica Roque Melo, da FenSeg. A nova Lei de Licitações (Lei 14.133), sancionada em abril de 2021, ampliou a cobertura que pode ser exigida para evitar a paralisação de obras públicas. Em projetos acima de R$ 200 milhões, o seguro Garantia pode ser contratado no montante de até 30% do valor da obra, para permitir sua conclusão.

 

No entanto, segundo Melo, a prerrogativa não é usada em larga escala por parte do Estado. “A expressão até 30% é demasiadamente genérica, podendo até significar zero ou qualquer percentual abaixo desse limite. Baseado na experiência internacional, isso seria insuficiente para fazer frente aos sobrecustos de retomada e conclusão da obra, mesmo considerando o saldo residual do contrato”.

 

Segundo ele, o primeiro desafio é a necessidade de se exigir garantias contratuais, consideradas facultativas na nova Lei de Licitações. “A maior parte das obras paralisadas não conta com qualquer forma de garantia contratual, impondo ao Estado arcar com o prejuízo decorrente do inadimplemento das empresas contratadas”. Outro ponto que merece especial atenção é o fato de que a nova Lei de Licitações, similar ao que ocorre com a Lei 8.666/93, manteve na redação dos artigos 58 e 99 a faculdade de o agente público exigir garantias para as contratações de obras, serviços e fornecimentos. Isso lhe confere a possibilidade de não exigir qualquer forma de garantia.