O Brasil vive uma nova corrida pelo petróleo no curto prazo
A produção brasileira deve se manter em ritmo crescente nos próximos seis anos, levando o País a ocupar a quinta posição no ranking global, com 5,3 milhões de barris por dia. Por: Gabriel Oliven
O cenário atual descortina um panorama de indagações e perspectivas desafiadoras para o setor de petróleo que, no curto prazo, é um poço de abundância: a produção deve se manter em ritmo crescente nos próximos seis anos, atingindo 5,3 milhões de barris por dia em 2030. Será o recorde histórico da indústria nacional — um aumento de 77% na comparação com os 3 milhões de barris diários produzidos em 2023, colocando o Brasil na quinta posição do ranking mundial (hoje está em décimo lugar).
A outra face dessa moeda é um campo de incertezas. A partir de 2031, a extração de óleo inicia uma trajetória de redução gradativa, provocada em grande parte pelo envelhecimento dos poços do pré-sal e pela falta de descobertas de grandes jazidas nos últimos anos. A estimativa para 2034 é que chegue a 4,4 milhões de barris/dia, segundo estudo do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Não por acaso, o estudo aponta que a exploração de novas fronteiras é crucial para sustentar a produção de petróleo na próxima década. A Petrobras quer explorar as bacias da Margem Equatorial e a de Pelotas, como forma de garantir o suprimento energético do País. Conhecida como Foz do Amazonas, a Margem Equatorial é uma fronteira offshore importante para o Brasil, com grande potencial petrolífero, que fica entre o Amapá e o Rio Grande do Norte, estendendo-se por mais de 2,2 mil km ao longo da costa. No entanto, a licença ambiental para explorar petróleo na região foi negada duas vezes pelo Ibama.
Outro fator de preocupação é o tempo. O período entre o começo da exploração (pesquisa) e o início da produção de petróleo pode chegar a dez anos. É uma aposta de longo prazo. Cada projeto envolve diversas etapas: perfuração, avaliação de jazidas, criação de plano de desenvolvimento, fabricação e instalação de plataformas. Ou seja, eventuais descobertas de petróleo na segunda metade desta década só devem resultar em produção efetiva depois de 2034. A Margem Equatorial, caso seja concedida a licença ambiental no futuro próximo, faz parte desse cenário.
“Temos que fazer escolhas agora em relação ao futuro se quisermos participar desse mercado como protagonistas. Já estamos atrasados nesse aspecto. Há uma demanda muito alta de petróleo, que representa uma fonte de energia indispensável. Precisamos garantir a oferta no futuro próximo ou correremos o risco de ter que importar energia de outros países. Esse é o grande dilema do Brasil hoje, o que exige tomada de decisões com urgência para fazer frente à queda das reservas”, alerta o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Rodolfo Saboia.
O dirigente da ANP vê com bons olhos a decisão da Petrobras de apostar suas fichas na revitalização da Bacia de Campos. A região entre o litoral do Rio e do Espírito Santo completou 50 anos desde sua primeira descoberta de petróleo. Foi ali que a estatal conseguiu triplicar a produção entre 1974 e 1984, passando de 200 mil barris por dia para 600 mil. A proposta é extrair o mesmo volume de óleo e gás produzidos desde os anos 1970, com novos poços, técnicas de revitalização de poços maduros e o reaproveitamento de plataformas.
“Ainda há muito petróleo recuperável na Bacia de Campos a um custo baixo, porque a infraestrutura já está pronta. Podemos extrair petróleo com a tecnologia existente e aumentar o fator de recuperação das reservas, que hoje é de 15% a 17%. Temos condições de elevar novamente a capacidade de produção. Com investimentos nos campos maduros, podemos voltar ao patamar de 600 mil barris/dia. Isso vai trazer benefícios para o Brasil”, afirma Saboia.
No próximo ano, a ANP vai leiloar seis novos blocos na Bacia de Campos, que fazem parte do Polígono do Pré-Sal, sob regime de partilha. Hoje são 62 áreas produtoras e 17 blocos em fase de exploração. A empresa responsável pela gestão dos contratos de exploração e produção de petróleo e gás natural em regime de partilha é a PPSA, que atualmente faz a gestão de 23 contratos de partilha de produção, reunindo 15 empresas globais e cinco operadores diferentes.
Segundo a presidente interina da PPSA, Tabita Loureiro, os campos sob regime de partilha representam aproximadamente 45% das reservas totais de petróleo do Brasil. Além disso, os contratos de partilha já respondem por cerca de 30% da produção nacional, ou seja, um milhão de barris por dia. “Em dezembro, faremos o Fórum Técnico e vamos atualizar as estimativas de produção e investimentos para os contratos de partilha. A tendência de crescimento da produção se manterá até o final da década, com mais de dez plataformas entrando em produção nesse regime”, informa.
Neste ano, a PPSA fez um leilão para venda de 37,5 milhões de barris de petróleo, referentes à produção estimada da União em 2025 dos Campos de Mero e Búzios. “No ano que vem, vamos fazer o quinto leilão de petróleo da União para comercializar a produção estimada para 2026. Estamos trabalhando na modelagem do leilão para definir volumes e lotes”, conclui Tabita.
Estudo da Firjan aponta investimentos de US$ 182 bilhões em óleo e gás
O volume de recursos, esperado até o final desta década, é proporcional ao salto estimado na produção global
A indústria de óleo e gás no Brasil já aquece as máquinas para receber investimentos de US$ 182 bilhões até o fim desta década. A estimativa consta de estudo apresentado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) durante a Rio Oil & Gas (ROG.e), principal feira de energia do País, realizada em outubro. O volume de recursos é proporcional ao salto esperado na produção global. Segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a demanda mundial por energia crescerá 24% até 2050. O consumo deve atingir 374 milhões de barris de óleo equivalente diários, contra 301 milhões de mboe/d em 2023.
Na outra ponta, o Brasil enfrenta o desafio da transição energética, com a necessidade de reduzir a emissão de gases do efeito estufa e investir em fontes renováveis. Descarbonização é a palavra-chave. Mas como conciliar essa agenda com a produção em larga escala de combustíveis fósseis?
“A transição energética precisa avançar pela redução da demanda desses combustíveis e não pela redução da oferta. Isso resultaria em aumento dos preços da energia e na restrição do abastecimento. Em outras palavras, pobreza energética”, afirma Rodolfo Saboia, diretor-geral da ANP.
Atualmente, o País utiliza 48% de energia renovável, bem acima da média mundial, que é de 15%. Mas ainda existe um grande potencial de recursos hídricos, solar e eólico a ser explorado, que são essenciais para fazer frente às mudanças climáticas e aos riscos do aquecimento global.
O cenário exige a tomada de decisões responsáveis, com foco em sustentabilidade. A Petrobras, que completou 71 anos de atividades, se diz ciente do seu papel no desafio de mitigar os efeitos da mudança do clima. Em paralelo, ressalta a importância de continuar produzindo petróleo com baixo custo e baixas emissões, tendo em vista sua importância para a economia mundial nas próximas décadas.
Os investimentos da Petrobras em exploração e produção (E&P) seguem com foco no pré-sal, que permite extrair um dos óleos mais limpos do mundo, com emissão de CO2 equivalente por barril 70% inferior à média mundial. As novas tecnologias de produção também seguem o caminho da sustentabilidade.
Um dos projetos em desenvolvimento na estatal é uma plataforma de petróleo movida apenas a energia elétrica, que reduz 20% das emissões de gases do efeito estufa. A empresa desenvolve ainda uma tecnologia para produção de óleo diesel com conteúdo renovável. A primeira unidade do País inteiramente dedicada à produção de bioquerosene de aviação (BioQAV) está em fase de implantação. E o Plano Estratégico 2024-2028 prevê um total de investimentos de US$ 5,5 bilhões em projetos para energias de baixo carbono.
Cresce demanda por riscos de seguros na produção offshore
Levantamento da CNseg MOSTRA que, de janeiro a agosto, as seguradoras arrecadaram R$ 1,7 bilhão em prêmios diretos.
O seguro é um dos grandes aliados da indústria de óleo e gás na prevenção de riscos e na proteção financeira das atividades. Responsável por 10% do PIB industrial, o setor de O&G tem ampliado os investimentos na produção offshore, o que contribui para uma demanda crescente pelo Seguro de Riscos de Petróleo. Levantamento da CNseg aponta que, de janeiro a agosto deste ano, as seguradoras arrecadaram R$ 1,7 bilhão em prêmios diretos via essa modalidade de seguro, uma alta de 34,7% em relação ao mesmo período de 2023.
Esse desempenho está diretamente vinculado a três fatores: sofisticação das coberturas, demanda maior por seguros de construção offshore e crescimento da produção e das operações no pré-sal. A contratação do seguro tem por objetivo cobrir riscos envolvendo a exploração e a prospecção de petróleo e gás natural, seja em terra (onshore) ou no mar (através de plataformas e navios-sonda). No Brasil, o Seguro de Riscos de Petróleo é, em grande parte, ressegurado, por conta do alto valor envolvido e a significativa exposição a riscos ambientais e operacionais.
Dois episódios trágicos serviram de alerta para a indústria de óleo e gás: a explosão da plataforma P-36 no Campo de Roncador, que vitimou 11 pessoas em 2001, e a destruição da plataforma Deepwater Horizon, em 2010, operada pela BP. Mais de 134 milhões de barris de petróleo foram despejados no Golfo do México. Segundo Narely de Paula, coordenadora da Subcomissão de Riscos de Petróleo da FenSeg, as empresas passaram a incorporar a cultura do seguro em suas operações e vêm ampliando a contratação de novas coberturas.
“As companhias abriram os olhos para o seguro de forma bastante criteriosa. De três anos para cá, a Petrobras tem contratado cobertura para o controle de poços. São despesas decorrentes da perda de controle do poço, quando se faz necessário trazer a operação de volta em segurança. É preciso manter o equilíbrio da pressão hidrostática entre o líquido e a rocha para evitar o risco de blowout. Existem equipamentos que ajudam a prevenir esse tipo de acidente, como o BOP — o Blowout Preventer”, explica Narely.
Outros tipos de proteção formam o chamado Energy Package associado a Risco de Petróleo, como a cobertura de danos físicos (para materiais e plataformas), Responsabilidade Civil e a cobertura de construção offshore. Atualmente, dez seguradoras trabalham nesse segmento, que deve atrair novos players por conta dos investimentos elevados em exploração offshore.
“São valores muito expressivos. Somente um navio-plataforma envolve investimentos de US$ 4 bilhões. O Brasil é líder da demanda global por FPSO e vai demandar mais 14 unidades desse tipo. Essas operações fortalecem a relação das empresas com o mercado segurador”, ressalta a coordenadora da FenSeg.
Essa ampliação, de acordo com a executiva, pode ser explicada pelo aumento da sofisticação das coberturas de seguros, pela maior demanda por seguros de construção offshore, e pela expansão da produção e operações no pré-sal.