O PAPEL DO NEUROMARKETING NA VENDA DE SEGUROS NO PÓS-PANDEMIA
Os últimos dois anos trouxeram mudanças tecnológicas importantes que devem ser capturadas pela indústria do seguro como oportunidades. Por: Chico Santos
Apandemia da Covid-19 trouxe, entre múltiplas perplexidades, uma preocupação extra com a situação financeira das famílias, em muitos casos abaladas pela dificuldade de coordenar a preservação da saúde com a preservação da fonte de renda. Pesquisa encomendada em setembro pela SulAmérica ao Instituto FSB constatou que quatro entre dez brasileiros estão mais preocupados com a saúde financeira do que com a saúde física e a emocional.
Paralelamente, o alastramento global do coronavírus e sua persistência em permanecer assombrando as sociedades com seguidas mutações, até mesmo depois da providencial e incrivelmente rápida chegada das vacinas, acentuou nas famílias a insegurança quanto à finitude. Em números, ela é expressa pelos mais de 5,3 milhões de mortes no mundo, mais de 616 mil no Brasil até as primeiras semanas de dezembro do ano passado.
Para a indústria do seguro, o contexto é desafiador. Se por um lado, a insegurança funciona como um gatilho pela busca de produtos e serviços que tragam algum conforto para essa dor, do outro, a crise financeira funciona como uma trava, estimulando decisões racionais de adiar qualquer despesa que não seja uma exigência imediata, como a compra de alimentos. Neste cenário, o neuromarketing pode funcionar como uma alavanca que acione no cérebro decisões que sirvam como antídoto a essa dor da insegurança. Até porque, a mesma pesquisa da SulAmérica mostrou que, em meio às dificuldades do momento, cinco entre dez brasileiros já planejam o futuro financeiro.
O desafio é conquistar espaços dentro desse planejamento comprimido. “As seguradoras e corretoras precisam ter um olhar de lupa para as mudanças que se aceleraram com a pandemia, focar o cliente como o centro do negócio e na variedade de produtos para atender às dores na jornada dele”, teoriza Jacqueline Aricó, professora de Marketing de Serviços da Escola Nacional de Seguros (ENS). Jacqueline ensina que o momento trouxe mudanças tecnológicas importantes que devem ser capturadas pela indústria do seguro como oportunidades.
São os casos da telemedicina, alternativa que ela considera irreversível no relacionamento médico-paciente e que abre espaço para o desenvolvimento de novos modelos de negócios baseados no que ela chama de “quatro pês”: produto, preço, propaganda e praça, essa última entendida como canais de venda.
RACIONAL E EMOCIONAL
O neuromarketing é a aplicação dos conhecimentos científicos da neurologia às técnicas de marketing, de modo a entender as decisões do cliente na compra ou na rejeição de determinados produtos e serviços. O marketólogo Sérgio Ignácio, professor do Instituto Brasileiro de Neuromarketing (IBN) e da FranklinCovey Education, define o neuromarketing como “um sistema de pesquisas que permite ver as respostas não verbais dos consumidores”.
Autor de vários livros, o mais recente deles “Desmistificando o Neuromarketing” (Editora Novatec), Ignácio ressalta que esse sistema de pesquisas se tornou possível quando o marketing passou a se valer de outras áreas do conhecimento para chegar a seus objetivos, começando pela neurociência e passando pela psicologia, antropologia e economia comportamental, entre outras. A expressão “neuromarketing” foi criada pelo holandês Ale Smidts, professor e pesquisador da Erasmus University, na virada do século, mas foram os estudos do médico e pesquisador de Harvard (EUA) Gerald Zaltman, nos anos 1990, que deram origem à nova ciência. Zaltman usou equipamentos de ressonância magnética para medir as ondas cerebrais de consumidores e entender como se definiam suas decisões de compra.
O neurocientista Alexandre Rezende, professor do IBN e da PUC-Campinas, explica melhor: “Se eu conheço adequadamente o cérebro do consumidor, as áreas que respondem aos estímulos que dou, eu consigo levá-lo a enxergar com clareza o produto, o serviço ou a marca que eu quero lhe apresentar”.
Rezende se apoia no livro de Ignácio para ressaltar que se trata de uma abordagem científica que não tem nada a ver com enganar ou hipnotizar o consumidor para fazê-lo comprar Ele lembra que o neuromarketing se apoia em equipamentos avançados da medicina para estudar o comportamento do cérebro humano. De acordo com o cientista, na origem de tudo está a teoria do condicionamento do russo Ivan Pavlov (1849-1936), cujos estudos com animais demonstraram como o cérebro responde a determinados estímulos para os quais é condicionado. Um cão treinado para ouvir uma sineta como chamado para comer vai reclamar seu alimento toda vez que ouvi-la.
Como a carga de DNA passa de geração a geração, as “memórias” ocultas vão sendo preservadas no chamado cérebro emocional, ou primitivo, que, segundo Rezende, responde por 95% das decisões de compras das pessoas. “Os outros 5% vêm do cérebro racional, geralmente para validar a decisão que a pessoa tomou emocionalmente”, informa. Vem desse caminho o marketing baseado nos aromas, nas cores e nos sons. Coisas que parecem naturais, como o bater da porta de um carro, o “cheiro de carro novo” ou até o chiado de um hambúrguer na chapa são, na verdade, produtos de um trabalho cuidadoso de marketing baseado em pesquisas neurocientíficas, explica Ignácio.
SEGUROS E PERDAS
Com base nessas captações das ondas e impulsos cerebrais, como estimular nas pessoas o interesse pelo seguro, um serviço intangível, bem diferente de um carro ou de um sanduíche? “Eu começaria pela visão da psicologia das perdas e ganhos”, sugere Rezende. Neurocientista dedicado ao marketing, ele explica que, segundo os conceitos assentados nas pesquisas da psicologia, o cérebro humano valoriza muito mais a perda do que o ganho.
A proposta, então, é levar o potencial cliente a perceber o quanto ele perderá se não adquirir determinado produto ou serviço, no caso, a apólice de seguro para um determinado bem. “É com base no mesmo princípio, por exemplo, que em alguns casos vende-se mais um produto realçando o que ele não tem do que aquilo que ele tem. Vende mais dizer que um produto lácteo está 80% livre de gordura do que dizer que ele possui apenas 20% de gordura, embora o que está dito seja exatamente a mesma coisa em ambos os casos”.
No caso do seguro, Rezende explica que a perda vai pesar muito no processo decisório, ainda que para evitá-la seja preciso gastar. “Vai gastar dinheiro? Sim, mas se a pessoa tiver dor de cabeça pela falta do seguro será pior”, ensina o professor, ilustrando com o exemplo do carro com airbag. “Quando o airbag era uma novidade que encarecia o preço do carro, o vendedor o mostrava ao interessado na compra o veículo, mas, quando este percebia que o veículo sairia mais caro, dizia: ‘Mas eu não vou usar isso!’ E o vendedor respondia: ‘Espero que o senhor não use mesmo!’”
E, como o airbag só funciona se a pessoa estiver usando o cinto de segurança, sua introdução acabou contribuindo para criar consciência quanto ao uso do cinto por realçar as perdas e danos que adviriam de ignorá-lo, ensina Rezende, explicando como funciona a psicologia comportamental aplicável também ao seguro. “Como o seguro é um serviço intangível, a busca maior do neuromarketing é torná-lo tangível. Quando se consegue tangibilizar essa oferta, fica muito mais fácil falar com o cérebro decisor”, afirma Ignácio.
E como falar com essa área do córtex cerebral? “Por exemplo, demonstrando com imagens o que pode acontecer quando não se tem seguro ou a tranquilidade de se ter seguro”, explica. Outra alternativa, de acordo com o marketólogo, é melhorar sua proposição trabalhando a questão da dor. Como? “Com estratégias de preços”, diz Ignácio, explicando que a questão do valor é muito complexa porque atua na mesma área do cérebro que é responsável pela dor física.
Daí as alternativas de se trabalhar com parcelamento, ofertas especiais e outros caminhos. Outra rota que se adapta bem à venda de apólices de seguros, de acordo com o pesquisador, é o uso do humor, construindo storytelling que se encerre em uma boa piada. “O humor é perfeito para vender seguro”, afirma.
TECNOLOGIA
Paralelamente às técnicas inovadoras, a professora Jacqueline, da ENS, relaciona as oportunidades a serem exploradas com o uso do neuromarketing trazidas pelos avanços tecnológicos, muitos dos quais associados à pandemia da Covid- 19, como a telemedicina já citada. O teletrabalho, ou home office, é outra delas. A casa da pessoa já não é apenas uma casa, é também seu escritório, o seguro vai além do aspecto pessoal e engloba também o profissional.
Na mesma linha, surge o seguro cibernético, voltado para a proteção dos dados que estão não somente no computador, mas também no celular. O risco relacionado com o roubo do celular ganha uma dimensão bem maior e esses fatores, segundo Jacqueline, explicam muito, por exemplo, o crescimento que se observa na carteira de seguro cibernético. Aí entra também o Pix, mecanismo de transferência de dinheiro que começou a funcionar em novembro de 2020 e que rapidamente se popularizou.
“É uma ferramenta importante, mas também mais uma fonte de risco. As empresas de seguros veem isso como uma oportunidade”, explica, citando ainda o seguro Rural, no qual as vistorias agora podem ser feitas com o uso de drones, facilitando a vida das empresas e do cliente, gerando satisfação maior para o segurado. A professora da ENS entende toda essa gama de novas tecnologias e de serviços com alternativas promissoras a serem exploradas com os recursos do neuromarketing, de modo a permitir agregação de valor (upselling) no trabalho de corretagem, inclusive com a venda conjunta de dois ou mais produtos (crossselling).