O perigo anda sobre duas rodas e produz uma geração de inválidos

O perigo anda sobre duas rodas e produz uma geração de inválidos

Os motociclistas representam 52% das mortes ocorridas no trânsito, quase 70% das internações nos hospitais públicos e 85% das vítimas que ficam com incapacidade permanente depois dos acidentes.

Por: Olga de Mello

O crescimento da frota de motocicletas no Brasil causa justa apreensão em autoridades e entidades especializadas em trânsito. Com cerca de 35 milhões de motocicletas em circulação atualmente – em 2000, o número era de quatro milhões –, quase 70% das internações nos hospitais públicos se originam de acidentes envolvendo motociclistas.

 

Para levantar a discussão de políticas públicas a respeito da segurança na condução de veículos, a Fundación Mapfre divulgou os resultados do “Estudo sobre Hábitos e Comportamentos dos Motociclistas no Brasil”, em parceria com o Instituto Brasileiro de Segurança do Trânsito (IST), trazendo dados fechados em novembro de 2024 sobre o uso da motocicleta no País.

 

O estudo entrevistou mais de 1,2 mil motociclistas em todas as regiões, avaliando também os registros de atendimento a acidentados. De acordo com a pesquisa, entre 2000 e 2004, foram registradas 18 mil mortes de motociclistas, enquanto de 2015 a 2019 o número chegou a quase 60 mil óbitos.

 

Atualmente, os motociclistas representam 52% das mortes no trânsito e 85% das que ficam com incapacidade permanente nesse tipo de acidente. Em 2023, foram registradas 13,5 mil mortes em acidentes com motocicletas, contra 12 mil no ano anterior. O perfil dos acidentados traz predominância de homens jovens, entre 20 e 24 anos, e aponta que a maioria dos proprietários deste tipo de veículo tem renda familiar de até três salários-mínimos.

 

O levantamento da Mapfre confirmou ainda o quanto as taxas de mortalidade dos motociclistas brasileiros superam a de muitos países — principalmente os de Primeiro Mundo — e até os latino-americanos México, Argentina e Costa Rica. A taxa de mortalidade masculina devido a sinistros de trânsito no Brasil, em 2019, ultrapassava em 30% a do México, estava 50% acima da registrada nos Estados Unidos, correspondendo ao dobro do índice em Portugal, ao triplo do observado na Itália, quatro vezes acima do Canadá e oito vezes maior do que na Noruega.

 

O aumento da frota de motocicletas deve-se tanto à popularização dos serviços de entrega quanto à facilidade de movimentação no trânsito, principalmente nas grandes cidades. Em alguns estados brasileiros, notadamente no Nordeste, há mais motocicletas do que automóveis particulares, mas boa parte dos pilotos não tem licença para conduzi-las — outro fator agravante de acidentes. Um quadro que, para especialistas em trânsito, só será alterado com punição severa.

ESTÍMULO À IMPUNIDADE

 

Para o economista Rodolpho Rizzotti, coordenador do portal SOS Estradas, o Brasil está criando uma geração de inválidos. Segundo ele, a quantidade de motos em circulação é prova da ineficiência do transporte coletivo.

 

“Os mototáxis e os motoboys que fazem entregas não deveriam transitar entre os outros veículos. E ainda há um estímulo à impunidade, com mídias sociais informando a localização de radares e motociclistas postando vídeos mostrando acrobacias e manobras arriscadas para alcançar milhões de visualizações. Enquanto não houver multas pesadas aos infratores, continuaremos a ver motocicletas circulando sobre calçadas e o fracasso total das políticas públicas”, avalia.

 

As estatísticas de atendimento, no entanto, podem encobrir dados relevantes, segundo o engenheiro Eduardo Benoliel, que trabalhou no desenvolvimento de sistemas de informática de saúde pública, entre eles, o de Autorização de Internação Hospitalar (AIH), em 1983, utilizado até hoje. Recentemente, ele criou a plataforma BI-SUS para democratizar o acesso a informações estratégicas do Sistema Único de Saúde (SUS), que, no entanto, pode ter subnotificação dos casos.

 

“Enquanto o DPVAT vigorou, havia registro de acidentados que não chegavam a receber atendimento. Em muitas localidades do interior, as motos substituíram os jegues. São lugares tão isolados que nem sempre se consegue levar o acidentado a um hospital. Com o fim do DPVAT, ficaremos sem essas informações”, observa o engenheiro.

SEGURO DPVAT

 

A cabeleireira Iris Lee, de 27 anos, foi beneficiada pelo DPVAT quando se acidentou em setembro de 2024, com direito ao seguro em vigência. Um carro abalroou a motocicleta pilotada por seu namorado, e ela teve que se submeter a cirurgias para reconstruir o fêmur fraturado.

 

Durante a licença para a recuperação, ela procurou a DS Beline, assessoria especializada em vítimas de acidentes. A empresa orientou Íris a dar entrada nos pedidos de DPVAT, auxílio-doença e auxílio-acidente. O auxílio-doença é pago a todos os contratados por CLT durante o afastamento do trabalho. Já o auxílio-acidente é concedido aos que não conseguem retomar às atividades profissionais devido a sequelas do acidente. “Fiquei com dificuldades de locomoção, o que afetou minhas atividades”, conta Íris.

 

Segundo Cristiano Maciel, coordenador de Closers da DS Beline, o auxílio-acidente, pouco conhecido, é pago até a aposentadoria a trabalhadores que têm sequelas permanentes. Nos últimos quatro anos, a empresa orientou 20 mil clientes atendidos — 40% relacionados a acidentes de trajeto e 25% envolviam motociclistas.