O PERIGO RONDA AS ESTRADAS DO PAÍS NA BOLEIA DOS CAMINHÕES

O PERIGO RONDA AS ESTRADAS DO PAÍS NA BOLEIA DOS CAMINHÕES

No Brasil, o modal rodoviário concentra 65% do transporte de cargas, inclusive de produtos perigosos, que representam riscos para as pessoas e para o meio ambiente.

Por: Gabriel Oliven

Os sinais de risco estão por toda parte: contaminação, vazamento, explosão, incêndio e morte. Eles servem de alerta para o transporte de produtos perigosos, segmento que mobiliza o mercado de seguros e acarreta uma série de exigências às empresas e aos profissionais envolvidos. Do caminhão-tanque carregado de combustível ao navio que leva substâncias químicas ao exterior, a legislação em vigor trata de reforçar as normas de proteção a essas cargas, de modo a prevenir e mitigar acidentes.  

 

Os planos de gerenciamento de risco exercem papel-chave e ganham peso dobrado no transporte e no acondicionamento de produtos perigosos. Todo cuidado é pouco! Os acidentes podem acarretar danos ao meio ambiente e aos patrimônios público e privado, levar a perdas de vidas humanas, parar rodovias, interromper o abastecimento de água e contaminar recursos hídricos, entre outras consequências. 

 

No Brasil, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), o modal rodoviário concentra 65% da movimentação de cargas, o que traz preocupação para autoridades e a população. Em junho, um motorista de caminhão morreu na subida da Serra de Petrópolis (RJ), quando o modelo bitrem que carregava combustível tombou e explodiu. O óleo se espalhou pela pista da BR-040, atingindo parte da vegetação.

 

Em 2022, somente no Estado de São Paulo, houve 1.012 ocorrências envolvendo o transporte rodoviário de produtos perigosos, contra 1.095 no ano anterior. Os líquidos inflamáveis (incluídos na Classe de Risco 3) responderam pelo maior número de ocorrências, somando 640 casos. De todos os eventos, 47% foram causados por avaria mecânica e 19%, por colisão traseira. Houve 50 casos confirmados de impacto ambiental, a maioria com efeitos no solo. Os acidentes deixaram 30 mortos e 188 feridos. O resultado faz parte do Relatório Anual da Associação Brasileira de Transporte e Logística de Produtos Perigosos (ABTLP).

 

META ZERO

Apesar da ligeira queda em relação ao ano anterior, as estatísticas deixam o setor em alerta. “Qualquer número diferente de zero é alto. Quando esses números são comparados aos sinistros de trânsito, as ocorrências com produtos perigosos são bem menores. Contudo, a preocupação não é quantitativa, pois um único tombamento com vazamento de produto perigoso pode trazer sérios danos à população, ao meio ambiente e às empresas. A meta deve ser sempre zero”, afirma Maria dos Anjos Pereira de Matos, assistente técnica da ABTLP.

 

Segundo os últimos dois relatórios anuais publicados pela entidade (2020 e 2021), os produtos da Classe de Risco 3 registraram os maiores índices de ocorrência: etanol (22%), óleo diesel (19%) e gasolina (12%). Os produtos corrosivos (Classe de Risco 8) vêm logo em seguida, com 12,5%. 

 

Em face do potencial de risco, os cuidados estão sempre relacionados à prevenção, desde o acondicionamento até a entrega da mercadoria. Maria dos Anjos ressalta a importância do treinamento de condutores e da equipe envolvida no transporte, que, segundo ela, deve abranger o transportador, o expedidor, o contratante do transporte e o destinatário, pois a legislação prevê responsabilidade compartilhada. 

 

“As empresas precisam estabelecer mecanismos técnicos e administrativos para a gestão preventiva dos riscos decorrentes do transporte de produtos perigosos. O objetivo é reduzir e controlar os fatores que contribuem para as ocorrências. Daí a importância de acompanhar os requisitos legais como forma de garantir um transporte correto e seguro”, complementa Maria dos Anjos, lembrando que a ABTLP criou uma Comissão Especial para discutir semanalmente esses requisitos.

 

O transporte e o armazenamento desse tipo de carga exigem cuidados especiais e um planejamento minucioso. De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), produtos como fertilizantes, bioquímicos, combustíveis e materiais tóxicos, radioativos ou corrosivos são considerados de natureza perigosa. 

 

Dependendo da carga, as exigências podem incluir Autorização Ambiental para Transporte de Produtos Perigosos, emitida pelo Ibama, um rótulo de risco, painel de segurança e autorizações de órgãos como o Exército, a Polícia Federal e a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

 

REGULAMENTAÇÃO NO PAÍS

No Brasil, o transporte de produtos perigosos é regulamentado pela Lei 10.233/2001 e por resoluções da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). No caso da ANTT, a resolução mais recente é a 5.998/2022, que atualizou a relação de produtos perigosos. Em vigor desde 1º de junho, ela contempla infrações classificadas em quatro grupos, de acordo com a gravidade, e multas que variam de R$ 500 a R$ 6 mil. A fundamentação técnica vem das recomendações internacionais do Comitê de Peritos no Transporte de Produtos Perigosos da ONU, que são atualizadas periodicamente.

 

 A ANTT fiscalizou mais de dez mil carregamentos de produtos perigosos em rodovias e ferrovias desde o início do ano passado. Os principais alvos das operações foram os municípios de Foz do Iguaçu, Magé, Paracambi e Porto Alegre. Neste ano, de janeiro a julho, houve 1.616 fiscalizações, com lavratura de 1.839 autos de infração. Em 2022, foram 8.409 fiscalizações, com 5.872 autos de infração. As principais irregularidades dizem respeito aos equipamentos para situações de emergência inadequados para uso ou incompletos e à sinalização do transporte de produtos perigosos.

 

Considerando o risco potencial dessas cargas, a margem de erro é muito pequena. Nas rodovias, os horários em que o caminhão pode circular nas estradas, o itinerário e os locais permitidos para paradas devem ser controlados com rigor. Os veículos não podem circular em regiões densamente povoadas ou próximas de reservatórios e reservas. Além disso, é preciso portar todos os documentos relacionados às licenças exigidas, como os Certificados de Inspeção para o Transporte de Produtos Perigosos (CIPP) e de Inspeção Veicular (CIV).

 

Já os motoristas devem ter a certificação de Transporte de Produtos Perigosos (TPP), oferecida pelas empresas contratantes. Eles necessitam ainda do certificado de Movimentação Operacional de Produtos Perigosos (MOPP) e do curso de especialização regido pelo Conselho Nacional de Trânsito. Em paralelo, os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) são peças obrigatórias para condutores e para todos aqueles que operam a carga e a descarga do veículo.

 

REPARAÇÃO DE DANOS

O mercado de seguros contribui para fortalecer a proteção de todos os agentes envolvidos nesse segmento, além de reparar possíveis danos ao meio ambiente e a terceiros. Em primeiro lugar, existem os seguros obrigatórios no transporte de cargas em geral. Os mais conhecidos são aqueles feitos para transportadoras e embarcadores. O RCTR-C, conhecido como seguro de acidente, é obrigatório para todas as empresas que prestam serviços de transporte e cobre prejuízos causados por tombamento, colisão, capotamento, incêndio e explosão.

 

Outro seguro para transportadores é o Responsabilidade Civil – Desaparecimento de Carga (RCF-DC), conhecido por seguro de roubo, que cobre o roubo da carga simultaneamente ao do veículo e a apropriação indébita da mercadoria. Além dos seguros para transportador, existe também o Seguro de Transporte Nacional (TN), disponível para o proprietário da carga ou o embarcador, que também é obrigatório por lei.

 

As cargas perigosas são contempladas no Seguro de Responsabilidade Civil e Ambiental, que tem cobertura mais abrangente e inclui perdas e riscos relacionados às mercadorias descritas como perigosas. A garantia envolve os danos causados a terceiros e ao próprio veículo de transporte. Também estão cobertos os danos decorrentes de poluição causados por vazamento, contaminação, incêndio ou explosão. Entre eles, os custos para limpeza da pista em caso de vazamento e redução de impacto ambiental.

 

“Não há falta de oferta quando se trata do seguro para transporte de cargas perigosas. O produto é desenhado conforme a demanda do cliente e o tipo de carga em questão. Os planos de gerenciamento de risco e de redução de acidentes passaram a ser condição fundamental para a aceitação do seguro. De modo geral, transportadoras e embarcadores precisam do respaldo de uma seguradora quando se trata de uma carga tão exposta a riscos”, explica Marcos Siqueira, vice-presidente da Comissão de Transportes da FenSeg. 

 

Um ponto importante nesse sentido é a Lei n° 14.599/2023, que disciplina as novas regras sobre o seguro no transporte rodoviário de cargas. Até então, a Lei 11.442/2007 permitia que o seguro nesse modal pudesse ser contratado tanto pelo transportador quanto pelo embarcador. Agora, o artigo 13 incluiu a exigência de que a contratação do seguro, em relação à carga e à frota de veículos, seja obrigação do transportador. 

 

Siqueira acredita que os motoristas, de modo geral, estão mais preparados para lidar com o transporte de produtos perigosos. No entanto,  ele propõe que as empresas criem planos de benefícios que estimulem os condutores a prevenir acidentes. “Eles podem receber prêmios e bônus por bons resultados. Dessa forma, terão mais comprometimento e evitarão riscos desnecessários”, acrescenta.

 

A Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR), entidade criada em 1983, defende uma série de medidas para aperfeiçoar os mecanismos de risk management. Entre elas, a ampliação da cultura e da percepção das empresas em relação aos riscos; a importância da gestão técnico-financeiro dos riscos ambientais; e o reforço da correta estruturação e contratação de programas de gestão de riscos e seguro para toda cadeia de produção e consumo. 

 

Na opinião de Idenes Pedro Magalhães Júnior, conselheiro fiscal da ABGR, e de Alfredo Chaia, membro do Conselho Deliberativo da entidade, a integração do gerenciamento de risco e a fiscalização das autoridades ajudam a mitigar os riscos de acidentes. De modo geral, ambos veem a fiscalização de rotina por órgãos oficiais aos embarques como “branda”. 

 

“As autoridades estão com foco na fiscalização eletrônica, e as informações geradas nos meios digitais têm sido cada vez mais utilizadas. Mas, para evitar acidentes, é imprescindível uma inspeção visual e técnica, pois somente dessa maneira é possível avaliar aspectos ofensores à segurança no trânsito”, avalia Magalhães Júnior. 

 

Segundo ele, alguns estados já estão criando comitês de estudos e prevenção de acidentes e danos ambientais, com forte intervenção em acidentes e autuações aos intervenientes, embarcadores e transportadores.