O relógio climático corre mais rápido que os financiamentos

O relógio climático corre mais rápido que os financiamentos

O mundo precisa de cerca de US$ 7 trilhões anuais até 2030 para viabilizar a transição verde. Peça-chave no processo, o Brasil carece de políticas e instrumentos financeiros.

Por: Gabriel Oliven

Não há tempo a perder. Quando se trata de salvar o planeta, o relógio climático corre mais rápido que a burocracia financeira. Estimativas da ONU e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam a necessidade de investimentos anuais entre US$ 5 e 7 trilhões até 2030 para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Essa demanda reflete o enorme volume de capital exigido para financiar a transição para a Economia Verde, incluindo ações de combate à pobreza, mitigação das mudanças climáticas e preservação da biodiversidade. Hoje há uma lacuna de pelo menos US$ 2,4 trilhões/ano nesse fluxo de recursos.

 

O cenário impõe uma reestruturação das finanças em escala global, com o realinhamento das esteiras de crédito e a criação de novos modelos de investimento sustentável. A emergência climática é uma prova de fogo para o sistema financeiro — e ele ainda não está à altura do desafio. O Brasil, por seu tamanho, biodiversidade e matriz energética, é peça-chave nesse tabuleiro. Mas o País carece de uma engenharia financeira que transforme esse potencial em realidade. Ou seja, sair do discurso para a ação. Sem políticas consistentes de “investimentos verdes”, não haverá transição justa nem futuro habitável.

 

Há alguns anos, instituições como o Banco Mundial e o FMI vêm intensificando ações e programas voltados ao desenvolvimento sustentável. O primeiro foi responsável pela criação do Fundo de Resiliência e Sustentabilidade (RST), em 2022, com US$ 40 bilhões para apoiar países de baixa e média renda em transições climáticas e sanitárias. Já o FMI lançou o Plano de Ação Climática 2021-2025, que destina 35% dos financiamentos a projetos relacionados ao clima. Além disso, bancos comerciais e de investimento vêm ampliando o chamado crédito verde, com a emissão de títulos sustentáveis (green bonds) e financiamento de projetos de transição energética em escala.

 

Essa linha de atuação também atrai bancos e instituições de crédito no Brasil. Segundo Guilherme Teixeira, sócio de Consultoria em Finanças Sustentáveis da ERM, hoje a maior fonte de capital para combater as mudanças climáticas é o setor financeiro, com destaque para bancos de desenvolvimento e comerciais. Mas há dois pontos que exigem atenção redobrada: diversificar os instrumentos financeiros usados com enfoque climático, incluindo garantias e outros mecanismos de de-risking; e ampliar a destinação de recursos para adaptação climática.

 

“Os efeitos das mudanças do clima já vêm sendo sentidos e serão cada vez mais relevantes. No Brasil, precisamos de capital, principalmente para ter infraestrutura e agricultura adaptadas a esse cenário”, aponta.

 

Teixeira enxerga um horizonte de oportunidades na gestão de riscos ambientais e climáticos, e uma ferramenta relevante são as operações de dívida rotuladas como sustentáveis. “No Brasil, já são mais de 500 operações, que começaram há dez anos com os green bonds e foram se diversificando. Hoje somam mais de R$ 400 bilhões de empréstimos, CRAs e debêntures, entre outros”, ressalta.

 

PAPEL CENTRAL

 

Na opinião de Maria Netto, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), o setor financeiro privado tem papel central para reduzir a lacuna de financiamento climático nos países emergentes e em desenvolvimento. Bancos comerciais, fundos de pensão, gestoras de ativos e seguradoras podem ampliar o pipeline de projetos viáveis e apoiar melhorias regulatórias e do ambiente de negócios. Ela sustenta que é possível gerenciar riscos e alinhar oportunidades a perfis de retorno exigidos por investidores e reguladores.

 

“O capital doméstico é crucial para atender necessidades específicas e financiar em moeda local, e o capital internacional traz escala, expertise técnica e acelera a difusão de novas tecnologias. São papéis complementares e exigem coordenação”, alerta.

 

As instituições financeiras, segundo Maria Netto, dispõem hoje de um conjunto crescente de ferramentas para implementar a agenda verde. Entre elas, destacam-se: metodologias de avaliação de risco climático e socioambiental, taxonomias verdes para classificação de ativos e operações, mecanismos de precificação de carbono, cenários de transição, instrumentos de finanças sustentáveis, como títulos verdes, empréstimos vinculados a metas (Sustainability Linked Loans) e fundos de blended finance.

 

“É necessário intensificar a oferta de crédito bancário destinado a práticas ESG, sobretudo em setores-chave como agricultura sustentável, energia renovável, infraestrutura resiliente e soluções baseadas na natureza. Ao mesmo tempo, a integração da gestão de riscos, oportunidades e impactos socioambientais deve ser parte do core business das instituições. Dessa forma, garante que a geração de valor financeiro esteja atrelada ao valor social e ambiental de longo prazo”, alerta.

 

Felipe Nicola, diretor de Clima e Sustentabilidade da Oliver Wyman, concorda que os investimentos globais são insuficientes para atender à dimensão do desafio climático. Na COP29 (Baku), os países reconheceram a necessidade de mobilizar cerca de US$ 1,3 trilhão/ano até 2035 no conjunto de fontes públicas e privadas — patamar ainda distante do que previu o Acordo de Paris. Mas elogia o sistema financeiro no Brasil ao endossar compromissos de redução de emissões escopo 3, fortalecimento de políticas de risco climático e uso de mecanismos para financiar práticas sustentáveis.

 

Como exemplo, Nicola cita que, em 2024, as emissões de títulos temáticos no Brasil ultrapassaram R$ 100 bilhões. Além disso, os bancos avançam na captação de recursos para projetos sustentáveis e no desenvolvimento de novos produtos (como financiamento de painéis solares, veículos elétricos, práticas agropecuárias sustentáveis).

 

“A trajetória dos bancos vai na direção certa. Mas é preciso ganhar mais escala para fechar a lacuna de investimento e fortalecer as práticas de governança e os novos mecanismos de captação e financiamento”, observa.

 

PASSO À FRENTE

 

Já o setor de seguros — que tem papel central na agenda de sustentabilidade — dá um passo à frente no gerenciamento de riscos e na mitigação de perdas relacionadas à emergência climática. Durante o 3º Workshop de Seguros para Jornalistas, em agosto, no Rio, foi apresentado o projeto de Hub de Inteligência Climática, que está sendo desenvolvido pela equipe do professor Fernando Teixeira, da Universidade Federal de São João del Rei, para a CNseg.

 

Para a CNseg, o maior desafio nos próximos anos será rever a modelagem de análise de risco, já que o método tradicional, baseado em estatísticas passadas, não consegue mais capturar a realidade atual. O impacto das mudanças climáticas é sentido, por exemplo, no seguro rural, que enfrentou graves problemas de precificação, principalmente nos últimos anos.

 

A CNseg também atua em fóruns internacionais, com presença na London Climate Week, no Fórum Brasil-França de Seguros e na Europe Insurance Meeting, o maior evento de seguros da Europa. A urgência do tema é global: no ano passado, o mundo registrou US$ 368 bilhões de prejuízos econômicos decorrentes de eventos climáticos, dos quais 40% foram suportados pela indústria de seguros.