OS BÔNUS E OS ÔNUS DA BOMBA DEMOGRÁFICA A CAMINHO DO BRASIL
Envelhecimento acelerado exige aportes crescentes para custear a saúde pública e os benefícios previdenciários, e gera impactos no mercado segurador. Por: Vagner Ricardo
Os efeitos colaterais da bomba demográfica estão a caminho do Brasil, provocando extraordinária repercussão na economia, nas empresas e nas três esferas de Governo nas próximas décadas. Significa conviver com um maior contingente de idosos, migrações internas e externas da população, forte queda na taxa de natalidade e aumento da expectativa de vida, e buscar respostas assertivas para atuar nesse cenário desafiante e único.
Presidente da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) de 2019 a 2022 e conselheiro do International Institute of Administrative Sciences Diogo Costa adverte que sociedades envelhecidas perdem a capacidade de manter um crescimento sustentável a longo prazo. “A diminuição da taxa de natalidade encolhe a força de trabalho e pressiona os sistemas de saúde e segurança social, exigindo mais recursos sem a devida reposição de contribuintes jovens”, destacou ele, em artigo publicado no Instituto Millenius, think tank que identifica problemas e soluções para os desafios econômicos e sociais do País.
Para empresas, essas mudanças demográficas podem representar uma guinada sutil (ou não) no padrão de consumo das famílias, sobretudo nas lideradas por idosos. Para os entes públicos, crescentes aportes para custear a saúde pública e os benefícios previdenciários, sacrificando outros investimentos públicos estratégicos: educação, habitação, infraestrutura etc. Com o provável desequilíbrio das contas da previdência pública no futuro, algumas vozes já preveem a necessidade de nova reforma nas próximas décadas.
Por fim, para as economias, há a ameaça virtual de perda de produtividade pelos gaps gerados pelo envelhecimento da população, dificuldades de repor a mão de obra e fuga de cérebros, já que o assédio de jovens e profissionais mais bem qualificados tende a se agravar. O número mais recente da ONU diz que 281 milhões de pessoas, ou 3,6% da população global, formavam o exército de migrantes em 2020. Esse número deverá dar saltos nos próximos anos, já que a corrida por mão de obra começa a se intensificar.
O Reino Unido, por exemplo, emitiu 17,4 mil vistos de trabalho a profissionais de saúde e cuidadores do Zimbábue nos últimos 12 meses encerrados em março, colocando em crise o sistema médico do país africano. Portugal flexibilizou as regras de ingresso para atrair a comunidade lusa espalhada no mundo. Austrália é outro país que se destaca por atrair estrangeiros. É o começo da disputa que englobará cada vez mais países numa busca desenfreada por profissionais estrangeiros.
PRESSÃO NOS CUSTOS
A transição demográfica é também um novo capítulo de desafios, oportunidades e pontos cegos para o mercado segurador. Para a Saúde Suplementar, o envelhecimento da população representa crescente pressão nos custos de seus planos; para Previdência e Vida, oportunidades de mitigar os custos financeiros futuros da velhice. Para Danos e Responsabilidades, um jogo de perde e ganha, sobretudo entre as médias e pequenas seguradoras, com a migração interna crescente, o que pode deixar o consumidor de hoje fora de seu alcance amanhã.
Vale lembrar que os primeiros dados do Censo Demográfico de 2022, publicados pelo IBGE em junho, destacam a perda absoluta de população em estados como Rio de Janeiro e Bahia e identificam uma marcha para o Centro Oeste, destaca o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves.
Ainda que os dados do novo Censo sejam preliminares e possam ser vistos como difusos para o segmento de Danos e Responsabilidades, seus efeitos são mais cristalinos e previsíveis para os segmentos de benefícios do mercado segurador. Afinal, o Brasil começa a envelhecer mais rapidamente que o esperado, há uma migração interna e externa em andamento, o bônus demográfico aproxima-se de seu fim e, a partir de 2040, o País poderá conviver com o começo da inflexão da população, descreve José Eustáquio Diniz Alves.
Para ele, com a contagem regressiva do bônus demográfico (maior proporção de pessoas em idade de trabalhar), “o Brasil dependerá cada vez mais de salto na produtividade e do fim do etarismo, para incorporar mais idosos ao mercado do trabalho e tentar sair da armadilha da renda média.”
O Censo informa que o País contava com 203 milhões de pessoas no ano passado, dez milhões a menos que o estimado pelo IBGE anteriormente, resultado que indica crescimento populacional de apenas 6,5% entre 2010 e 2022, o menor já observado no Brasil. O número é bem abaixo dos 213 milhões previstos pelo próprio IBGE em 2021 ou os 207,8 milhões de 2022.
AUMENTO DE IDOSOS
Um paper da FenaSaúde examina os impactos do envelhecimento nos planos de saúde e lembra que, em 20 anos, o País mais que dobrou sua população idosa. “O Brasil saltou de 13 milhões de pessoas com 60 anos em 1998, para 34 milhões de idosos hoje. A França, por sua vez, levou 115 anos para dobrar seu contingente de idosos. E os Estados Unidos, quase 70 anos”, informa o documento.
No Brasil, em 2040, aponta o estudo da Federação, já teremos mais idosos do que jovens de até 19 anos. Até 2052, a população de brasileiros com mais de 60 anos vai dobrar de tamanho de novo. Serão 68 milhões. A frequên-
cia de utilização vem crescendo ao longo dos anos e, portanto, se mantivermos tudo como está, não será possível garantir com qualidade a assistência à saúde”, adverte.
O estudo assinala que o sistema suplementar precisa ser repensado e reorganizado para fazer frente à transição demográfica, porque sua sustentabilidade é ameaçada quanto menor for o número de jovens. “Garantir o funcionamento do sistema diante do envelhecimento populacional torna-se um desafio, porque a Saúde Suplementar tem como pilar o mutualismo e o pacto intergeracional, ou seja, os jovens custeiam parte da utilização do sistema pelos idosos”, diz o documento.
O estudo afirma que não há uma bala de prata para garantir a sustentabilidade, visto que, além dos fatores estruturais, há aspectos conjunturais que influenciam esse equilíbrio, como o cenário macroeconômico do País e o nível de emprego formal.
O que fazer? “Diante desse cenário, as operadoras de planos de saúde vêm investindo, cada vez mais, em programas de promoção da saúde e prevenção de riscos de doenças e no gerenciamento do cuidado ao paciente, a fim de aumentar a qualidade de vida dos beneficiários e, consequentemente, reduzir os gastos com as complicações e agravamento principalmente de doenças crônicas”.
Além disso, medidas para racionalizar o uso do sistema, aumentar a eficiência e reduzir custos são desafios em âmbito mundial. A tecnologia ocupa papel central nessa estratégia, e sua adoção e disponibilização pelos planos de saúde exigem análises rigorosas de custo-efetividade.
De qualquer forma, é preciso ter no radar que o aumento da proporção de idosos nos planos produz crescimento dos custos e desequilíbrio no sistema. A razão é que os integrantes dessa faixa etária geram mais despesas assistenciais em relação às demais, porque sofrem mais de doenças crônicas (como hipertensão e diabetes), exigem acompanhamento médico constante, e males que demandam exames mais sofisticados e custosos. Entre as saídas para atenuar o desequilíbrio esperado, a FenaSaúde defende a flexibilização para comercialização de novos produtos, a fim de que as operadoras diversifiquem suas ofertas, com diferentes tipos de cobertura e valores das contribuições.
DESAFIOS DEMOGRÁFICOS
Sobre o pronunciado envelhecimento da população, o presidente da FenaPrevi, Edson Franco, afirma que os planos previdenciários e os seguros de pessoas têm papel fundamental nesse quadro.
Edson entende que a tendência das seguradoras é de ampliar a oferta de produtos, tornando-os mais flexíveis e customizáveis às necessidades dos mais diversos consumidores, focando em todo o seu ciclo de vida. Nesse sentido, lembra ele, é vital atualizar o marco regulatório para ampliar a gama de produtos, como o seguro de Vida Universal, consagrado no mercado global, bem como a estruturação de novos tipos de rendas.
“As seguradoras aguardam o novo marco regulatório dos planos previdenciários, para estruturar rendas condizentes com o cenário demográfico de aumento da longevidade. Precisamos agregar ao portfólio uma formatação de rendas mais moderna, com maior flexibilidade e customizáveis, aderentes às diferentes necessidades do cliente durante todo o período de ‘aposentadoria’. Ou seja, uma nova estrutura de rendas que considere as alterações sociais, o novo perfil da população 60+ e a dinâmica do novo mercado de trabalho. Somente desse modo conseguiremos ter um olhar voltado às necessidades dos consumidores ao longo de todo o ciclo de vida para melhor atendê-los”, assinala Edson Franco.
Para ele, o Brasil precisa criar as condições necessárias para ampliar a presença dos seguros de pessoas e dos planos previdenciários, visando a redução do gap de proteção à renda. “Estamos vivendo mais e, portanto, necessitamos poupar mais para conquistar proteção por mais tempo. Países desenvolvidos têm elevadas taxas de participação dos seguros e da previdência privada na economia, pois crescimento e proteção andam juntos”, lembra ele.
Edson Franco acrescenta que a proteção à renda, por meio da contratação de planos previdenciários, se torna ainda mais relevante, pois o envelhecimento da população mais rápido do que o esperado, decorrente da retração da taxa de natalidade mais acelerada do que o previsto e do aumento da longevidade, mostram que o pacto intergeracional, no qual se baseia o sistema público de previdência, está cada vez mais fragilizado.
Há um grande gap de proteção à renda a ser mitigado. “Sem dúvida alguma, há um enorme potencial, principalmente quando consideramos o baixo percentual da população que se encontra amparada pela proteção dos produtos previdenciários e securitários”, afirma o presidente da FenaPrevi.
São 11 milhões de brasileiros com planos de previdência complementar aberta, o que representa 5,3% da população brasileira, conforme dados do Censo Demográfico de 2022. Se considerarmos os participantes do sistema de previdência fechada, o percentual da população que está coberta pelo sistema de previdência complementar (aberta + fechadas) é de 7,2%.
Atualmente, os planos individuais atendem a 8,7 milhões de brasileiros, Já os planos coletivos de previdência aberta reúnem 2,3 milhões de participantes, o que representa somente 4,6% dos 60 milhões de trabalhadores formais (PNAD Contínua – 1º trimestre de 2023), demonstrando que ainda há muito potencial.
No caso dos seguros de pessoas, o valor anual dos prêmios representa apenas 0,6% do PIB nacional. Participação bem inferior quando comparado à dos seguros em economias vizinhas.
Os ativos em planos de previdência representam 25% do PIB (2021), 12,5% se considerarmos apenas a previdência aberta. O País é a 11ª economia mundial em 2022, mas está em 26º lugar (total de 71 países) em representatividade dos ativos, segundo a FenaPrevi.