OS IMPACTOS DA JUDICIALIZAÇÃO NO MERCADO DE SEGUROS

OS IMPACTOS DA JUDICIALIZAÇÃO NO MERCADO DE SEGUROS

Eventual inclusão de sinistros não previstos desequilibra o contrato de seguro, gerando custos adicionais a todos os grupos de segurados.

Por: Ana Tereza Basilio e Paula Menna Barreto Marques

Um tema que tem sido objeto de profundo debate acadêmico é a chamada excessiva judicialização. No que diz respeito especificamente ao mercado segurador, com uma intervenção cada vez mais exacerbada do Poder Judiciário nos contratos, um aspecto relevante é objeto de grande celeuma: afinal, os consumidores finais, consideradas todas as repercussões das decisões judiciais que interferem nos contratos de seguro celebrados, são beneficiados ou prejudicados com essa massiva ingerência estatal?  

 

É inegável a relevância do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana – e de todos os direitos fundamentais dele decorrentes – para o estágio atual do Estado Democrático de Direito. A sua incontestável relevância no cenário jurídico e o empenho global para a sua concretização, tanto através das Constituições de diversos países, quanto em decisões judiciais relevantes, deve ser exaltada, como expressão de desejada evolução civilizatória. 

 

Também nesse sentido, a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (1990) veio como um verdadeiro marco balizador – e, de igual modo, limitador – da atuação dos prestadores de serviço e fornecedores em geral, em benefícios à parte mais fraca das relações comerciais, que é, em regra, o consumidor de bens e serviços. 

 

Esses marcos legislativos foram fundamentais para proporcionar relações de consumo mais justas e equilibradas e representam um paradigma internacional a ser seguido. 

 

No entanto, o que se verifica atualmente, no caso do mercado segurador, é um desacerbado ativismo judicial, em alguns casos, inclusive, com invasões da seara legislativa e, especialmente, regulatória. Esse fenômeno, que não decorre da legislação e não é respaldado pela Constituição da República, traz prejuízos para todo o sistema e também acaba por gerar resultados indesejáveis para os próprios segurados.

 

A área de seguros é normatizada por leis e regras reguladoras específicas, embasadas pelo caráter eminentemente técnico e lastreadas em cálculos atuariais. Por outro lado, algumas decisões judiciais ativistas sobre o tema de seguro acabam, na maioria das vezes, sendo tomadas com base em critérios unicamente morais e que em nada se relacionam com o tecnicismo necessário para o aprofundamento da questão. 

 

Essas decisões judiciais, que desconsideram e muitas vezes colidem com as normas regulatórias, ao fim e ao cabo, desequilibram o contrato de seguro, gerando instabilidade e disparidades que são incompatíveis com os critérios atuariais que regem essa importante modalidade contratual.

 

Ora, por mais que se busque – como alguns alegam – a justiça no caso concreto, para que seja determinada a cobertura de sinistro não prevista no contrato, adequando-o a uma nova realidade para atender a determinado segurado, o que se vê é que o desequilíbrio – absolutamente imprevisto – gerado pelo intervencionismo judicial prejudica o sistema como um todo, em detrimento de todos os demais segurados.

 

O princípio do mutualismo que rege o contrato de seguro é quebrado sempre que se interfere na relação contratual para adicionar uma cobertura que não estava antes prevista e, por conseguinte, não foi objeto de reserva de recursos do respectivo grupo segurado para seu pagamento. 

 

Isto porque o mutualismo é o princípio fundamental para a sustentabilidade dos contratos de seguro, que permite a diluição do risco entre os segurados da carteira seguradora ou mesmo de uma determinada apólice, permitindo-se a reunião de grupos de pessoas com riscos homogêneos para a formação de um fundo comum, do qual sairão todos os recursos para o pagamento das indenizações. Decorre daí uma verdadeira solidariedade financeira dentre todos os segurados. 

 

Essa solidariedade se resume no seguinte: aqueles que não sofreram o sinistro pagam pelos gastos com os usuários que sofreram. Com isso, as perdas econômicas decorrentes de certos eventos, que seriam grandes demais para um único individuo, são divididas entre um grupo, de forma que cada um assume uma pequena parcela, previamente conhecida. 

 

Entretanto, para que esses riscos sejam considerados transferíveis ao grupo segurado, alguns requisitos devem ser, necessariamente, observados, tais como (i) a obrigatoriedade de uma coletividade segurada; (ii) as perdas (ou a ocorrência do sinistro) não podem ser intencionais; (iii) o custo deve ser mensurável ou previamente determinado; e (iv) a probabilidade de perda deve ser calculável. 

 

Assim, eventual inclusão de sinistros que não estavam previamente contratados desequilibra o contrato de seguro, gerando custos adicionais a todos os grupos de segurados e alterando o equilíbrio do contrato. 

 

Por sua vez, as seguradoras para fazer frente aos custos do seguro, além dos valores estimados dos sinistros – para os quais são feitas provisões técnicas para garantir a segurança das operações e dos beneficiários –, mantêm também reservas para custos inesperados, decorrentes de outros riscos a que eventualmente estejam expostas, como alterações de mercado, operacionais e regulatórias. Todas essas variáveis influem diretamente no prêmio cobrado pela operadora. 

 

Em outras palavras, quem arca com o pagamento de determinada condenação a respeito de sinistro não contemplado nas apólices de seguros são, na verdade, os demais segurados. E são eles que terão de arcar, em condomínio, com os custos decorrentes dessa concessão de cobertura não prevista. E essa circunstância deve ser sempre considerada. 

 

Se de um lado, há o dever do Poder Judiciário de intervir nas relações negociais, garantindo-se o equilíbrio aos consumidores, de outro, existe a obrigação estatal de sustentação dos seguros, de modo a manter a higidez desse relevante sistema. 

 

Portanto, a crise do mercado segurador, em parte gerada pelo intervencionismo exacerbado do Poder Judiciário, acarreta mais prejuízos aos consumidores do que benefícios, na medida em que onera outros segurados e inviabiliza a atividade das seguradoras de pequeno e médio portes, causando uma concentração de mercado, e especialmente determinando o aumento das contrapartidas para os contratos de seguro, em detrimento dos próprios segurados.