OS RISCOS QUE REPRESENTAM OS GIGANTES QUE SINGRAM OS MARES

OS RISCOS QUE REPRESENTAM OS GIGANTES QUE SINGRAM OS MARES

O acidente com o supercargueiro no canal de Suez chama atenção para proteções dos riscos de diversos tipos de embarcações de grandes portes também em águas brasileiras.

Por: Thaís Ruco

C erca de 19 mil navios passaram pelo Canal de Suez em 2020, de acordo com a Autoridade do Canal de Suez – uma média de 51,5 navios por dia. No total, foram registrados 75 incidentes no canal entre 2010 e o final de 2019, mais de um terço envolveu navios porta-contêineres (28). No caso do navio Ever Given, a embarcação permaneceu encalhada no Canal de Suez por seis dias em março, obstruindo uma das principais rotas comerciais do mundo.

 

A sinistralidade da frota mundial apresenta ciclos de alta e redução no que diz respeito aos danos materiais das embarcações que afetam os seguros de Cascos e Máquinas. No Brasil, segundo a Diretoria de Portos e Costas da Marinha, o número total de Inquéritos sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN) foi de 1.048, em 2019, e de 906, em 2020. Na última década, houve uma grande melhoria no volume de sinistros em riscos marítimos, com redução de cerca de 57% entre 2010 e 2019. O volume das perdas com embarcações diminuiu quase 25% a cada ano.

 

“Essa redução se deu principalmente pelo aprimoramento de projetos de navios, os avanços tecnológicos, a intensificada regulamentação e gestão de riscos, o que permite melhor gerenciamento de segurança. O contexto fica evidente com a constatação de que o número de grandes sinistros diminuiu cerca de 20% em 2019, em comparação a 2018”, informam os advogados especialistas Ana Basílio e Álvaro Ferraz, do escritório Basílio Advogados.

 

Em 2008, foram 53 sinistros, e, em 2019, 41. A redução nos níveis dos sinistros não atinge a luta da indústria de seguros contra incêndios em navios porta-contêineres. Segundo Maria Helena Carbone, consultora especializada em Riscos Marítimos, os grandes incêndios em navios porta- contêineres estão entre os maiores riscos para a indústria de navegação global, que constatou um grande incêndio no dia 7 de março de 2018 a bordo do navio porta-contêineres Maersk Honam. Cinco tripulantes morreram.

 

“A operação de salvamento foi desafiadora, exigiu cinco dias para controlar o fogo e mais sete semanas para que o navio pudesse ser rebocado para um porto de refúgio. O sinistro superou a casa dos US$ 100 milhões”, relata. Contemporaneamente, a pandemia da Covid- 19 tem ajudado a aumentar a ocorrência de acidentes marítimos.

 

O problema começa pela interrupção das atividades essenciais de manutenção e serviço, o que amplia o risco de danos às máquinas, redução nas inspeções portuárias, mais produtos e contêineres danificados e aumento do risco de acidente com as cargas, pois as empresas que cuidam e fazem o manuseio desses bens estão encerrando suas atividades ou estão com funcionamento restrito. Para o escritório de advocacia, foi igualmente relevante para o aumento de sinistros no último ano o fato de que, em abril de 2020, cerca de 95% da frota global de cruzeiros e navios estava parada. Isso gerou alto risco de exposições das embarcações a furacões (na América do Norte) e tufões (na Ásia).

 

“Apesar da melhoria gradual na última década, os últimos dois anos têm evidenciado aumento em acidentes e riscos na segurança da frota marítima. É reflexo do retrocesso das melhorias na segurança, o que gera importante aumento de riscos para as seguradoras”, avaliam os advogados.

 

RISCOS PROTEGIDOS

 

Por se tratar de bem de altíssimo valor — muitas vezes majorado pelo valor da carga que transporta –, esse mercado se desenvolveu a ponto de oferecer diversas modalidades de seguros, para garantir os mais diversos riscos atrelados ao transporte marítimo. Ao menos 95% da frota mundial está coberta por seguros básicos como Casco e Máquinas e seguro de Proteção e Indenização (P&I), em alguma de suas modalidades. A cobertura de P&I vem 99% do exterior, onde o mercado é mais ativo e as alternativas de trabalho, melhores.

 

No Brasil, para o P&I, como não há previsão de participação obrigatória de corretores, os seguradores e clubes estabelecem frequentemente uma relação direta com seus clientes, sem intermediação. Os clubes têm como objetivo também a prestação de serviços, o que faz com que seus clientes se sintam confortáveis com o tratamento direto.

 

“Existem muitos cenários de danos e responsabilidades que podem surgir de um incidente envolvendo uma embarcação. Os seguros para danos ao casco e máquinas da embarcação e os de responsabilidade por danos a terceiros são os principais mecanismos de proteção financeira”, avalia. Alfredo Chaia, Presidente do CIST (Clube Internacional de Seguros de Transportes), cita o caso do Ever Given, com possíveis danos causados à embarcação ou reclamações por obstrução do canal. “As reclamações de responsabilidade podem vir de organizações como a Autoridade do Canal de Suez por perda de receitas (e danos potenciais ao canal), bem como de outras embarcações bloqueadas na área (interrupção de negócio/ perda de aluguel ou indenização de carga atrasada)”, exemplifica.

 

Robert Bittar, especializado em Seguros de Transportes, reforça os riscos inerentes ao transporte internacional de cargas. “Em todas as fases pode ocorrer um dano consequente de içamento, incêndio, roubo, amolgamento, naufrágio, descarte ou intempéries da natureza. Todo e qualquer dano ou prejuízo pode, sim, estar coberto pelo seguro em alguma ou mais de uma modalidade de apólice aplicável na cadeia”, afirma.

 

De acordo com Carlos Polízio, coordenador da Subcomissão de Cascos Marítimos da Fen- Seg, as grandes embarcações para os setores de transporte de carga ou de passageiros contam com apólices contratadas, seja para proteção de casco & máquinas, seja para reparação de danos causados a terceiros. “Diante da crescente demanda desse modal, os desafios são enormes.

 

Entre eles, treinamento permanente de pessoal operacional, programas de manutenções preventivas, modernização e automatização dos equipamentos, novas rotas e suas respectivas infraestruturas, aumento da exposição a riscos decorrente de embarcações maiores e um volume maior embarcado, conhecimento das regiões com maiores exposições ao risco”, aponta.

 

MEDIDAS DE PROTEÇÃO

 

O gerenciamento de risco atua tendo como base a determinação dos perigos identificados com a atividade, quantificando os riscos associados, a fim de estabelecer as medidas de controle de acidentes. Segundo a Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil, a gestão do risco é aprimorada continuamente com a divulgação das lições aprendidas em cada acidente, gerando efeitos no campo da prevenção, educação, bem como no acompanhamento da efetividade das medidas de controle estabelecidas.

 

“Uma das formas de melhorar a segurança, para diminuir os riscos dos acidentes, é o aprendizado com os incidentes anteriores, o que exige a elaboração de relatórios de investigação de acidentes já ocorridos. A análise aprofundada das estatísticas de acidentes com embarcações pode ser forte subsídio na melhoria da gestão de riscos”, afirmam os advogados Ana Basílio e Álvaro Ferraz. Para a consultora Maria Helena, cada grande sinistro tem seu lado negativo, mas também pode ser alavanca para novas normas e novos procedimentos

 

“Começando pelo Titanic, a partir do qual os navios passaram a ter que dispor de embarcações salva-vidas suficientes para o número de pessoas a bordo”, informa. Especialistas e seguradoras vêm alertando que o aumento do tamanho dos navios está levando a um maior acúmulo de risco. Esses temores agora estão se concretizando, potencialmente compensados pelas melhorias de longo prazo na segurança e no gerenciamento de riscos.

 

“Os grandes navios representam economia de escala para os armadores, mas também um custo muito maior quando algo dá errado. Os incidentes envolvendo embarcações de grande porte estão se tornando mais complexos e caros”, diz Alfredo Chaia. Os profissionais que atuam na prevenção de acidentes em geral são analistas de risco, muitas vezes das próprias seguradoras, e têm auxílio de projetistas das navegações. Algumas empresas têm estrutura própria voltada ao gerenciamento de risco, incluindo programas constantes de treinamento, simuladores para diversas áreas de navegação e novas tecnologias para monitoramento das embarcações.

 

“Há empresas especializadas na mitigação de riscos, inclusive para reduzir exposições de danos a terceiros. No processo de subscrição, as seguradoras levam em conta ações de prevenção de perdas adotadas pelas empresas”, relata Carlos Polizio.

 

Para Robert Bittar, toda a cadeia do transporte marítimo conta com profissionais altamente treinados para operações seguras, incluindo protocolos de segurança internacionais. “Os principais portos do mundo e também os armadores investem frequentemente em tecnologia dos equipamentos de movimentação e treinamento de pessoal de forma a minimizar riscos, isto é uma constante dado o nível de conscientização de todos, mesmo que haja a cobertura securitária para o reembolso. O dano de imagem e prejuízos subsequentes são muito considerados nessa atividade”.

 

Paulo Alves, Presidente da Comissão de Transportes da FenSeg, ressalta que a tecnologia, como GPS e sonares, deve apoiar muitas decisões, assim como nos acidentes aéreos nos quais não existe um único fator determinante, mas um conjunto de fatores. “Parte dos acidentes é caracterizada por decisões equivocadas. Planejar significa, em muitos casos, a necessidade de desviar dos riscos iminentes. Por mais que existam ‘big datas’ apoiando o planejamento da viagem e sustentando decisões, em algumas situações a imprevisibilidade existe”, avalia.